As alterações no ordenamento jurídico brasileiro advindas da lei 13. 874, de 20 de setembro de 2019, conhecida como a Lei de Liberdade Econômica (LLE), visam modificar os mecanismos estabelecidos entre as estruturas de mercado e as restrições impostas pela superestrutura legal brasileira e à burocracia estatal.
Apesar de a LLE determinar ao artigo 1º, caput, que sua finalidade é estabelecer “normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador”. Vale lembrar que a própria Constituição Federal de 88 já elenca princípios visando a Ordem Econômica Brasileira fundada na ''na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa''1.
Ainda que pareça ambíguo a existência de uma lei para garantir uma liberdade econômica, Luciana Yeung defende que ao analisar a realidade brasileira, “precisamos repetir por diversas e diversas vezes várias obviedades que vão sendo esquecidas ao longo do processo de desenvolvimento de nossa Nação”2.
Alguns dados coadunam com exposto: em ranking elaborado pelo Heritage Foudation (índice de liberdade econômica dos países), o Brasil se encontra em 143º e, no Doing Business (classificação entre 1 em 190 em facilidade de realizar negócios), o país assume a 124ª posição. Em contrapartida, indicadores do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) apontam que a taxa de empreendedorismo no Brasil é de 38,7%3, ou seja, a atividade econômica na criação de um novo negócio ou na expansão de um já existente é considerável.
Neste cenário, no dia 29 de março de 2021, foi assinada Medida Provisória 1.040, já sendo denominada por “MP de Ambiente de Negócio”, de modo a complementar às finalidades da LLE, isto é, intentar a melhoria e a facilidade de se fazer negócios no Brasil.
Uma das principais disposição da MP está na criação do Sistema Integrado de Recuperação de Ativos – SIRA, que pretende facilitar a identificação e a localização de bens e devedores e a constrição e a alienação de ativos (artigo 13), sendo possível perceber que seus objetivos contornam premissas de desenvolvimento, redução de custos de transação e da assimetria informacional, maior efetividade às decisões judiciais que visem à satisfação e a recuperação de créditos, sejam públicos ou privados (artigo 14).
Para tanto, a MP elenca cinco princípios dos quais o SIRA irá se estruturar (artigo 15): (I) máxima efetividade e eficiência na identificação e na recuperação de ativos e na proteção do crédito e do credor; (II) promoção da transformação digital e estímulo ao uso de soluções tecnológicas na recuperação de créditos públicos e privados; (III) racionalização e sustentabilidade econômico-financeira das soluções de tecnologia da informação e comunicações de dados; (IV) respeito à privacidade, à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem das pessoas e às instituições; e (V) ampla interoperabilidade e integração com os sistemas utilizados pelo Poder Judiciário, de forma a subsidiar a tomada de decisão e racionalizar e permitir o cumprimento eficaz de ordens judiciais relacionadas à recuperação de ativos.
A medida possui extrema relevância, pois se percebe do legislador a tentativa de solucionar (ou pelo menos amenizar) dois problemas do Brasil, a primeira perfaz em um dos principais gargalos do Poder Judiciário, os processos em fase de execução que, de acordo com a pesquisa anual do CNJ “Justiça em números”, em 2020, se somados os casos novos com os pendentes de julgamento, chega-se à monta de 51,6 milhões de processos, isso apenas em 1º grau. Tais processos são os principais condutores da alta taxa de congestionamento do Judiciário (87%), em que mesmo esgotados os meios previstos em lei para a busca de bens do Executado, ainda assim não há localização de patrimônio4.
A segunda está na segurança jurídica e que, consequentemente, afeta o desenvolvimento econômico do país. Isto porque, para Douglas North, o ambiente institucional importa para as relações entre os agentes, porquanto as instituições garantem a ordem social e a redução da incerteza5. Por outro lado, partindo da premissa de que os seres humanos apresentam o comportamento de aversão ao risco e à perda, ao se deparar com sistemas legais e judiciais enfraquecidos, a intervenção estatal gera instabilidade e imprevisibilidade6, e assim, uma desaceleração nas atividades econômicas e ao desenvolvimento socioeconômico.
Dessa forma, a MP de Ambiente de Negócios apresenta uma legítima expectativa do Governo Federal na melhoria da liberdade econômica nacional. Sendo possível observar que os principais elementos que desestimulam o desenvolvimento socioeconômico da atividade econômica se encontram não apenas no Processo de Execução, mas também, na insegurança jurídica que tal problemática acarreta na tomada de decisão dos agentes.
Sustentada com premissas jus econômicas, o SIRA, viabiliza a melhoria econômica e institucional que, se aplicado corretamente, deve ser visto como instrumento benéfico na satisfação de crédito que, com efeito, impulsiona a realização de negócios.
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1 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
2 YEUNG, Luciana Luk. Friedrich Hayek, Liberdade Econômica, a MP e a Lei da Liberdade Econômica: Por que é necessária?, p. 77. In: SALOMÃO, Luis Felipe et al (Org.). Lei de Liberdade Econômica e seus impactos no direito brasileiro. 1. Ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. P.77.
3 SILVEIRA GRECO, Simara Maria de Souza (Coord.). Global Entrepreneurship Monitor Empreendedorismo no Brasil 2019. Curitiba: IBQP, 2020, p.170.
4 CNJ. Justiça em Números 2020: ano base 2019. Brasília: CNJ, 2020, p. 150-152.
5 NORTH, Douglass. Instituições, mudança institucional e desempenho econômico (Trad. Alexandre Morales). São Paulo: Três Estrelas, 2018, p. 13.6
6 MATTOS, César. A Nova Lei de Liberdade Econômica e o Bem-Estar Social no Brasil. In: SALOMÃO, Luis Felipe; CUEVA, Ricardo Villas Boas; FRAZÃO, Ana. Lei de Liberdade Econômica e seus Impactos no Direito Brasileiro. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2020, p. 397.