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Trabalho em plataformas digitais: empregados, autônomos ou para-subordinados?

A ideia deste breve artigo é provocar uma reflexão que nos liberte de uma visão binária de que o serviço somente pode ser prestado de forma autônoma, por conta e risco do trabalhador, ou através de uma relação empregatícia.

11/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O trabalho em plataformas digitais está relacionado com a denominada economia colaborativa (sharing economy), que provoca uma profunda mudança nos conceitos clássicos de trabalho e emprego.

A ideia deste breve artigo é provocar uma reflexão que nos liberte de uma visão binária de que o serviço somente pode ser prestado de forma autônoma, por conta e risco do trabalhador, ou através de uma relação empregatícia, nos moldes dos arts. 2º e 3º da CLT.

Esse novo sistema de trabalho nasce em um período de mudanças da economia global e se traduz em um modelo empresarial no qual a atividade é facilitada por plataformas colaborativas que criam um nicho de mercado que possibilita a utilização temporária de bens e serviços, muitas das vezes prestados por particulares.

A expansão das plataformas digitais é avassaladora e em menos de uma década foram criadas cerca de 10.000 companhias responsáveis por gerar inúmeros empregos.

Ao contrário do que se propaga, esses prestadores de serviços não são “empresários” e donos do seu próprio negócio. Por outro lado, também não são empregados nos moldes tradicionalmente conhecidos.

Contudo, à míngua de uma legislação específica acerca deste tema, atualmente, no Brasil, apenas dois caminhos podem ser seguidos quando as demandas são submetidas ao judiciário trabalhista: i) reconhecer a autonomia desses prestadores de serviço e afastar o vínculo de emprego pretendido; ou ii) reconhecer que se trata de uma relação de emprego e deferir o liame empregatício e os consectários legais.

Tudo vai depender da análise de cada caso concreto, mas pelo o que se tem percebido, de uma forma geral, há uma certa autonomia na prestação desses serviços, o que fez com que, nos casos julgados, até o presente momento pelo TST, fosse afastado o vínculo de emprego.

Em precedente da E. 4ª Turma/TST, restou demonstrada a “autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”.¹

Em outro caso², o Ministro Douglas Alencar Rodrigues, da E. 5ª Turma/TST, bem pronunciou que critérios antigos de relação trabalhista, como previstos na CLT, não se aplicam às novas relações que envolvem plataformas e aplicativos.

Em Portugal existe um movimento para se aprovar um estatuto de “presunção de laboralidade”³, no qual fica transferido para as plataformas o ônus de provar que não existe vínculo de emprego com o trabalhador.

Trata-se de um critério que contribui para o aumento da litigiosidade, tendo em vista o elevado grau de subjetividade.

Recentemente, o Tribunal Supremo da Espanha proferiu decisão no Rec. 4746/194, que significa um acórdão de unificação de doutrina, no qual é ressaltada a prevalência da primazia da realidade em detrimento ao nomen iuris, bem como a constatação de que os serviços são prestados para uma organização produtiva, os frutos da atividade não pertencem ao prestador dos serviços, mas sim, a essa organização. Sem assumir os riscos do negócio, logo, será ele empregado. 

No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o PL 3748/20, que institui o regime de trabalho sob demanda, com garantias de direitos mínimos e que cria uma figura híbrida entre um prestador de serviços autônomo e um trabalhador sob o regime da CLT, ou seja, um “para-subordinado”, o que certamente traria maior segurança jurídica para as empresas e também para os trabalhadores, pois seria um critério balizador.

Estamos diante da ponta de um iceberg de uma profunda mudança nas relações de trabalho. Não há como regular estas relações com os antigos conceitos de Direito do Trabalho, razão pela qual é necessária uma abertura para novos caminhos de regulamentação da realidade que se descortina. A gênese do Direito do Trabalho revela que sua origem se deu justamente para trazer novas categorias no direito e foi fonte de inspiração para vários ramos. Chegou a hora de resgatar esta história e tradição, com a aplicação de novos conceitos a essas novas relações de trabalho.

_____________

1. Sessão de julgamento disponível aqui. . Acesso realizado em 19/4/21.

2. RR - 1000123-89.2017.5.02.0038

3. A presunção de laboralidade já existe no art. 12ª do Código do Trabalho, que define 5 indícios que orientam esta presunção, permitindo saber se estamos diante de um empregado ou um autônomo.

4. Tribunal Supremo, Sala Cuarta, de lo Social, Sentencia 805/20.

Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga
Sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados; doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL); membro da Academia Brasiliense de Direito do Trabalho (ABRADT); membro do IAB.

Luciano Andrade Pinheiro
Advogado. Graduado pela Universidade Federal da Bahia. Professor de Direito Autoral. Autor de artigos jurídicos. Palestrante. Perito judicial em propriedade intelectual. Foi assessor de técnica legislativa na Câmara dos Deputados, diretor adjunto da Escola Superior da Advocacia da OAB/DF e vice-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Brasil/DF.

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