Migalhas de Peso

Transformação jurídica digital: Do uso da tecnologia ao Visual Law

O objetivo do Direito é criar um sistema legal melhor, servindo para proteger os direitos do cidadão e resolver seus problemas. É preciso oferecer aos usuários soluções mais compreensíveis, práticas, funcionais, ágeis e simples.

6/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

1. INTRODUÇÃO

Na busca constante por inovação, surge mais um tema que vem ganhando destaque internacionalmente nos principais centros da área do Direito: o Legal Design ou Design de produtos e serviços jurídicos, e o Visual Law.

Em síntese podemos conceituar como sendo estratégias e ferramentas que buscam unir o Direito, a Tecnologia e o Design na tentativa de fazer com que as práticas jurídicas se tornem mais claras e objetivas, modernas, visuais e centradas na experiência de seu destinatário. Com a aplicação do Storytelling1, que é a habilidade de contar uma história de maneira envolvente, explorando um enredo elaborado e os seus aspectos relevantes, em que os recursos audiovisuais são utilizados juntamente com as palavras. É possível desenhar novas formas de prestar os serviços jurídicos e entregar a informação da qual o usuário final precisa, no formato mais simples e adequado às suas necessidades.

Vivemos em um mundo no qual cada vez mais a comunicação acontece por meio de imagens, o que também vem impactando a área do Direito. Não se faz mais necessário utilizar apenas o texto como recurso de linguagem. Um estudo da Universidade Minnesota, por exemplo, identificou que as apresentações com recursos visuais são até 43% mais persuasivas2 (VOGEL et al, 1986).

Estamos em constante evolução. Novas tecnologias, formas de pensar, de consumir as informações e mudanças de paradigma são frequentes em todas as áreas do conhecimento e, também, em nosso dia-a-dia. O Direito não está imune a isso. É cada vez maior a necessidade de oferecer aos clientes e usuários uma solução mais compreensível, prática, funcional, ágil, eficiente, atrativa e simples.

O objetivo atual do Direito deve ser criar um sistema legal melhor, que as pessoas possam usar para proteger seus direitos, resolver seus problemas e melhorar suas comunidades.

2. VISUAL LAW E AS NOVAS FORMAS DE COMUNICAÇÃO LEGAL. DESIGN CENTRADO NO HUMANO

Um estudo realizado por Edgar Dale3 (educador norte-americano), mostra que quando as pessoas escutam uma informação, elas estão 10% mais propensas a lembrar desse dado três dias depois. Entretanto, quando essa mesma informação é pareada com elementos visuais — sejam vídeos, imagens, ícones ou cores– quase 65% do que foi transmito é retido, mesmo passando os mesmos três dias.

De forma prática e didática, é possível entender que o objetivo do Legal Design e Visual Law é apresentar métodos para visualizar a lei e dar aos operadores do Direito uma maneira mais eficaz de conceber questões jurídicas e de comunicá-las aos seus clientes e usuários.

McCloskey4 sugere o uso de Visual Law para aumentar a clareza e a compreensão da comunicação na relação entre advogado-cliente, considerando que um mapa jurídico é um dispositivo de mediação entre a lei e as necessidades do cliente para tomar uma decisão, é uma ferramenta a ser usada por advogados que atuam como guias jurídicos. Os profissionais do Direito criam mapas da paisagem legal e os utilizam para aconselhar seus clientes sobre o melhor caminho a seguir.

Os advogados precisam moldar o texto de forma persuasiva para o melhor convencimento do público-alvo no momento da decisão. Para tanto, não se pode perder de vista a relevância do Storytelling. Se queremos ser eficientes em uma disputa, devemos nos despir do tecnicismo e abraçar a realidade humana. Precisamos, assim, entender os fatos e construir nossas narrativas de forma clara, franca e, acima de tudo, com credibilidade. As questões jurídicas, econômicas e sociais, portanto, devem mesclar, de forma fluida, com o texto de nossas histórias.

O Visual Law (braço do Legal Design) foi propagado no mundo por Margaret Hagan, diretora na universidade de Stanford do "Legal Design Lab" e busca colocar o cliente como o centro de tomada de decisões. Segundo Hagan5, as questões ligadas ao design de novos processos organizacionais, tanto no setor público como privado, e as técnicas utilizadas podem auxiliar no acesso à justiça e na formação dos novos juristas, além de contribuir na prática e educação permanente dos profissionais que já estão no mercado.

O Visual Law é o Direito contado através de ilustrações e técnicas, em que os elementos visuais são poderosos e indispensáveis instrumentos de comunicação. A utilização de ferramentas como imagens, vídeos, infográficos, pictogramas, fluxogramas, gráficos, links, bullet points, linhas do tempo, QR Code, storyboard, story mapping, storytelling e até gamificação tem a capacidade de revolucionar o modo de peticionar em juízo.

Já não é o suficiente oferecer mais informações ou simplesmente melhorar o acesso: o verdadeiro desafio é a compreensibilidade do conteúdo. Podemos ter acesso às informações, mas ainda sermos incapazes de decodificá-las ou de perceber sua importância. Já está dolorosamente claro que o público em geral não entende o idioma jurídico e que a comunicação vem se tornando cada vez mais visual e rápida.

A experiência centrada no usuário (UX Design) é extremamente importante no Visual Law entender o contexto do usuário e como esse indivíduo se sente quando interage ou acessa a informação, o que ele deseja ou precisa saber ou, ainda, de que forma podemos tornar o conteúdo e os documentos mais claros, envolventes e acessíveis. É importante identificar que nem todos consomem informação da mesma forma. Juízes e advogados trocam textos e argumentos técnicos, mas esse formato não funciona para quem não é da área jurídica. Quem compra um produto precisa entender seus direitos enquanto consumidor, a pessoa precisa compreender seus direitos como cidadã ou cidadão. E o Legal Design tem se mostrado uma metodologia aliada para construir interfaces jurídicas centradas no usuário e que o ligam à informação.

Assim, o Legal Design e o Visual Law6 podem ser aplicados para gerar melhores experiências aos usuários, proporcionando, ainda vivências mais rápidas e mais acessíveis na área jurídica, além de aprimorar a experiência do Direito.

3. TENDÊNCIAS EM ESCRITÓRIOS E NO JUDICIÁRIO

As vantagens do uso do Visual Law são: 1. Garante um maior acesso dos cidadãos a informações jurídicas; 2. Diminui o tempo gasto na análise de cada processo; 3. Por meio da padronização de documentos em Tribunais, possibilita a aplicação de transformação digital na Justiça. 4. Otimização da compreensão e convencimento.

A tendência da gestão jurídica é, cada vez mais, entregar serviços por meio de plataformas e múltiplos canais digitais, A transformação digital só se torna exequível se estiver alinhada à atuação de recursos humanos. Devemos ultrapassar o modismo sobre as relações que envolvem tecnologia, Design, inovação e Direito, não apenas para compreender a relevância social deste ambiente de transformação, mas também para utilizar as ferramentas com rapidez e melhorar a qualidade dos serviços oferecidos para a sociedade.

A resolução CNJ (Conselho Nacional de Justiça) 347/207 que dispõe sobre a Política de Governança das Contratações Públicas no Poder Judiciário, elenca os recursos de Visual Law como sendo essenciais para tornar os documentos mais claros, usuais e acessíveis. No Capítulo X, sobre o plano de comunicação para implementação dos ditames da resolução, o § único do art. 32 refere que, “sempre que possível, dever-se-á utilizar recursos de Visual Law que tornem a linguagem de todos os documentos, dados estatísticos em ambiente digital, análise de dados e dos fluxos de trabalho mais claros, usuais e acessíveis.

A Vara de Acidente do Trabalho de Porto Alegre (RS), 3ª Vara Criminal de Natal (RN), 6ª Vara Federal da JFRN8, 1ª Vara de Presidente Dutra (MA) e 2ª Vara Criminal de Petrolina (PE) desenvolveram, com as devidas adequações à realidade dos ritos e procedimentos, guias informativos visuais, através da reunião de ícones, ilustrações e um QRcode para orientar as partes sobre o funcionamento das audiências virtuais, facilitando o acesso das partes e testemunhas às plataformas de vídeo chamadas, permitindo, ainda, que as partes tenham conhecimento sobre os próximos passos do processo.

O MPRJ, por sua vez, está adotando elementos visuais em suas ações civis públicas e a Corregedoria-Geral da Justiça do TJRS está implementando técnicas de Visual Law em seus ofícios circulares.

STF decidiu inovar no projeto gráfico, adotando recursos audiovisuais para facilitar a compreensão dos leitores com ícones para acessar o vídeo do julgamento ou escutar o áudio do texto em seus informativos.

Os Tribunais de Goiás, Bahia, Rio Grande do Sul, Ceará, Distrito Federal, Paraná, assim como a Justiça Federal de São Paulo e o Supremo Tribunal Federal estão investindo em laboratórios de inovações para conduzir pesquisas, estudos e desenvolvimento de novas soluções.

Em agosto de 2020, a Defensoria do Ceará9 também lançou uma assistente virtual, a Dona Dedé. Nela, o usuário pode pedir informações a partir do número de um processo ou descrever seu problema, identificado por meio de palavras-chaves.

Mesclando elementos textuais e visuais para narrar os fatos e aumentar as chances não só de entendimento, mas também para melhor convencimento e convicção dos magistrados, um escritório de advocacia criou uma ementa explicativa que é anexada como capa nas principais peças. No documento é escrito de forma resumida itens como: objeto e razões recursais, fundamentos jurídicos, pedidos, informações adicionais, documentos e provas relevantes, entre outros. O objetivo principal da ementa explicativa foi possibilitar ao magistrado uma visão mais geral, clara e objetiva da peça. De modo que além do conteúdo, tivesse também um layout atraente e facilitador. Assim, o magistrado ao ver a ementa já sabe o escopo e os pontos de abordagem, facilitando muito a condução posterior da análise da peça.

No caso de um contrato elaborado com as técnicas de Visual Law, se for na forma digital, pode conter links que direcionem as partes para arquivos armazenados em nuvem, por exemplo. Assim, podem as partes, fazer menção a outros documentos, imagens, áudios, vídeos.

Por fim, resta claro que o “Visual Law” é um excelente recurso visual que se destina a melhorar a comunicação, compreensão, clareza e objetividade.

4. PESQUISA: Grupo VisuLaw

Foi publicado em abril de 2021 o relatório final do grupo de pesquisa VisuLaw10, intitulado Elementos visuais em petições na visão da magistratura federal. O material, fruto do conjunto de esforços de mais de 100 pesquisadores, abrange o olhar dos juízes e juízas federais em relação ao uso de técnicas de Visual Law em peças processuais. Segundo a pesquisa, os(as) magistrados(as) federais, em sua imensa maioria, estão receptivos ao uso de elementos visuais em petições e entendem que facilitam a análise das peças processuais, desde que seu uso seja moderado (sem excessos).

A avaliação do grupo de estudos VisuLaw, decorre das respostas, entre maio e novembro de 2020, de cerca de 153 juízes federais de forma anônima a um questionário para medir a aceitação dos elementos visuais.

Dos juízes participantes, 62%11 criticam o excesso de páginas e 44% o de transcrição de jurisprudência nas petições. A má formação da peça foi citada por 31% deles. A petição ideal é apontada como a que apresenta redação objetiva, boa formatação e uma quantidade menor de páginas, soluções buscadas pela nova modalidade. Outros dados do estudo mostram que 77% dos magistrados concordam com a tese que os elementos visuais facilitam a análise das petições, desde que usados de forma moderada. Para 10% dos juízes, os recursos facilitam em todos os casos. O uso do QR code, porém, é rejeitado por 39% dos magistrados que responderam ao estudo do VisuLaw, e o de vídeos por 35%. Para os pesquisadores, isso pode ocorrer pelo receio em acessar ambientes externos na máquina e por representar um trabalho adicional para os juízes. Assim, percebe-se os magistrados gostam de elementos visuais em petição, mas o que não querem é ter trabalho.

Por fim, o resultado da pesquisa mostra que reclamações sobre argumentação genérica e redação prolixa lideram a lista, mas questões ligadas à estética e à objetividade também têm destaque no levantamento.

Ainda no ano de 2021, o questionário será enviado para magistrados estaduais, além do grupo pretender realizar uma etapa qualitativa da pesquisa, com entrevistas aprofundadas com juízes federais e estaduais.

Por fim, é possível concluir que o Visual Law é uma inovação que almeja a mudança da maneira como os juízes encaram um caso, e sua aceitação quanto à criação de petições com elementos visuais e estratégias de design jurídico para facilitar a compreensão de temas complexos e clareza da informação. E, também como os clientes encaram o procedimento específico de elaboração de documentos jurídicos personalizados.

Há como desafio a padronização dessa linguagem visual para não gerar insegurança jurídica e é fundamental que o texto seja claro, organizado e objetivo e que os recursos visuais sejam usados para auxiliar na compreensão dos fatos ou argumentos.

__________________

1 VAN PATTEN, Jonathan. Storytelling for Lawyers. Dakota: University of South Dakota School of Law, 2012.

2 VOGEL, D. R.; DICKSON, G. W.; LEHMAN, J. A. Persuasion and the Role of Visual Presentation Support: The UM/3M Study. Minnesota: University of Minnesota, 1986.

3 Edgar Dale’s Pyramid of Learning in medical education: A literature review. 2013; Medical Teacher, 35: e1584–e1593.

4  MCCLOSKEY, Matthew. Visualizing the Law: Methods for Mapping the Legal Land - scape and Drawing Analogies. Wash: L. Rev., 1998, Vol. 73.

5 Ibid., Disponível na internet clicando aqui Acesso em: 12 Jul. 20.

6 Azevedo, Bernardo. Visual Law: Como os Elementos Visuais Podem Transformar o Direito. Revista dos Tribunais. 21.

Kareline Staut de Aguiar
Advogada e Publicitária. Especialista em Direto do Trabalho (EBRADI). Mestranda em Direito Europeu e comparado (UPT). Pós graduanda em Direito Público, GovTech e RegTech (NewLaw). Especialista em Marketing (PUC-MG). Certificação em Visual Law (FutureLaw), Direito Digital e Proteção de Dados (PUC-SP). Formação em marketing digital - UDACITY - Vale do Silício. Colaboradora do 1º livro sobre Visual Law do Brasil, pela editora Revista dos Tribunais.

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