A entrada em vigor da lei 14.112, de 24/12/20, assim como a mais recente publicação de dispositivos dessa lei que haviam sido vetados e cujo veto foi derrubado pelo Congresso Nacional em fins de março último, trazem importantes avanços no sistema jurídico de apoio à recuperação judicial de empresas, tão relevante, especialmente nesse momento em que os empresários estão sofrendo com a gravíssima crise econômica causada pela Pandemia de covid-19.
O presente artigo se propõe a apresentar uma breve análise das alterações tributárias que a nova legislação trouxe ao sistema de recuperação judicial antes previsto na lei 11.101/05 (conhecida como a Lei de Recuperação de Empresas e Falência), e das mudanças no regime de parcelamentos mais benéficos e transações de dívidas operadas também na lei 10.522/02, passíveis de serem adotados pelas empresas em crise, para reduzir e facilitar a solução de seus débitos tributários.
Regime de parcelamento de débitos tributários mais facilitado ao devedor
A lei 14.112/20 (art. 3º) alterou o art. 10-A da lei 10.522/02 para ampliar os benefícios de parcelamento de débitos tributários federais em prol de empresas em processo de recuperação judicial, agora autorizando o parcelamento das dívidas em até 120 meses (10 anos) e não mais apenas 84 meses como era na legislação anterior, e desde que mediante o pagamento dos seguintes percentuais mínimos sobre o débito consolidado, agora menores do que os percentuais exigidos no regime legal anterior:
- da 1ª até a 12ª prestação (1º ano), pagamento mensal de 0,5% do débito;
- da 13ª até a 24ª prestação (2º ano), pagamento mensal de 0,6% do débito;
- da 25ª prestação em diante (3º até o 10º ano), pagamento mensal em parcelas iguais correspondentes ao saldo remanescente dividido pelas prestações faltantes (96).
Uso de créditos de prejuízos fiscais para pagar saldo devedor em parcelamento
A lei 14.112/20 (art. 3º) também incluiu no art. 10-A da lei 10.522/02 a possibilidade de empresa em recuperação judicial, com débitos tributários administrados pela Receita Federal do Brasil, poder liquidar até 30% da sua dívida consolidada mediante uso de créditos calculados sobre seus prejuízos fiscais e bases negativas, registrados na apuração do imposto de renda (IRPJ) e da contribuição sobre o lucro líquido (CSLL); ou mesmo com outros créditos do contribuinte em relação a tributos federais administrados pela Receita Federal, desde que, em ambos os casos, o restante (70% do débito) seja parcelado em até 84 meses (correspondente a 7 anos), e observem-se os seguintes percentuais mínimos a serem pagos nas parcelas:
- da 1ª até a 12ª prestação (1º ano), pagamento mensal de 0,5% do débito;
- da 13ª até a 24ª prestação (2º ano), pagamento mensal de 0,6% do débito;
- da 25ª prestação em diante (3º até o 7º ano), pagamento mensal em parcelas iguais correspondentes ao saldo remanescente dividido pelas prestações faltantes (60).
Parcelamento de tributos retidos pela empresa e não recolhidos
A lei 14.112/20 (art. 3º) também incluiu o art. 10-B na lei 10.522/02 para com isso introduzir uma nova modalidade de parcelamento para empresas em recuperação judicial, permitindo que elas parcelem débitos de tributos objeto de retenção na fonte e não recolhidos (como, por exemplo, imposto de renda retido sobre salários), inclusive o imposto sobre operações financeiras (IOF) retido, possibilitando o pagamento do débito em até 24 parcelas mensais consecutivas, desde que pagos os seguintes percentuais mínimos:
- da 1ª até a 6ª prestação (1º semestre), pagamento mensal de 3% do débito;
- da 7ª até a 12ª prestação (2º semestre), pagamento mensal de 6% do débito;
- da 13ª prestação em diante (2º ano), pagamento mensal em parcelas iguais correspondentes ao saldo remanescente dividido pelas prestações faltantes (12).
Transação de débitos tributários em dívida ativa da União com aplicação de reduções
A lei 14.112/20 (art. 3º) também incluiu o art. 10-C na lei 10.522/02 para com isso introduzir uma nova hipótese de transação de débitos dos contribuintes quando em processo de recuperação judicial, inscritos em dívida ativa, autorizando esses contribuintes a apresentar proposta de transação à Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN), que pode aprovar pedidos conforme os seguintes limites e condições básicos:
- prazo máximo para quitação de até 120 meses (10 anos);
- reduções da dívida em até 70%.
A aprovação da proposta de transação pela Procuradoria deverá ser motivada e fundamentada, obediente aos requisitos e princípios do instituto da transação previstos na lei 14.112/20 e na lei 13.988/20 (lei da transação tributária), observando-se o grau de recuperabilidade do crédito tributário e as condições econômico-sociais da empresa devedora, buscando preservar a atividade empresarial e ao mesmo tempo atingir eficiência arrecadatória em prol do erário.
Redução ou não pagamento do imposto de renda (IRPJ) e CSLL sobre o ganho de capital na alienação de bens da empresa em recuperação
A lei 14.112/20 também previu originalmente a inserção do art. 6º-B na lei 11.101/05, que foi primeiramente vetado pela Presidência, mas depois recuperado pela derrubada do veto pelo Congresso Nacional, em fins de março último. O dispositivo citado previu a possibilidade de empresas em recuperação judicial (ou mesmo com falência decretada) compensarem integralmente (100%) o lucro decorrente de ganho de capital na alienação de bens ou direitos, com o uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa acumulados na apuração do IRPJ e da CSLL pela empresa, excepcionando assim o limite de 30%, previsto na legislação desses tributos.
A medida, na prática, permite que a empresa em dificuldades (que comumente possui prejuízos fiscais e base negativa acumulados em sua contabilidade), possa reduzir ou evitar pagar imposto de renda e contribuição social sobre o lucro em relação ao ganho de capital na alienação de bens e direitos, permitindo assim que esse ganho, convertido em dinheiro, seja utilizado para a sobrevivência da empresa em recuperação.
Não tributação de PIS e COFINS sobre a “receita contábil” obtida com redução de dívidas da empresa em recuperação
Outra medida tributária importante validada pela superação dos vetos pelo Congresso Nacional sobre a lei 14.112/20, em fins de março último, diz respeito à introdução do art. 50-A na lei 11.101/05, que, em seu inciso I, passou a prever a possibilidade expressa de se excluir da base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS o valor da “receita contábil” registrada pela recuperanda com o ganho na renegociação de dívidas que cause sua redução ou extinção.
A medida é importante, embora se dê a entender, em sentido contrário, que em condições normais o valor da redução ou perdão de dívida deva ser tributado pelas contribuições PIS e COFINS, o que vem sendo questionado por contribuintes no Judiciário.
Redução ou não pagamento do imposto de renda (IRPJ) e CSLL sobre o ganho obtido na redução de dívidas da empresa em recuperação
O novo art. 50-A introduzido na Lei nº 11.101/2005 pela lei 14.112/20 (com veto superado pelo Congresso em fins de março último), também trouxe um inciso II que prevê a possibilidade de a empresa em recuperação judicial compensar integralmente o ganho obtido em reduções de dívidas, renegociadas no âmbito do processo de recuperação judicial, mediante uso de prejuízos fiscais e bases negativas acumuladas, e assim reduzir ou não pagar o imposto de renda e a contribuição social sobre o lucro nesses casos.
Reconhecimento da dedutibilidade de despesas com obrigações decorrentes do plano de recuperação judicial para reduzir a base de cálculo do IRPJ e CSLL
A superação de vetos presidenciais pelo Congresso, sobre a redação original da lei 14.112/20, permitiu também a validação da introdução de mais uma medida tributária importante para as empresas em recuperação judicial, correspondente ao novo art. 50-A, III, da lei 11.101/05, que efetiva o reconhecimento expresso e claro da possibilidade de dedução das despesas decorrentes das obrigações assumidas no plano de recuperação judicial, reduzindo assim a base de cálculo tributável pelo imposto de renda e contribuição (CSLL).
Conclusões
A recente entrada em vigor da lei 14.112/20, inclusive com a superação de vetos pelo Congresso, trouxe importantes avanços para permitir a superação da crise econômica por parte das empresas que estejam ou se encaminhem ao regime da recuperação judicial.
Ao mesmo tempo, o rigor na cobrança dos créditos tributários pelo Fisco será maior sobre as empresas em recuperação judicial que aderirem aos benefícios previstos nessa nova legislação, já que ela previu a possibilidade – questionável juridicamente – de o Fisco realizar pedido de convolação da recuperação judicial em falência no caso de descumprimento dos parcelamentos tributários ou de comprovado esvaziamento patrimonial em prejuízo aos créditos do erário.
Conhecidas as linhas gerais das novidades trazidas pela legislação comentada, as empresas em dificuldades financeiras, assim como aquelas já em processo de recuperação judicial, precisam estudar e avaliar todos os requisitos e condições oferecidos pela nova legislação (que possuem peculiaridades, como, por exemplo, no caso de micro e pequenas empresas), além da regulamentação introduzida pela Portaria PGFN 2.382/21 e demais atos normativos, e verificar, em cada caso, se elas se encaixam nas possibilidades trazidas pelos regimes legais de benefícios, verificando cuidadosamente os custos, riscos e benefícios das opções a seu alcance, para que assim sejam tomadas as melhores decisões.
Alerte-se que as empresas devedoras em recuperação judicial devem fazer as solicitações dentro dos prazos estabelecidos para as citadas condições diferenciadas de transação das dívidas fiscais estabelecidas pela lei 14.112/20 ou para realizarem proposta de adesão às condições de transação excepcional prevista no art. 8º da Portaria PGFN 14.102/20, sob pena de não poderem gozar dos benefícios oferecidos (Portarias 14.402/20, 2.382/21 e 4.364/21).