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Execução de contratos internacionais descumpridos na pandemia

A execução do contrato é a medida cabível sob o prisma jurídico nos moldes do direito internacional privado.

22/4/2021

Nos últimos tempos diante dos solavancos da imprevisão própria de uma situação excepcional e mundialmente experimentada, como é o caso da pandemia, desponta a questão da execução dos contratos internacionais descumpridos no período. Nesse contexto, elucidaremos os contornos do descumprimento dos contratos internacionais e, em seguida, pontuaremos de que forma se poderá manejar a situação dentro do cenário social e jurídico imposto pela covid-19.

Assim, em direito internacional, quando se trata de execução contratual, há de se partir da compreensão de que houve um desequilíbrio contratual relativo ao cumprimento do ajuste de vontade das partes, de territórios diferentes, do que outrora foi pactuado. Dito de modo menos formal identifica-se que o contrato não foi cumprido total ou parcialmente da forma como foi acordada pelos sujeitos de uma relação obrigacional- jurídica em uma ordem internacional, ou seja, sob a égide do direito internacional.

Havendo, portanto, o descumprimento, a execução do contrato é a medida cabível sob o prisma jurídico nos moldes do direito internacional privado. Aqui então, há de se analisar os seguintes aspectos 1) a legislação aplicável ao caso; 2) se há cláusula de foro eleito pelas partes; 3) se há tratado internacional assinado pelos países das partes do contrato; 4) o objeto (se é fungível ou infungível); 5) soluções alternativas de conflito como a arbitragem;

Note-se que, ainda que no âmbito comercial internacional, há também de se falar no princípio da pacta sunt servanda que implica em dizer que o contrato obriga as partes nos limites da lei, e, por sua vez, lembrar que a ordem jurídica internacional impõe limitações de jus cogens, as leis imperativas do direito internacional, conforme dispõe o art. 54 e 64 da Convenção de Viena de 69., vejamos:

“É nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão, seja incompatível com uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os efeitos da presente Convenção, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza.”

As normas do jus cogens são insuscetíveis de derrogação pela vontade das partes. Pode-se dizer que o jus cogens surgiu com o intuito de limitar a autonomia da vontade dos Estados no Direito Internacional, e tendo como base garantir a ordem pública no cenário mundial. Nesse sentido, dispõe o art. Art. 64, da CVDT:

“Se sobrevier uma nova norma imperativa de direito internacional, geral, qualquer tratado existente que seja incompatível com essa norma torna-se nulo e cessa a sua vigência.”

Nesse espeque, é pertinente tecer ainda alguns comentários sobre a Convenção das Nações Unidas Sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias, firmada pelo Brasil em 1980, com vigência em 88, que versa acerca dos principais aspectos relacionados com o contrato internacional de compra e venda de mercadorias, como: campo de aplicação e disposições gerais; formação do contrato; condições de oferta e aceitação da mesma; revogação; direitos e obrigações do comprador e do vendedor; transferência do risco. Por outro lado, excluem-se da Convenção de Viena as compras efetuadas diretamente pelo consumidor final e operações envolvendo valores imobiliários, título de crédito, compra e venda de moedas, eletricidade, bens imóveis, navios, barcos e aeronaves. É importante destacar que a Convenção das Nações Unidas contempla o princípio da autonomia da vontade, ou seja, “as partes podem excluir a aplicação da Convenção ou derrogar quaisquer de suas disposições ou modificar-lhes os efeitos”.

Os tratados internacionais serão aplicados entre os Estados que consentiram expressamente com a sua adoção no livre e pleno exercício de sua soberania, ou seja, os tratados não criam obrigações aos Estados que não foram signatários, mas apenas para os Estados partes;

Pode-se pensar então em direito internacional acerca de um contrato de compra e venda comercial de commodities e que, portanto, possui características uniformes, que não são diferenciados de acordo com quem os produziu ou de sua origem, de modo que, por exemplo, se o objeto inicial do contrato era a safra de soja, pode-se propor substituição por safra de milho, desde que haja anuência da parte compradora. Em contraste, no exemplo, se observa que a mesma tratativa não seria possível quando de uma vacina em razão de suas especificações laboratoriais e em razão do tipo de tecnologia empregada. Passa-se então para a “etapa” de avaliação se o descumprimento poderia ser “remediado” por outras vias, de modo que se faz necessário pensar acerca das possibilidades negociais dos contratos em questão, momento no qual as partes poderão compor sua própria solução desde que respaldada pela boa-fé e legalidade internacional.

Por último, caso não haja composição da contenta contratual por meio direto, se abre a via judicial que demandará avaliar qual a lei aplicável ao caso, bem como qual o foro, dentro também das considerações relativas às particularidades da execução de direito internacional. Isto posto, para que se possa tratar da pandemia como evento capaz de relativizar ao descumprimento dos contratos internacionais relativos e dar azo à execução, há de se enfrentar primeiro dois questionamentos: Quando o contrato foi firmado? A pandemia realmente foi um evento capaz de afetar ao contrato internacional descumprido? Feito tal delineamento, se abre então espaço para compreensão da teoria da imprevisão e da compreensão de uma possível cláusula rebus sic stantibus quando se trata de contratos de execução diferida, e, por conseguinte, suscetíveis aos dissabores da insegurança no tempo futuro.

Portanto, imprescindível é analisar às particularidades do teor do contrato e também às circunstâncias relativas ao objeto do contrato, de modo que a execução em razão do inadimplemento em contratos internacionais durante a pandemia se fará caso a caso, porém sempre de maneira que preze pela boa-fé e a força contratual, visto que estas também configuram valores da ordem jurídica internacional.

Giselle Farinhas
Presidente da COMEX OAB RJ; Membro Consultora da CNRBC da OAB Nacional; Diretora dO CM da FCCE. Diretoria da CERBC da OAB-RJ; Sócia Giselle Farinhas Advogados; Advogada; Autora de livros; Docente;

Marielle Brito
Advogada.

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