No dia 05 de maio de 2021 a Vara de Execuções Penais de Tremembé, no estado de São Paulo concedeu prisão domiciliar ao ex-médico, Jorge Abdelmassih, condenado a pouco mais de 173 anos de prisão pelo estupro de diversas pacientes.
A juíza Sueli Zeraik concedeu o benefício considerando o fato de o criminoso ter saúde frágil, debilitada e, por isto, necessitar de cuidados constantes que o sistema prisional não lhe possibilitaria – mesmo considerando o fato de que o condenado cumpria sua pena em hospital penitenciário e não em celas de presídios comuns, o que, por si só, independentemente da condição apresentada, já é um benefício.
Em breve trecho retirado da decisão, a referida juíza expõe:
“Está evidenciado nos autos que o sentenciado em questão conta com setenta e seis anos de idade, apresenta quadro clínico bastante debilitado, experimenta atualmente considerável piora em seu estado de saúde, necessidade de cuidados ininterruptos, medicação constante e em horários diversificados, exames frequentes e específicos, assim como alimentação especial e vigilância contínua, tanto na área médica como de enfermagem.”
No âmbito normativo brasileiro, a prisão domiciliar, prevista no Código de Processo Penal, prevê o benefício para acusados ou indiciados por crime ou aos casos de substituição da prisão preventiva, desde que preenchidos os requisitos mínimos:
Art. 317, CPP. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo ausentar-se com autorização judicial.
Art. 318, CPP. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I – maior de 80 anos;
II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência;
IV – gestante;
V – mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos;
VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos de idade incompletos.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.
Com efeito, o rol exposto acima é exemplificativo e não exclusivo, diante da interpretação que o judiciário fornece ao tema, em inúmeras decisões do Superior Tribunal de Justiça – STJ, concedendo prisão domiciliar por falta de vaga no cárcere público, como exemplo.
No entanto, o que chama atenção é a facilidade com que o juízo concede a interpretação mais benéfica da legislação a um indivíduo como o tal, porém não a outros.
Vejamos o cenário atual da pandemia da covid-19. Os tribunais vêm decidindo, inclusive sob a luz da recomendação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, pela ótica do desencarceramento como forma de evitar a propagação da pandemia, o que por si só já é incrédulo, mas olhemos as estatísticas. Segundo dados extraídos do sistema dos Tribunais de Justiça dos Estados, apenas 3% dos pleitos vêm sendo atendidos pelo judiciário e, dentre estes, Roger Abdelmassih, estuprador de 39 mulheres, em 52 vezes distintas, somadas ainda à 4 tentativas.
Evidentemente, casos concretos precisam ser avaliados de acordo com o que se preza pela boa justiça e estrito cumprimento da legislação, pois o judiciário não pode atuar baseado nas emoções e no apelo e repercussão que o referido caso possui.
No entanto, após analisar as estatísticas e o criminoso, a perplexidade se caracteriza na análise do que motivou a concessão do benefício da prisão domiciliar, considerando ainda o histórico do condenado.
Roger Abdelmassih cumpria pena em hospital penitenciário, o que por si só, já o difere dos presos comuns jogados à toda sorte nos presídios brasileiros, já que sua condição de idade e de saúde acabam por garantir melhores condições (e tratamento) para que o mesmo não sofra qualquer tipo de malefício existencial sob a justificativa e causa proveniente do Estado brasileiro. Em breve parêntese, cabe destacar que, reconhecidamente, estupradores não são bem vindos no sistema prisional brasileiro.
O condenado possui assistência médica 24 horas, tem remédios garantidos, disponibilidade para realização de exames e análise ambulatorial farta, o que, arrisco a dizer, 99% da população carcerária do Brasil não tem. Mas, para a juíza de Tremembé, não é suficiente. Segundo a mesma:
“O próprio quadro de debilidade física e mental faz com que se torne absolutamente inócua qualquer finalidade de sanção penal consistente em encarceramento, além de representar significativo ônus ao erário e Estado”.
Na Lei de Execução Penal está claro que aos casos de necessidade de punição para indivíduos que apresentem perturbação da saúde mental ou até mesmo uma doença mental propriamente dita, existe o instituto da medida de segurança como garantia do cumprimento da sanção penal. Neste sentido, existem dois tipos de medida de segurança: i) detentiva – que consiste na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (art. 96, inciso I, CP); e ii) restritiva – que visa a sujeição a tratamento ambulatorial (art. 96, inciso II, CP).
No fim do dia, fica um tanto quanto difícil, para não falar incoerente a atuação da magistrada e da Justiça como um todo em observar brechas legais para aplicações em casos concretos de acordo com interesses estranhos aos privilegiados pela legislação brasileira.
Cumpre lembrar que o referido condenado já fora beneficiado com o instituto da prisão domiciliar em 2019, porém o mesmo não cumpria os deveres descritos juntos ao benefício como o de permanecer, logicamente, em casa, durante o cumprimento da prisão domiciliar.
É clamar que a Justiça atenda o mesmo pedido que seja solicitado pela defensoria público em prol de um condenado simples, sem vultosas quantias de dinheiro estocadas em diversas contas Brasil à fora ou que tenha a mesma parcimônia com advogados do baixo clero, que lutam por fazer que sejam respeitados o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execuções Penais.