Etimologicamente, a palavra stalking vem do inglês "stalker", que significa comportamento destinado a perseguir obsessivamente determinada pessoa. A conduta de perseguir insistentemente outra pessoa acaba por mitigar a esfera de liberdade e privacidade da vítima, direitos tutelados pela Constituição Federal.
Capitaneada pela Senadora Leila Barros (PSB/DF), a lei 14.132/21, publicada em 1/4/21, inaugurou no código penal o crime de perseguição (também conhecido como stalking).
A inovação legislativa fez nascer, portanto, o artigo 147-A do Código Penal, alocado no capítulo que disciplina “os crimes contra a liberdade individual”, cuja redação é:
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso;
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
§ 3º Somente se procede mediante representação.
Nota-se, pois, que o verbo que inaugura a conduta desvaliosa para o direito penal é “perseguir”, cujo significado é ir ao encalço, atormentando alguém insistentemente.
Contudo, para que tal conduta seja capaz de merecer reação penal, exige a lei que essa perseguição seja reiterada, insistente, isto é, repetida mais de uma vez, tratando-se, nesse particular, de característica que o classifica como crime habitual.
Conforme ensina Greco (2020, p. 235), os crimes classificados como habituais são aqueles em que a lei penal exige a prática reiterada da conduta, sendo essa diligência necessária à configuração do delito.
Daí surge questão que merece atenção: sendo o crime de perseguição classificado como habitual, é possível falar em tentativa punível?
Para melhor compreender a temática, cumpre anotar que, nos termos do artigo 14, inciso II, do Código Penal, o legislador decidiu punir o ato de execução não consumado por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Como ensina Bitencourt (2019, p. 543), no crime tentado “o movimento criminoso para em uma das fases da execução, impedindo o agente de prosseguir no seu desiderato por circunstâncias estranhas ao seu querer”.
Numa análise aguçada à luz do tipo penal contido no novo artigo 147-A, nota-se que a palavra “reiteradamente”, que, como apontamos, tem o condão de classificar a conduta delitiva como sendo habitual, faz com que seja forçosa a conclusão pela impossibilidade da tentativa, vez que ou o agente pratica uma única perseguição, sendo irrelevante para o direito penal, ou, lado outro, pratica mais de uma perseguição, comportamento que amoldará sua conduta ao tipo penal em análise, consumando-o.
Demais disso, nota-se que a inovação legislativa ora analisada, por expressa previsão contida no seu artigo 3º, culminou na revogação formal do artigo 65, do Decreto Lei 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais), que rotulava como infração penal a conduta de “molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade”, conduta através da qual a referida lei previa punição de prisão simples, de três meses a um ano.
Assim, conclui-se que antes da entrada em vigor da lei 14.132/21, responsável pelo acréscimo do crime de perseguição ao Código Penal, as condutas de “molestar alguém” ou “perturbar a tranquilidade” não exigiam habitualidade por parte do agente para que a contravenção penal restasse consumada, razão pela qual uma única conduta por parte do agente seria suficiente para consumar a infração penal até então insculpida no Lei das Contravenções Penais.
Com o novo panorama, no entanto, não é despiciendo concluir que a única forma de punir o “stalking” é através da prática de pelo menos mais de uma perseguição, vez que o legislador, ao revogar a contravenção penal contida no artigo 65 da Lei das Contravenções Penais e, ato contínuo, ao inaugurar o artigo 147-A do Código Penal, que estabelece crime eminentemente habitual, descortinou a irrelevância penal da conduta única capitaneada pelo agente perseguidor e, ademais, a impossibilidade de punir o crime de perseguição através da forma tentada haja vista a necessidade expressa da reiteração criminosa do agente.
Conclui-se, portanto, que o novo crime de perseguição, por ser classificado como crime habitual, não possibilita a punição através da tentativa, vez que, ou o agente reiterou o seu comportamento e consumou o delito, ou não reiterou, ocasião em que não há que se falar em tentativa de praticar crime habitual.
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BRASIL. Código Penal. Decreto – lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940.
BRASIL. Lei das Contravenções Penais. Decreto – lei 3.688, de 03 de outubro de 1941.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial. Belo Horizonte: Impetus, 22ª ed, 2020.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 2019, v. 2 (25ª ed).