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É cabível ação previdenciária contra o INSS em Juizado Especial da Fazenda Pública?

Considerando que, na quase totalidade das ações previdenciárias, a parte autora requer a concessão da gratuidade de Justiça, mais razão ainda há na adoção do rito sumário e a admissão da ação no Juizado Especial das Fazendas Públicas ante a isenção legal de custas em primeira instância.

27/4/2021

Muito embora o entendimento predominante há certo tempo na jurisprudência doméstica aponte para a resposta negativa à indagação proposta, o artigo 27, da lei 12.153/09, abriu a possibilidade de nova interpretação da legislação correlata e, assim, conclusão diversa possibilitando-se o ajuizamento de ação previdenciária contra o INSS no âmbito do Juizado Especial da Fazenda Pública.

O primeiro ponto a ser destacado, porém, é que, tratando-se de ação previdenciária ajuizada em desfavor do INSS, autarquia federal, de ordinário, atrair-se-ia a competência para processar e julgar a causa à Justiça Federal (art. 109, inciso I, da CRFB/88).

Todavia, é cediço que a lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na Justiça Estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de Vara Federal (art. 109, §3º, da CRFB/88, com redação dada pela Emenda Constitucional 103, de 2019).

Assim é que a lei 13.876/19 regulamentou o dispositivo constitucional em comento alterando o art. 15, inciso III, da lei 5.010/66, para delimitar que “quando a Comarca não for sede de Vara Federal, poderão ser processadas e julgadas na Justiça Estadual: III - as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária, quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) de Município sede de Vara Federal”.

Assim sendo, nas comarcas distantes a mais de 70 quilômetros de município sede de Vara Federal, vislumbra-se a delegação de competência da Justiça Federal para a Estadual para processo e julgamento de ações previdenciárias ajuizadas em desfavor do INSS.

Até esse ponto, não há controvérsias.

A questão posta se resume, portanto, na definição de qual o rito deve ser empregado nas ações previdenciárias contra o INSS, no âmbito da competência delegada pela Constituição da República à Justiça Estadual: o comum (disciplinado pelo Código de Processo Civil em Vara de Fazenda Pública) ou o sumário (disciplinado pelas leis 10.259/01 e 12.153/09 em Juizado Especial da Fazenda Pública).

Tradicionalmente, como se observa do que restou decidido no Conflito de Competência 0010530-15.2011.4.01.0000/RO, julgado pela 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, entende-se que “não sendo o INSS integrante do rol de pessoas jurídicas que podem ser demandadas no Juizado Especial de Fazenda Pública Estadual, incabível, conforme dispositivos de normas legais válidas (lei 10.259/01, art. 20; lei 12.153, art. 5º, inciso II), incabível o julgamento de ações de natureza previdenciária no âmbito dos Juizados Especiais de Fazenda Pública Estaduais”.

Do inteiro teor desse acórdão podem-se extrair as seguintes premissas: i) a lei 10.259/01, em seu art. 20, veda expressamente a extensão ao Juízo Estadual; ii) a delegação de competência sobre a qual dispõe o art. 109, §3º, da Constituição Federal, não é extensiva ao Juízo de Direito dos Juizados Especiais Estaduais, motivo pelo qual o Juízo de Direito de Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública não é competente para processar e julgar feito que verse sobre questões previdenciárias afetas ao INSS; iii) as ações de segurados ou beneficiários contra o INSS não se sujeitam ao procedimento da lei 12.153/09 que criou os Juizados Especiais da Fazenda Pública; iv) o INSS não compõe o rol de pessoas jurídicas que podem ser demandadas nos Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual por não ser vinculado aos Estados, Distrito Federal, aos Territórios e aos Municípios, e, sim, à União.

É certo que, em princípio, a competência do Juizado Especial da Fazenda Pública (órgão típico da Justiça Estadual) deveria ser destinada apenas às causas em que forem partes os Estados e/ou algum de seus Municípios e suas respectivas autarquias, fundações e empresas públicas. É o que dizem expressamente os artigos 2º, caput, e 5º, inciso II, da lei 12.153/09.

Além disso, o art. 20, da lei 10.259/01, veda a sua aplicação no âmbito do juízo estadual. Confira-se:

Art. 20. Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta lei no juízo estadual. [grifado]

Todavia, o art. 27, da lei 12.153/09, assim disciplina:

Art. 27. Aplica-se subsidiariamente o disposto nas leis nos 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, 9.099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001. [grifado]

Portanto, desde logo, percebe-se o aparente conflito de normas quando a lei anterior (lei 10.259/01) veda a sua aplicação no juízo estadual, mas a lei posterior (lei 12.153/09) permite a utilização daquela em caráter subsidiário nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, órgão típico da Justiça Estadual.

E diz-se “aparente” conflito de normas porque este é solucionado facilmente pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo a qual “lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” (art. 2º, §1º, do DL 4.657/42).

Isso quer significar que o art. 27, da lei 12.153/09, revogou tacitamente a vedação contida no art. 20, da lei 10.259/01, admitindo-se a aplicação desta última lei no juízo estadual (Juizado Especial da Fazenda Pública) em caráter subsidiário à lei 12.153/09.

Vale lembrar que a aplicação subsidiária é aquela em que o emprego de uma determinada lei se dará quando a legislação existente não for completa, ou seja, a aplicação será complementar, possibilitando o aperfeiçoamento e integração da norma existente.

Portanto, infere-se que a delegação de competência federal para a Justiça Estadual relativamente às causas em que for parte o INSS, autarquia federal, conduz à conclusão de que as respectivas ações devem seguir o rito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (lei 12.153/09) quando o valor da causa for de até 60 (sessenta) salários-mínimos (art. 2º) e não versar sobre qualquer das matérias elencadas no art. 2º, §1º, da referida lei, aplicando-se subsidiariamente o CPC, a lei 9.099/95 e a lei 10.259/01, conforme art. 27, da lei 12.153/09.

A corroborar tal conclusão deve-se rememorar que o art. 2º, §4º, da lei 10.259/01, diz que “no foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta”, o que quer significar que, havendo vara federal e juizado especial federal no mesmo foro, a competência para processar e julgar as causas reguladas por aquela lei será deste último órgão jurisdicional. Cuida-se de competência absoluta, inclusive. Vale dizer, não há opção à parte autora, como nas ações da Justiça Estadual que se enquadrem nos padrões de valor e de matéria da lei 9.099/95. Isto é, nas ações cíveis típicas da Justiça Estadual, pode a parte autora optar pelo rito sumário (lei 9.099/95) ou pelo rito comum (CPC), mas na Justiça Federal a competência do Juizado Especial Federal é absoluta para as causas submetidas à lei 10.259/01. Noutros termos, não há opção: admite-se apenas o rito sumário.

Exemplo disso se percebe com maior nitidez ao se observar que, se a parte autora da ação previdenciária optasse por ajuizar a mesma demanda na Seção Judiciária da Justiça Federal mais próxima de seu domicílio, certamente teria que fazê-lo no Juizado Especial Federal se este se encontrar instalado naquele foro. Lado outro, se na respectiva Seção Judiciária não houver Juizado Especial Federal instalado, a ação seria ajuizada na Vara Federal, porém, tramitaria pelo rito sumário da lei 10.259/01.

Mas, optando o autor por ajuizar sua demanda na Justiça Estadual (comarca de seu domicílio), distante a mais de 70 quilômetros de juízo federal, não poderá optar por fazê-lo pelo rito comum (CPC), porquanto a ação deverá seguir o rito sumário obrigatoriamente. Isso porque se extrai da norma do art. 2º, §4º, da lei 10.259/01, que a intenção do legislador é que tais ações sigam o procedimento abreviado especial ao se atribuir a competência absoluta ao Juizado Especial Federal.

Não há lógica jurídica ao se exigir o rito sumário quando a ação é proposta em juízo federal e se obrigar a adoção do rito comum quando ação idêntica é ajuizada no juízo estadual.

Com efeito, ainda nessa segunda hipótese (ajuizamento da ação na Justiça Estadual do domicílio do segurado) deve-se igualmente seguir o rito sumário, inexistindo opção ao demandante de escolher o procedimento comum. Esta é a “mens legis” extraída do art. 2º, §4º, da lei 10.259/01.

Nesse peculiar, com amparo no art. 27, “in fine”, da lei 12.153/09, os artigos 2º e 5º, da lei 12.153/09, devem ser afastados e, subsidiariamente, aplicados os art. 3º e 6º, inciso II, da lei 10.259/01, os quais permitem o ajuizamento de ação no Juizado Especial Federal das causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 (sessenta) salários-mínimos, podendo ser parte, como ré o INSS, conquanto seja uma autarquia federal.

Não se olvide que a delegação de competência da Justiça Federal para a Estadual, dada pelo §3º do art. 109 da Constituição da República não limita sua abrangência ao rito comum ou às Varas de Fazenda Pública estaduais. Delega-se a competência para processar e julgar tais ações ao juízo estadual do domicílio do segurado. E, uma vez delegada a competência, o rito a ser adotado há de ser aquele regulado pela legislação infraconstitucional, no caso, as já citadas leis 10.259/01 e 12.153/09.

De mais a mais, considerando que, na quase totalidade das ações previdenciárias, a parte autora requer a concessão da gratuidade de Justiça, mais razão ainda há na adoção do rito sumário e a admissão da ação no Juizado Especial das Fazendas Públicas ante a isenção legal de custas em primeira instância (art. 54, da lei 9.099/95, aplicável subsidiariamente na forma do art. 27, da lei 12.153/09).

Por derradeiro, deve-se enfatizar que a redação do §4º do art. 109 da Constituição da República, segundo a qual, no caso da competência delegada em comento, “o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau” deve receber releitura para se admitir que os recursos sejam julgados pelas Turmas Recursais Federais, à luz do disposto no art. 21, da lei 10.259/01.

Isso porque o dispositivo constitucional em referência ainda possui sua redação original escrita em 1988, época em que inexistia no Brasil a figura dos Juizados Especiais, criados estes em 1995 com a lei 9.099 e, posteriormente, ampliados em 2001 para a Justiça Federal pela lei 10.259 e, mais recentemente, em 2009, para os Juizados Especiais da Fazenda Pública pela lei 12.153, formando-se um microssistema único, cujas legislações de regência interagem entre si em verdadeiro diálogo das fontes.

Em arremate, percebe-se que não há óbice constitucional ou legal para o ajuizamento, processo e julgamento das ações previdenciárias em desfavor do INSS nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, seguindo-se o rito da lei 12.153/09, com aplicação subsidiária da lei 10.259/01. Ao revés, a “mens legis” aponta para a obrigatoriedade do rito sumário na espécie, inexistindo razão jurídica para que tais ações tramitem pelo rito comum em Varas de Fazenda Pública perante a Justiça Estadual à escolha do autor.

Marcos Boechat Lopes Filho
Juiz de Direito do TJGO. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/GO.

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