Com o surgimento da Pandemia Mundial denominada covid-19, o teletrabalho tem ganhado crescente aumento nas relações de trabalho e consequentemente temos presenciado aumento nos casos de doenças ocupacionais, como o “Burnout” que já vinham em crescente exponente dado as caóticas condições laborais modernas. Assim, primeiramente, para melhor compreensão do tema central, faz-se necessário esmiuçar os subtemas, tais sejam os
conceitos de “Burnout” e “Teletrabalho”.
A Síndrome de Burnout (SB), também conhecida como esgotamento profissional, foi descrita pela primeira vez pelo psicólogo clínico Herbert J. Freudenberger, em 1974, como um conjunto de sintomas inespecíficos, médico-biológicos e psicossociais no ambiente de trabalho como resultado de uma demanda excessiva de energia, que se refletem principalmente nos profissionais de saúde. (Cialzeta JR. El sufrimiento mental en el trabajo: burnout en médicos de un hospital de Alta Complejidad. [Tese de Mestrado]. Córdoba: Universidad Nacional de Córdoba; 2013.).
De modo geral, de acordo com Schwartzmann:
"[...] pode-se definir o burnout como um transtorno adaptativo crônico associado às demandas e exigências laborais, cujo desenvolvimento é insidioso e frequentemente não reconhecido pelo indivíduo, com sintomatologia múltipla, predominando o cansaço emocional" (Schwartzmann L. Estrés laboral, síndrome de desgaste, depresión: ¿estamos hablando de lo mismo? Cienc Trab 2004; p. 177).
Atualmente, de acordo com Bernhardt (BA, Rushton CH, Carrese J, Pyeritz RE, Kolodner K, Geller G. Distress and burnout among genetic service providers. Genet Med.2009;) Burnout é definida por uma combinação de três fatores: exaustão emocional (depleção da energia emocional pela demanda excessiva de trabalho), despersonalização (senso de distância emocional dos pacientes ou do trabalho) e baixa realização pessoal (sensação de baixa autoestima e baixa eficácia no trabalho). Em outras palavras, Burnout é a resposta prolongada ao estresse crônico no trabalho.
Como dito, a SB inicialmente foi detectada em profissionais da área da saúde que eram submetidos a longas jornadas e estressantes rotinas laborais, porém, com o passar do tempo e o aumento das relações conturbadas de trabalho tal nomenclatura passou a ser utilizada para todos os profissionais que sofriam tal desgaste. Hoje, com as modernas relações de emprego e diminuição dos direitos laborais, infelizmente tal desgaste é demasiadamente comum.
Já o Teletrabalho, que vinha ganhando maior aceitação graças a novas tecnologias que permitiam ao trabalhador realização de suas atividades a distancia ou em seu âmbito residencial recebia respaldo na Consolidação das leis trabalhistas em seu artigo 6º introduzido pela lei 12.551, de 2011 que afastava as distinções entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Esta modalidade de trabalho sofreu maior regulamentação com o advento da lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista) que introduziu um novo capítulo a CLT dedicado especialmente ao tema: Capítulo II - A, “Do Teletrabalho”, com os artigos 75- A a 75-E, que seguem em seus principais:
Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de Teletrabalho observará o disposto neste Capítulo. (Incluído pela lei 13.467, de 2017) (Vigência)
Art. 75-B. Considera-se Teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. (Incluído pela lei 13.467, de 2017) (Vigência)
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de Teletrabalho. (Incluído pela lei 13.467, de 2017)
Desta forma, entende-se por Teletrabalho o realizado fora das dependências do estabelecimento empregador, com ou sem controle de jornada por auxílio de ferramentas de tecnologia e comunicação. É exatamente nesta classificação que encontramos a problematização para nosso artigo, tal seja, o excesso na jornada laboral e o surgimento de maiores casos de síndrome de Burnout.
Como preluz Mauricio Godinho Delgado:
“A segunda observação a ser feita é no sentido de lembrar que a lei 13.467/17 inseriu os empregados em regime de teletrabalho dentro da excludente do art. 62 da CLT, que se refere à não aplicação, aos trabalhadores ali referidos (incisos I, II e III do art. 62), das regras concernentes à duração do trabalho. Tais empregados, portanto, laborando em contexto que toma difícil ou até mesmo inviável o controle de jornada, não recebem a incidência de regras sobre duração do trabalho, horas extras/suplementares, intervalos trabalhistas, etc.
De fato, em várias situações de Teletrabalho mostra-se difícil enxergar controle estrito da duração do trabalho, em face da ampla liberdade que o empregado ostenta, longe das vistas de seu empregador, quanto à escolha dos melhores horários para cumprir os seus misteres provenientes do contrato empregatício. Dessa maneira, a presunção jurídica lançada pelo art. 62, III, da CLT não se mostra desarrazoada.” (A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à lei 13.467/17 I Mauricio Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. - São Paulo: LTr, 2017. pág. 135 e 136)
Com o surgimento da pandemia que assolou o mundo e afeta atualmente o Brasil, a covid-19, muitos trabalhadores que não perderam seus empregos necessitaram cumular suas atividades e tarefas para suprir a demanda pelo colega demitido, o que gerou com o Teletrabalho sem controle de jornada excesso de trabalho. O burnout, anexado no capítulo de problemas associados ao emprego ou ao desemprego, foi descrito como “uma síndrome resultante de um estresse crônico, não administrado com êxito, no local de trabalho” (clique aqui). O quadro é caracterizado a partir de três elementos: sensação de esgotamento, cinismo ou negativismo relacionado ao serviço e eficácia profissional reduzida.
A síndrome de burnout foi incluída na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS). O termo explica a fadiga e o estresse que as pessoas sentem quando estão sobrecarregadas ou perdem a motivação no trabalho; a lista, que é utilizada para estabelecer tendências e estatísticas de saúde, é baseada nas conclusões de especialistas.
A OMS explica com grifo nosso que o distúrbio “se refere especificamente a fenômenos relativos ao contexto profissional e não deve ser utilizado para descrever experiências em outros âmbitos da vida”, e considerou ainda o regime de trabalho pode levar o empregado a altos níveis de estresse em razão do excesso de horas trabalhadas, da ausência do convívio do empregado com os demais colegas, além de ausência de "pertencimento à empresa".
No Brasil, a taxa de desemprego subiu para 13,8% em julho de 2020, e atinge 13,13 milhões de pessoas, com um fechamento de 7,2 milhões de postos de trabalho em apenas três meses, conforme noticiou o site G1 com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (clique aqui).
De acordo com o Instituto DataSenado, após realização de uma pesquisa de âmbito nacional para ouvir a opinião dos brasileiros acerca do Teletrabalho, restou apurado que cerca de 21 milhões de pessoas já trabalharam ou trabalham atualmente de forma remota. Desse total, aproximadamente dois terços afirmam que o trabalho nessa modalidade se deu em razão do isolamento social, causado pela pandemia do Coronavírus, esse número corresponde a uma estimativa de 14 milhões de brasileiros.
Pelo próprio Instituto, percebeu-se um ganho de produtividade no Teletrabalho; para 41% dos entrevistados, o próprio rendimento laboral melhorou. A produtividade da empresa também aumentou para 37% dos entrevistados. (clique aqui)
Cristalino, entretanto, que em um país com sérias desigualdades sociais e em plena pandemia, tal modalidade de trabalho poderia, assim como foi ensejar excessos na rotina de trabalho do obreiro e maior incidência de doenças relacionadas a tal. Além deste fator, é sabido que o isolamento social, a falta de lazer e de interação social colaborou com o aumento dos índices de Burnout nos trabalhadores em regime de Teletrabalho.
A rotina de trabalho não mais se limitou aos horários à disposição do empregador na sede da empresa, estendendo assim a jornada laboral e confundindo-se com a rotina doméstica.
De acordo com pesquisa realizada pela International Stress Management Association (Isma), em 2019, a Síndrome de Burnout atingiu 32% dos trabalhadores brasileiros, o equivalente a 33 milhões de pessoas. (clique aqui)
Em 2020, o Instituto Nacional do Seguro Social teve uma alta de 26% na concessão do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez em relação ao registrado em 2019. De acordo com dados do Ministério da Economia, foram 576,6 mil afastamentos no ano passado. Um dos principais motivos está o acometimento de trabalhadores por transtornos mentais e comportamentais como a depressão e a ansiedade.
Pensando em amenizar tais problemas o Ministério Público do Trabalho trouxe em Novembro de 2020 nota técnica com 17 recomendações sobre o home office para empresas, sindicatos e órgãos da administração pública, onde pontua e tenta nortear as relações de trabalho em modalidade telepresencial, conforme segue com grifo nosso:
“1. RESPEITAR a ética digital no relacionamento com os trabalhadores e trabalhadoras, preservando seu espaço de autonomia para realização de escolhas quanto à sua intimidade, privacidade e segurança pessoal e familiar, bem como em relação à obtenção, armazenamento e compartilhamento de dados fornecidos pelos empregados e empregadas, sem prejuízo, neste último caso, das exigências legais aplicáveis (artigos 216, III, 221, IV, da CRFB);
2. REGULAR a prestação de serviços em regime de teletrabalho, mesmo no período de medidas de contenção da pandemia d a covid-19, por meio de contrato de trabalho aditivo por escrito, tratando de forma específica sobre a duração do contrato, a responsabilidade e a infraestrutura para o trabalho remoto, bem como o reembolso de despesas relacionadas ao trabalho realizadas pelo empregado, nos termos da legislação trabalhista, da legislação aplicável à administração pública e das limitações, procedimentos e determinações dos Órgãos de Controle, observando que:
2.1. O teletrabalho deve s er exercido em condições de qualidade de vida e de saúde do trabalhador, abrangendo não só a ausência de afecçãoou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene do trabalho;
2.2. O teletrabalho exige necessariamente adaptação e treinamento (principal e complementar necessário), incluindo treinamento mínimo para o teletrabalho para fins de qualificação e motivação das pessoas, de forma a que sejam atingidos níveis adequados de segurança e higiene;
2.3. O teletrabalho exige comunicação e cooperação em toda a rede na qual se insere, seja no âmbito das equipes, dos grupos de trabalho, das chefias e de todos os demais níveis, inclusive o direito de o trabalhador ser informado periodicamente sobre o resultado do seu trabalho, atividades a desempenhar, e outras questões objetivas;
3. OBSERVAR os parâmetros da ergonomia, seja quanto às condições físicas ou cognitivas de trabalho (por exemplo, mobiliário e equipamentos de trabalho, postura física, conexão à rede, design das plataformas de trabalho online), quanto à organização do trabalho (o conteúdo das tarefas, as exigências de tempo, ritmo da atividade), e quanto às relações interpessoais no ambiente de trabalho (formatação das reuniões, transmissão das tarefas a ser executadas, feedback dos trabalhos executados), oferecendo ou reembolsando os bens necessários ao atendimento dos referidos parâmetros, nos termos da lei, bem como limitações, procedimentos e determinações dos Órgãos de Controle, tais como Tribunais de Contas no caso da Administração Pública .
4. GARANTIR ao trabalhador em teletrabalho e em especial no telemarketing, a aplicação da NR 17, anexo II, prevendo-se períodos e procedimentos adequados de capacitação e adaptação, para introdução de novos métodos ou dispositivos tecnológicos que traga alterações sobre os modos operatórios dos trabalhadores (no item 3.4), a garantia de pausas e intervalos par a descanso, repouso e alimentação, de forma a impedir sobrecarga psíquica, muscular estática de pescoço, ombro, dorso e membros superiores; com a devida adequação da equipe às demandas da produção, de forma a impedir sobrecarga habitual ao trabalhador (5.2 a 5.4).
5. OFERECER apoio tecnológico, orientação técnica e capacitação às trabalhadoras e aos trabalhadores para realização dos trabalhos de forma remota e em plataformas virtuais, nos termos da Convenção 142 da OIT e art. 205 da Constituição da República.
6. INSTRUIR os empregados, de maneira expressa, clara e objetiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças, físicas e mentais e acidentes de trabalho, bem como adotar medidas de segurança como intervalos e exercícios laborais.
7. OBSERVAR a jornada contratual na adequação das atividades na modalidade de teletrabalho e em plataformas virtuais, com a compatibilização das necessidades empresariais e das trabalhadoras e trabalhadores responsabilidades familiares (pessoas dependentes sob seus cuidados) na elaboração das escalas laborais que acomodem as necessidades da vida familiar, especialmente nutrizes, incluindo flexibilidade especial para trocas de horário e utilização das pausas (NR 17, Anexo II, 5.1.2.1).
8. ADOTAR modelos de etiqueta digital em que se oriente toda a equipe, com especificação de horários para atendimento virtual da demanda, assegurando os repousos legais e o direito à desconexão, bem como medidas que evitem a intimidação sistemática (Bullying) no ambiente de trabalho, seja verbal, moral, sexual, social, psicológica, físico, material e virtual, que podem se caracterizar por insultos pessoais, comentários sistemáticos e apelidos pejorativos, ameaças por quais meios, expressões preconceituosas, pilhérias, memes, por aplicação analógica dos artigos 3º e 4º da lei 13.185/15 .
9. GARANTIR o respeito ao direito de imagem e à privacidade das trabalhadoras e trabalhadores, seja por meio da orientação da realização do serviço de forma menos invasiva a esses direitos fundamentais, oferecendo a realização da prestação de serviços preferencialmente por meio de plataformas informáticas privadas, avatares, imagens padronizadas ou por modelos de transmissão online.
10. ASSEGURAR que o uso de imagem e voz, seja precedido de consentimento expresso das trabalhadoras e trabalhadores, principalmente quando se trata de produção de atividades a ser difundido em plataformas digitais abertas em que seja utilizado dados pessoais (imagem, voz, nome) ou mate rial produzido pelo profissional.
11. GARANTIR a observação de prazo específicos e restritos ao período das medidas de contenção da pandemia da covid-19 para uso do material produzido pela mão de obra subordinada, quando tiver havido alteração da forma de prestação contratual por força daquelas medidas.
12. GARANTIR o exercício da liberdade de expressão da trabalhadora ou trabalhador, ressalvadas ofensas que caracterizem calúnia, injúria e difamação;
13. ESTABELECER política de autocuidado para identificação de potenciais sinais e sintomas de covid-19, com garantia de posterior isolamento e contato dos serviços de saúde na identificação de casos suspeitos.
14. GARANTIR que o teletrabalho, na forma da lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso) seja oferecido ao idoso sempre de forma a favorecer a sua liberdade e direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.
15. ASSEGURAR que o teletrabalho favoreça às pessoas com deficiência, obtenção e conservação do emprego e progressão na carreira, com reintegração da pessoa na sociedade, garantindo-se acessibilidade, adaptação e desenho universal, conforme artigo 2º do Decreto 6.949/09 (Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência), com status de Emenda Constitucional, na forma do artigo 5º, § 3º, da CRFB e lei 13.146/15.
16. ADOTAR mecanismo de controle da jornada de trabalho da trabalhadora ou trabalhador para o uso de plataformas digitais privadas ou abertas na realização de atividade capacitação, a qual é incompatível com medidas de redução da jornada de trabalho ou de suspensão do trabalho, nos termos da Medida Provisória 936/20.
17. ESTIMULAR a criação de programas de profissionalização especializada para a mão de obra dispensada, podendo contar com apoio do poder público, para o caso de a automação e a automatização das atividades resultar em eliminação ou substituição significativa da mão de obra, nos termos do art. 7º, XX VII, da CRFB.” (NOTA TÉCNICA 17/20 DO GT NACIONAL COVID-19 e do GT NANOTECNOLOGIA/2020)
Fica evidente desta forma que durante a pandemia de covid-19 o teletrabalho no Brasil sofreu uma abrupta adesão e que o descumprimento de regras trabalhistas trouxe um aumento significativo nas doenças ocupacionais, em especial o Burnout tema deste artigo.
O desrespeito ao trabalhador gera sequelas gravíssimas não só a ela, mas em toda a cadeia produtiva, inclusive ao empregador e sua atividade econômica. Cuidar do meio ambiente do trabalho e de sua melhor realização é um direito e obrigação de todos, não existe desenvolvimento social e econômico sem o cuidado ao trabalhador, este é a peça fundamental engrenagem econômica moderna