A ascensão do mercado de criptomoedas no Brasil tem gerado grande repercussão na esfera econômica e jurídica-tributária. Apesar da volatilidade do valor mundial das criptomoedas, houve um crescimento consistente e exponencial do preço de mercado nos últimos tempos, o que reforça a necessidade de uma regulamentação adequada e definitiva, de modo a garantir a segurança jurídica tributária indispensável aos investidores, ao sistema financeiro e ao funcionamento do mercado de capitais.
Esse cenário de lacuna legislativa e insegurança tributária não é observado exclusivamente no Brasil. Diversos países do mundo têm enfrentado celeumas decorrentes da mercantilização das criptomoedas (ou “moedas virtuais”), e a formulação de respostas invariavelmente exige uma definição do conceito de criptomoedas. A definição atribuída pela organização da mais afamada delas, denominada “BITCOIN”, é demasiado genérica e não encerra o debate, mas o estimula, posto que as classifica, de acordo com o site “bitcoin.org”, como “uma rede de pagamento inovadora e um novo tipo de dinheiro”.
Transportando ao plano jurídico, a primeira questão se coloca reside na atribuição de uma natureza jurídica às criptomoedas: seriam elas "moedas de fato” ou meio de pagamento(serviço intermediário)? Se qualificam como moeda corrente, valor mobiliário ou commodity?
As 2 (duas) principais características das criptomoedas parecem dar um ponto de partida confiável ao debate: (I) são totalmente digitais, situação que gera enorme complexidade, considerando o atual sistema financeiro e monetário; e (II) não são emitidas por nenhum governo ou bloco econômico (como Real, Dólar, Euro, etc.). Tal conjuntura, inclusive, tem sido apontada como um dos fundamentos que explicam volatilidade das moedas virtuais.
Sem aprofundar às qualificações possíveis já atribuídas por outros países – cada qual orientado por um sistema jurídico próprio – nos convém investigar o tratamento oficial que o Brasil tem dado às moedas digitais até presente momento.
O Banco Central (BACEN) já manifestou seu pragmático entendimento1 em algumas ocasiões, no sentido de que as criptomoedas não se encontram sob sua alçada de regulamentação, porquanto não são moedas e não estão inseridas no escopo da legislação relativa a meio de pagamentos, senão vejamos:
“As empresas que negociam ou guardam as chamadas moedas virtuais em nome dos usuários, pessoas naturais ou jurídicas, não são reguladas, autorizadas ou supervisionadas pelo Banco Central do Brasil. Não há, no arcabouço legal e regulatório relacionado com o Sistema Financeiro Nacional, dispositivo específico sobre moedas virtuais. O Banco Central do Brasil, particularmente, não regula nem supervisiona operações com moedas virtuais.
(...)
6. É importante ressaltar que as operações com moedas virtuais e com outros instrumentos conexos que impliquem transferências internacionais referenciadas em moedas estrangeiras não afastam a obrigatoriedade de se observar as normas cambiais, em especial a realização de transações exclusivamente por meio de instituições autorizadas pelo Banco Central do Brasil a operar no mercado de câmbio.” (Grifou-se)
Já a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), num primeiro momento, manifestou-se pela impossibilidade da aquisição direta de criptomoedas por fundos de investimento2 e, poucos meses depois, entendeu pelo cabimento do investimento indireto mediante “aquisição de cotas de fundos e derivativos, entre outros ativos negociados em terceiras jurisdições, desde que admitidos e regulamentados naqueles mercados"3.
Acompanhando os tímidos posicionamentos das autarquias supracitadas, a Secretaria da Receita Federal do Brasil, por sua vez, limitou-se – até o presente momento – a editar a instrução normativa IN RFB 1.888/19, que basicamente institui às intermediadoras (“exchanges”) o dever de prestar informações relativas às operações realizadas com criptoativos ao Fisco Federal.
No que diz respeito às pessoas físicas, para fins de tributação, entende a Receita Federal do Brasil que “os criptoativos, tais como as moedas virtuais (Bitcoin – BTC, Ether – ETH, Litecoin – LTC, Teher – USDT, entre outras), não são considerados como ativos mobiliários nem como moeda de curso legal nos termos do marco regulatório atual. Entretanto, podem ser equiparados a ativos financeiros sujeitos a ganho de capital e devem ser declarados pelo valor de aquisição”.4
Destarte, a Receita Federal ratifica o entendimento do BACEN e da CVM, bem como as respectivas obrigações tributárias. A obrigação principal, neste contexto, seria o pagamento de Imposto de Renda sobre o ganho de capital (obrigação de dar - realização) e sua correspondente obrigação acessória, consistente na declaração da obrigação tributária (obrigação de fazer – declaração).
Ocorre, no entanto, que referido posicionamento do Fisco Federal não dimana de nenhum ato normativo específico/próprio, sendo extraído tão somente de seu manual de “Perguntas e Respostas” (“Perguntão”) do programa do Imposto de Renda de Pessoa Física – IRFP 2021. Extraímos as seguintes informações do Manual:
“Os ganhos obtidos com a alienação de ativos digitais, tais como criptoativos ou moedas virtuais (bitcoins - BTC, por exemplo) cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são tributados, a título de ganho de capital, segundo alíquotas progressivas estabelecidas em função do lucro, e o recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação, no código de receita 4600.
A isenção relativa às alienações de até R$ 35.000,00 mensais deve observar o conjunto de criptoativos ou moedas virtuais alienados no Brasil ou no exterior, independente de seu nome (bitcoin, ethereum, litecoin, tether...). Caso o total alienado no mês ultrapasse esse valor, o ganho de capital relativo a todas as alienações estará sujeito à tributação.
O contribuinte deverá (...) prestar informações relativas às operações com criptoativos ou moedas virtuais, por meio da utilização do sistema Coleta Nacional, disponível no e-Cac, quando as operações não forem realizadas em exchange ou quando realizadas em exchange domiciliada no exterior, nos termos da Instrução Normativa RFB nº 1.888, de 3 de maio de 2019.” (Grifou-se)
Em síntese, a Receita Federal, ao criar uma espécie de regulamento por meio de um mero Manual de “Perguntas e Respostas”, dispõe que todos os saldos em criptomoedas incorridos no ano-calendário da declaração sejam declarados na ficha “Bens e Direitos”, cujo valor deve corresponder ao preço de custo (compra) da criptomoeda.
Em outros dizeres, não há qualquer outro ato normativo vigente que esclareça definitivamente o tratamento fiscal e tributário concedido às moedas virtuais e muito menos uma regulamentação comercial adequada.
Existem alguns projetos de lei tramitando nas duas casas do Congresso Nacional – os projetos de lei 2.060/19 e 2.303/15, recentemente apensados pela comissão especial da Câmara dos Deputados, cujas audiências públicas neste sentido encontram-se suspensas; e os projetos de lei 3.825/19, 3.949/19 e 4.207/20, em curso no Senado Federal – objetivando a regulação para as operações realizadas com criptoativos ou moedas digitais em plataformas eletrônicas de negociação, os quais também carecem de prazo para apreciação pelo plenário do Senado.
Sem prejuízo à toda exigência formal e material que o assunto demanda, tal regulação se mostra imprescindível e urgente no Brasil, de modo a evitar que o vácuo normativo culmine em controvérsias judiciais para as quais sequer haverá regulamentação específica. Vale mencionar que o próprio Poder Judiciário já explicitou este anseio, sendo certo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ponderou, em julgado envolvendo matéria, ainda em 2018, que “a negociação de criptomoeda ainda não foi objeto de regulação no ordenamento jurídico pátrio”5.
Dito isto, em que pese o mero aceno do Fisco Federal em tributar, por ora, a realização das criptomoedas em razão do eventual ganho de capital, sujeito ao Imposto de Renda, o legislativo deverá atuar para a regular e legítima normatização mercantil, regulatória e fiscal do tema, sendo essa uma medida impositiva de curto prazo, sob pena de graves e irremediáveis consequências jurídicas advindas incapacidade temporal de o direito positivo acompanhar a evolução da sociedade.
1 COMUNICADO 31.379, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2017
2 Ofício Circular 1/2018/CVM/SIN
3 Ofício Circular 11/2018/CVM/SIN
4 RFB. Perguntas e Respostas IRPF 2021 v11. Disponível clicando aqui. Acesso em 25/4/21.
5 STJ. Conflito de Competência 161.123/SP (2018/0248430-4), j. 28/11/18, DJe 5/12/18.