A urna eletrônica nasceu em Santa Catarina, em 1994, em cinco sessões do Educandário Imaculada Conceição que, por sinal, ostenta uma placa comemorativa, festejando as primeiras eleições informatizadas na América Latina. No ano seguinte, o Tribunal Regional Eleitoral repetiu o feito para a eleição do Prefeito de Xaxim, no Oeste Catarinense. Desde então, há 27 anos, o Brasil vem assegurando aos seus cidadãos pleitos eleitorais absolutamente limpos. Por isso, digna de aplausos, é a campanha agora encetada pelo TSE, sob a lúcida liderança de seu eminente Presidente, ministro Luís Roberto Barroso
Considero o voto eletrônico como a maior conquista da cidadania no campo das disputas eleitorais. Com sua adoção pôs-se fim à corrupção, tanto no ato de votar quanto na apuração. Até então fraudava-se a lei pela compra de votos e, depois, quando as cédulas eram escrutinadas. No primeiro caso, filas enormes eram vistas, nas vésperas dos pleitos, nos Comitês dos candidatos. Os eleitores recebiam dois envelopes, um com a cédula do candidato “comprador” e outro com o dinheiro que corrompia o voto. Na apuração, alguns escrutinadores desvirtuavam a escolha e contavam cédulas em favor de candidato não votado. Nas primeiras horas a fiscalização dos partidos era em geral rigorosa, mas perdia força com o avanço das horas e então a madrugada se tornava propícia à contagem que desconsiderava a vontade do eleitor, para candidatos escolhidos. Existia um agravante: a apuração por vezes levava semanas...
Depois houve progresso, em favor da cidadania, com a adoção da cédula única. E aí, o “jeitinho” brasileiro criou o voto formiguinha que se materializava pela troca da cédula recebida dos mesários por outra, semelhante (que na apuração certamente seria anulada, posto que não formalizada com a assinatura dos Mesários). O primeiro eleitor comprado votava com a cédula falsa e entregava a verdadeira ao cabo eleitoral, na “boca da urna” que então iniciava a corrente. O eleitor recebia o dinheiro ao entregar a cédula verdadeira. Esse era o voto “formiguinha”.
Mas também havia o perigo de involuntários equívocos no registro dos mapas eleitorais, geralmente impressos com espaços mínimos entre as linhas. Quando juiz eleitoral, ao conferir os mapas, eu próprio constatei que se registrara, por equívoco, exatamente mil votos para um candidato que não fora votado, ambos com o mesmo prenome. A correção foi feita na presença dos delegados dos partidos. Em outra Zona, também flagrei, alta madrugada, um dos escrutinadores juntando votos de diversos candidatos para um só, um inequívoco ato de corrupção, seguido das devidas providências.
A urna eletrônica foi criada em Florianópolis em 1994, e utilizada, naquele ano, em cinco sessões eleitorais do Educandário Imaculada Conceição, na presença do então presidente do TSE, Ministro Sepúlveda Pertence, com grande cobertura da imprensa local e nacional. No ano seguinte, 1995, com maior amplitude, foram realizadas as primeiras eleições informatizadas da América Latina em todo um município, o de Xaxim, no Oeste catarinense. Eleições num município extenso e heterogêneo, para Prefeito. O titular morreu na primeira parte de seu mandato. O TRE de SC logrou autorização do TSE para efetuar o pleito totalmente com urnas eletrônicas. A apuração foi rápida e o resultado foi oficialmente anunciado poucos minutos após o encerramento da votação.
O Presidente daquela Corte, à época, era o Ministro Carlos Velloso que também prestigiou, pessoalmente, o pleito. A sede do TRE/SC foi transferida para Xaxim, onde realizou histórica sessão solene. A imprensa, catarinense e nacional, também registrou o evento que se tornou a pedra fundamental dos novos tempos da cidadania brasileira. A repercussão foi tão expressiva que o TSE convocou reunião com todos os Presidentes e Técnicos dos TREs, realizada em Recife, para que, nas eleições gerais seguintes, em 1996, fosse adotada a “invenção catarinense”, o que de fato ocorreu. Esse encontro selou, definitivamente, o destino da urna eletrônica na história das eleições no país.
Recente pesquisa Datafolha, de janeiro de 2021, demonstra o sentimento nacional: 73% dos brasileiros, três em cada quatro, apoiam a urna eletrônica. A urna eletrônica tornou o sistema eleitoral brasileiro ágil e seguro e colocou um ponto final no coronelismo e nas fraudes eleitorais
De fato, a urna eletrônica foi concebida para agilizar o voto e impedir qualquer tipo de fraude. Incontáveis testes foram realizados por técnicos em informática, equipe altamente gabaritada, constituída pelo TRE/SC e composta pelo pessoal da área da própria Corte e técnicos em engenharia computacional da UFSC, capitaneados pelo Diretor Geral do TRE/SC, o advogado Rogério Pereira e pelo chefe do setor de Informática, Célio Santos Assunção. Convém registrar que a “máquina de votar” vem sendo aprimorada com inegável sucesso.
Antes do início da votação nas cinco Secções do Educandário Imaculada Conceição, em Florianópolis, os técnicos do Tribunal, na presença dos delegados dos Partidos e especialistas em computação independentes, fizeram uma demonstração da urna, comprovando que a mesma estava “vazia”. Foi quando os técnicos do TRE/SC criaram o termo “zerézima” já incluído no vocabulário eleitoral.
Em todas as muitas eleições no Brasil, desde o ano de 1994, quando foi inaugurada oficialmente, nenhuma fraude foi comprovada. E isso tem explicação. As urnas eletrônicas não são ligadas à Internet. A rede é da própria Justiça Eleitoral. Isso explica o fracasso dos hackers que, pleito sim, pleito não, tentam interferir no sistema, sem êxito. O máximo que conseguem, como ocorreu nas eleições municipais de 2020, por via indireta, foi atrasar o anúncio dos resultados, em face da deliberação do TSE, impedindo as Cortes estaduais, como sempre haviam feito, de proclamar os resultados antes da finalização em Brasília.
Não custa frisar: finda a votação é emitido um boletim de urna com a votação de cada candidato. Esse boletim é afixado no local e uma cópia entregue aos delegados partidários e em seguida enviado ao TRE para a totalização, cabendo a este o repasse para o TSE. Não há como interferir no sistema. O Brasil computa todos os mais de 140 milhões de votos em algumas horas. Um belo exemplo de capacidade, eficiência e seriedade para o Mundo!
Desde o ano 2000 o sistema é utilizado por todos os eleitores. Dentre todos os mecanismos de segurança destacam-se a técnica criptográfica e a assinatura digital. Isto é, a criptografia permite que o arquivo digital comprove a integridade do exercício do voto. Garante, outrossim, que o software não sofreu modificação intencional e que está livre de falhas. A assinatura digital comprova a autenticidade do programa. E com a identificação biométrica, adotada a partir de 2014, confirmou-se, definitivamente, a segurança das eleições. O sistema brasileiro é seguro e protegido contra qualquer tipo de fraude.
Nada obstante há muitos brasileiros, com baixa autoestima cívica, portadores de síndrome da pequenez, incapazes de entender o progresso desse porte. De qualquer forma, o sistema eleitoral, apesar dos reconhecidos avanços, pode melhorar.
Ainda em 1995 o TRE/SC encaminhou ao TSE nova proposta, sugerindo facilitar o eleitor no ato de votação. Acabaríamos com o chamado “voto em trânsito”, utilizado por quem precisa justificar a ausência do seu domicílio eleitoral, e permitiríamos o voto onde quer que estivesse o eleitor, no Brasil e no exterior. Bastaria sua presença em qualquer local que disponha de caixa eletrônico bancário. Ignoro o desfecho desse projeto. Durante a minha gestão não recebi qualquer resposta.
O fato é que, com o advento, anos depois, da identificação digital adotada pelo TSE e pelos Bancos, o exercício do voto seria enormemente facilitado, possibilitando-se, em futuro não remoto, a extinção das Seções Eleitorais.
Hoje, com o fantástico progresso tecnológico, nova possibilidade, já aventada, poderia ser adotada com êxito: o voto pelo celular. Isso, evidentemente, depende de legislação própria e consequente regulamentação pelo Tribunal Superior Eleitoral. Mas estou certo de que também avançaremos nesse sentido.