Foi nos anos 90 que conheci o que era doença profissional, na prática, especialmente em âmbito psicológico, e passei a identificar os fatores que agravavam a situação de estresse entre os trabalhadores acometidos de doenças profissionais. Foi a partir dessas investigações que surgiu a 1ª edição do livro O Stress no Meio Ambiente de Trabalho, estudo esse que ganhou notoriedade e se intensificou nos últimos anos, devido ao aumento de número de doenças mentais e cronificação do estresse no ambiente de trabalho.
À época da primeira edição, o assunto era tão novo que sequer era utilizado o vocábulo “estresse” em sua versão em português, é por isso que o título do livro usa a grafia em inglês da palavra, até hoje.
Nesta 4ª edição da obra, após a popularização do tema, são objetos de estudo questões atuais, tais como a síndrome de burn-out e sua nova categorização na Classificação Internacional de Doenças – CID, a partir de janeiro de 2022 pela Organização Mundial de Saúde – OMS, bem como o home office e os desafios da saúde mental no trabalho na pandemia de covid-19, como será exposto a partir daqui.
Saúde mental como direito fundamental
A análise da ambiência laboral parte da Constituição Federal, com a ideia de que o trabalho deve ser valorizado enquanto direito social fundamental da ordem econômica e financeira, como está indicado no art. 1º da Constituição Federal. Portanto, o cidadão é detentor do direito à qualidade de vida sadia; e, enquanto trabalhador deve ser protegido de todas as formas de degradação no meio ambiente de trabalho, onde exerce atividades profissionais que são essenciais à sua qualidade de vida enquanto direito fundamental da pessoa humana.
Lembrando que a partir da emenda constitucional 45/04, ampliou a competência da Justiça do Trabalho para apreciar as ações de indenização por danos morais e materiais decorrentes da relação de trabalho. Isso fomentou a discussão acerca das reparações de danos em razão de doenças adquiridas no meio ambiente de trabalho; sendo o estresse tratado como doença originada nessa condição.
O significado do termo estresse pode ser entendido como o processo de tensão diante de uma situação de desafio por ameaça ou conquista. O estresse é a exaustão pelo exercício do trabalho ou atividades, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que causem a morte, a perda ou redução da capacidade para o trabalho permanente ou temporário.
A psicóloga Marilda Emmanuel Novaes Lipp1, em décadas passadas, afirmava “as pessoas achavam que o estresse era frescura de grã-fino”, lembra ela, pioneira e uma das principais autoridades do nosso país no assunto. Nos últimos anos esse cenário mudou muito. Felizmente, essa ideia preconceituosa de sofrimento mental ou físico provocado pelo estresse perdeu força e a saúde do trabalhador tem sido, cada vez mais, reconhecida como direito fundamental.
Inicialmente se entendia que os direitos fundamentais existiam para proteger os cidadãos dos abusos do Estado. Hoje, estendeu-se às relações privadas, em especial, entre empregado e empregador. O trabalhador é titular de direitos fundamentais, entre eles o direito à segurança, à saúde, à informação, à intimidade e à privacidade. A dignidade da pessoa humana deve ser afirmada como valor supremo e a saúde do trabalhador como um direito humano.
A Organização Mundial de Saúde – OMS, define a saúde como o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas ausência de doença ou enfermidade.2 Portanto, o local de trabalho deve transcorrer em um ambiente no qual a saúde deve ser garantida, devendo atender as condições mínimas de meio ambiente, como direito fundamental de preservação de vida e da saúde dos empregados.
Tipos de estresses
É importante observar que existem dois tipos de estresse: o eustress, quando, após a tensão ou esforço de adaptação a pessoa apresenta a sensação de realização pessoal, bem estar, e satisfação, trata-se, pois de um esforço sadio na garantia de sobrevivência. No caso de ocorrência do distress, a sobrecarga e o desgaste são grandes que passam a ocorrer manifestações e sintomas da doença.
A doutrina francesa, representada por Dejours, acrescenta um tipo de sofrimento do trabalhador, presente nas relações atuais, que já é acometido pelo excesso de cobranças e atividades laborais, esse novo sofrimento é ético. Por exemplo, colocar em prática normas da empresa que, muitas vezes, estão em descompasso com aquilo que ele internamente acredita moralmente aceitável.
A síndrome de burn-out
No Brasil, com o Decreto no 3.048 de 6 de maio de 1999, a Previdência Social reconhece a síndrome de burn-out equivalente à síndrome de esgotamento profissional (Grupo V da Classificação Internacional das Doenças – CID-10) e cita a “Sensação de Estar Acabado”, com o código Z73.0. A partir de 2022, a Organização Mundial da Saúde – OMS passa a reconhecer a síndrome de burn-out, enquanto doença relacionada diretamente com o trabalho e terá classificação específica (CID 11). Esse fato merece destaque pois reconhece-se o nexo causal do acometimento da doença mental com o trabalho.
A síndrome de burn-out não aparece repentinamente como resposta a um fator estressor determinado. O quadro vai se instalando insidiosamente e depende da série de fatores relacionados ao trabalho, tais como: sobrecarga de trabalho, estresse e pressões crônicas no âmbito profissional.
A moléstia se caracteriza por sintomas como irritabilidade, dores musculares, esgotamento físico e mental, e isso tem graves consequências na saúde, tais como, exaustão emocional, despersonalização e baixo nível de realização profissional. Estudos mostram que categorias profissionais que lidam com público; como médicos, enfermeiros professores, bancários, agentes penitenciários, policiais; apresentam alta incidência da moléstia.
O trabalho em home office na pandemia
A prestação do trabalho em home office permite a realização de infindáveis tarefas via notebook, smartphones, tabletes e celulares. Fruto do avanço tecnológico e do desenvolvimento da economia globalizada, e é crescente o número de empresas que adotam o teletrabalho visando reduzir custos com mobiliário, aluguel, dentre outras despesas, adotando o popular home office, que foi traduzido para “teletrabalho” e inserido no texto da reforma trabalhista de 2017.
No Brasil, de acordo com estudo realizado pela SOBRATT em 20163, 37% das empresas já possuíam a prática de home office junto a seus empregados. Certamente, com a pandemia provocada pelo novo coronavírus, esse número aumentou expressivamente, ante a necessidade de distanciamento social.
Com isso, a solidão e a perda da autoconfiança se traduzem na degradação da qualidade do serviço prestado e, invariavelmente, reflete na saúde mental das pessoas. Além disso, muitas vezes o ambiente residencial tem sido inadequado, para os profissionais, em especiais as mulheres, quando o trabalho profissional e o trabalho doméstico se confundem.
Ademais, a realização de tarefas, como por exemplo a digitação, que é executada em jornadas extensas e em local e com cadeiras e mesas inadequadas. Assim, as condições adversas para a execução do trabalho, cumulada como esgotamento mental em decorrência do isolamento social, desemprego e da crise econômica que o país se encontra, são fatores que ensejaram o crescimento de doenças físicas e mentais.
Nesse contexto importa explorar a utilização do termo ambiência laboral, muito utilizada pelos arquitetos para definir a interação do ambiente não apenas com o local ou espaço, mas também ao conjunto de elementos físicos, interpessoais, técnicos e psicológicos. Esses fatores são importantes na organização do trabalho e nas relações hierárquicas, visando à preservação do trabalho saudável.
Ainda, vale ressaltar os prejuízos causados pelas doenças mentais, um enorme problema para a saúde pública, visto que o Estado passa a gastar valores enormes em indenizações, além do alto custo do tratamento médico. É um problema para o empregador, que na maioria das vezes é condenado a pagar indenizações e tratamentos médicos ao trabalhador ou trabalhadora. E é um problema muito maior para as pessoas que adoecem, que além de adquirir a incapacidade para o trabalho e para suas atividades pessoais, ainda sofrem com a redução da remuneração. Certamente estas pessoas estão ou ainda serão acometidas por adoecimento físico e mental.
A fadiga do zoom
O novo coronavírus não gerou efeitos apenas na saúde mental dos profissionais da área de saúde, mas também mudou a rotina das pessoas. A prestação do trabalho em home office permite a comunicação entre pessoas através das plataformas digitais.
Essa nova forma de comunicação, especialmente para o exercício das atividades profissionais, com exagero de responsabilidades e tensões acumuladas incorreu na fadiga, em razão das pessoas ficarem em jornadas descomunais na frente do computador, ou mesmo do celular, aumentando a ansiedade de maneira generalizada.
Médicos psiquiatras observaram o aumento nas queixas de pacientes sobre o excesso de reuniões on-line por videoconferência nos últimos meses. O fenômeno foi batizado de "fadiga do Zoom", referindo-se a um dos aplicativos mais usados para essa nova forma de comunicação.
Assim, por um longo período, muitas das interações sociais ficaram concentradas nas plataformas digitais tais como Zoom; Microsoft Teams; Webex Meet; Google Meet e outras, ocasionando demasiado cansaço, letargia física e mental.
Vale observar que especialistas explicam que videochamadas exigem mais atenção dos participantes do que em um encontro presencial, assim, há um gasto maior de energia nessa modalidade de reunião.
A pandemia de covid-19 afetou todas as pessoas de maneira importante e, sobretudo, influenciou nas relações de trabalho e na saúde mental de todos os trabalhadores. As consequências desses impactos serão objetos de estudo dos mais diversos campos, nos próximos anos.
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1 Lipp, Marilda. O Eestressee no Trabalho. São Paulo.
3 (SOBRATT, Pesquisa Home Office Brasil 2016, 2018. Clique aqui