Migalhas de Peso

Mais um 17 de maio em pandemia

Me encontro diante do dilema: comemorar os avanços materializados nos 10 (dez) anos do reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou denunciar as gravíssimas violações de direitos humanos cotidianamente praticados contra as populações ditas indesejáveis (pretos, pobres, mulheres, indígenas, LGBTQIA+) no nosso país?

17/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia é comemorado em memória de 17 de maio de 1990, quando a homossexualidade foi excluída da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, esta data está incluída no calendário oficial do país desde 2010, de acordo com o Decreto de 4 de junho de 2010.

Me encontro diante do dilema: comemorar os avanços materializados nos 10 (dez) anos do reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou denunciar as gravíssimas violações de direitos humanos cotidianamente praticados contra as populações ditas indesejáveis (pretos, pobres, mulheres, indígenas, LGBTQIA+) no nosso país?

De acordo com dados do GGB, em 2020 no Brasil, 237 LGBTQIA+ tiveram morte violenta, vítimas da homotransfobia: 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%). Diferentemente do que se repete desde que o Grupo Gay da Bahia iniciou tal pesquisa, em 1980, pela primeira vez, as travestis ultrapassaram os gays em número de mortes: 161 travestis e trans (70%), 51 gays (22%) 10 lésbicas (5%), 3 homens trans (1%), 3 bissexuais (1%) e finalmente 2 heterossexuais confundidos com gays (0,4%).1

Me entendam, não há que se diminuir as vitórias e avanços, mas não podemos nos calar diante do momento que vivemos. Tempos escuros não mais se avizinham, se encontram sobre nós. 430 mil mortos. Um governo fascista e genocida. A comparação com o período da ditadura militar não pode nos escapar.

Os parágrafos abaixo citados foram extraídos da obra História do Movimento LGBT no Brasil / organização James N. Green, Renan Quinalha, Marcio Caetano, Marisa Fernandes. – 1ª ed. – São Paulo: Alameda, 2018.

A retórica moralidade pública e dos bons costumes foi central na construção a estrutura ideológica que deu sustentação à ditadura militar de 1964. A defesa das tradições, a proteção da família, o cultivo dos valores religiosos cristãos foram todos, a um só tempo, motes que animaram uma verdadeira cruzada repressiva contra setores classificados como indesejáveis e considerados ameaçadores à ordem moral e sexual então vigente. [...]

Travestis, prostitutas e homossexuais presentes nos cada vez mais inchados guetos urbanos eram também uma presença incômoda para os que cultivavam os valores tradicionais da família brasileira. Por esta razão, passaram a ser perseguidos, presos arbitrariamente, extorquidos e torturados pelo fato de ostentarem, em seus corpos, os sinais de sexualidade ou de identidade de gênero dissidentes. [...]

Os desejos e afetos foram alvo do peso de um regime autoritário como pretensão de sanear moralmente a sociedade e criar uma nova subjetividade. [...]

A sexualidade passou a ser, em certa medida, tema pertinente à segurança nacional para os militares. Os desejos e afetos entre pessoas do mesmo sexo também foram alvo do peso de um regime autoritário com pretensão de sanear moralmente a sociedade e forjar uma nova subjetividade à imagem e semelhança da família nuclear, monogâmica, patriarcal e heterossexual. [...]

Aliás, pode-se afirmar, sem sombras de dúvidas, que a mera existência pública de corpos de desejos contrários às normas-padrão de gênero e de sexualidade sempre foram um ato político de maior grandeza. 

De volta ao ano de 2021, nos deparamos com a notícia de que a primeira vereadora trans, democraticamente eleita, Benny Briolly (PSOL) de Niterói deixa o país após receber ameaças à sua vida2.  As ameaças e tentativas contra à vida de parlamentares mulheres, negras e LGBTs não é novidade no país, anteriormente, em mesma situação, o ex deputado Federal, Jean Wyllys (PSOL), também buscou segurança fora do país, após diversas ameaças à sua vida e integridade física3. Ainda, não podemos deixar de lembrar que a busca por segurança, fora do Brasil, é plenamente justificável, principalmente após a execução da, até então, vereadora do Rio de Janeiro, mulher e lésbica, Marielle Franco (PSOL), no dia 15/03/184.

Fora dos holofotes e manchetes diárias, o genocídio da população LGBTQIA+, preta, pobre e feminina, segue em todos os frontes. No Brasil, ser LGBTQIA+ não é crime, mas a pena é de morte, o mais alto preço a ser pago por uma pessoa, a mais cara amiga do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro (sem partido), que já declamou, em pronunciamento, que prefere o filho morto, ao invés de aparecer com um companheiro do mesmo sexo5.

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1 https://grupogaydabahia.com.br/2021/05/14/relatorio-observatorio-de-mortes-violentas-de-lgbti-no-brasil-2020/

2 https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/05/14/vereadora-benny-briolly-grava-video-apos-deixar-o-brasil-por-ser-ameacada-de-morte.ghtml

3 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/com-medo-de-ameacas-jean-wyllys-do-psol-desiste-de-mandato-e-deixa-o-brasil.shtml

4 https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/vereadora-do-psol-marielle-franco-e-morta-a-tiros-no-centro-do-rio.ghtml

5 https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/06/politica/1538859277_033603.html

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Claudia Caroline Nunes da Costa
Advogada previdenciária associada do escritório Cascone Advogados Associados. Bacharel em Direito pela PUC-Campinas. Pós-graduada em Prática Processual Previdenciária.

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