A partir do final da 2ª Guerra Mundial, foram definidas as bases contemporâneas do Sistema Financeiro Internacional no que se refere às estruturas de estabilização monetária, cooperação financeira internacional e regras gerais de comércio, constituindo à época o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (International Bank for Reconstruction and Development - IBRD) e o Acordo Provisório de Tarifas e Comércio (GATT).
Ambos o FMI e o IBRD foram criados pelo Acordo de Bretton Woods de 1944, possuem 189 Estados-membros cada e, por terem sido fundados conjuntamente, são conhecidos como as Instituições Irmãs, sendo que ambas sedes se localizam em Washington D.C., capital dos Estados Unidos.¹ ²
Já o Acordo Provisório de Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade - GATT) constituiu-se como um acordo temporário que permaneceu vigente frente à falta de consenso na criação da Organização Internacional do Comércio (OIC), por não ter sido ratificado o Acordo de Havana de 1947 pelo Senado dos Estados Unidos. Somente em 1944, com o Acordo de Marraqueche, foi constituída a Organização Mundial do Comércio - OMC (World Trade Organization - WTO), esta caracterizada como organização internacional, para fins do Direito Internacional Público.³
O IBRD é comumente associado ao nome Banco Mundial, por ter sido a primeira organização criada. Contudo, o Grupo Banco Mundial não se configura como uma única organização internacional. Trata-se de um conjunto de cinco organizações, cada qual com competências especificas e tratados constitutivos próprios.
Além do IBRD, existem a Associação Internacional de Desenvolvimento (International Development Association - IDA), a Corporação Financeira Internacional (International Finance Corporation - IFC), a Agência Multilateral de Investimento e Garantia (Multilateral Investment Guarantee Agency - MIGA) e o Centro Internacional para Resolução de Disputas de Investimentos (International Centre for Settlement of Investment Disputes - ICSID).
Por sua vez, o Centro Internacional para a Resoluc¸a~o de Conflitos sobre Investimentos (ICSID) foi criado pela Convenção de Washington de 1965. Em linhas gerais, o ICSID disponibiliza um conjunto de regras procedimentais para a realização da arbitragem ad hoc Investidor-Estado, conciliação e inquérito de fatos.4
A aplicação das regras do ICSID devem obedecer às previsões dos acordos bilaterais e regionais de investimento celebrados entre os Estados-parte. Em determinado acordo bilateral de investimento (Bilateral Investment Treaty - BIT), constam as regras aplicadas para a solução de eventuais controvérsias entre investimentos. No Direito Internacional do Investimento, observa-se a utilização da solução arbitral ad hoc Investidor-Estado, em que o investidor estrangeiro, alegando violação de determinada regra no acordo internacional, solicita a criação de um tribunal arbitral a solucionar o caso. Essa possibilidade de elevar o investidor (pessoa física ou jurídica) à condição de sujeito internacional, dotando-o de direitos e de personalidade no plano internacional, é exclusivamente aceita no caso de específicos tratados de solução de conflitos por arbitragem, como o caso do ICSID.
Ressalta-se que o tratado USMCA (United States-Mexico-Canada Agreement),5 que substituiu o anterior NAFTA (North American Free Trade Agreement) em 2020, dispõe sobre a utilização da arbitragem Investidor-Estado conforme as regras do ICSID.
Essa prerrogativa exclusiva do investidor estrangeiro é fortemente criticada pelos países em desenvolvimento, uma vez que estabelece uma forma de solução de conflito exclusiva para o investidor de outra nacionalidade e não se aplica ao investidor nacional do país receptor de investimento.
Outrossim, o modelo de resolução de conflitos pela arbitragem Investidor-Estado é desprovida de jurisprudência consolidada, sendo marcada por decisões conflitantes. Além disso, a doutrina jurídica não é pacífica quanto à atribuição de personalidade jurídica internacional aos investidores externos. Frente a esta indecisão de sua personalidade no Direito Internacional, tratados bilaterais atribuem a sua personalidade jurídica em ser parte em arbitragem internacional contra Estado e, ao mesmo tempo, omitem-se a aplicação de obrigações internacionais, conforme as normas de responsabilidade internacional. Essa situação indefinida permite que os investidores estrangeiros gozem somente de direitos no plano internacional, afastando a aplicação de regras jurisdicionais domésticas dos Estados importadores de capital, bem como se dissociam de qualquer responsabilidade a nível internacional, por exemplo, a criminalização internacional por atos contrários ao meio ambiente e aos Direitos Humanos.
Sobretudo, a América Latina possui uma relação diferenciada quanto à atuação do ICSID na região, em que demonstra uma tendência de revisão dos fundamentos do Direito Internacional pela busca de soluções alternativas ao modelo Investidor-Estado, dado que a região concentra o maior número de casos arbitrais via ICSID.
Registra-se a denúncia da Convenção de Washington de 1965, que constituiu o ICSID, pela Bolívia em 2007, Equador em 2009 e Venezuela em 2012.6 7
Fato relevante é o número de casos arbitrais via ICSID ocorridos em face da crise financeira da Argentina de 2001, em que se registraram o uso indiscriminado de institutos jurídicos aplicados a investimentos (como a Cláusula Guarda-Chuva e do tratamento justo e equânime) nas arbitragens Investidor-Estado, em um momento em que o Estado argentino se valia de medidas de interesse público a reestabelecer a sua economia.
É interessante observar que o Brasil nunca ratificou a Convenção de Washington de 1965 e, portanto, não se configura como membro do ICSID. A maioria da doutrina especializada que defende o modelo de solução de controvérsias pela arbitragem Investidor-Estado, justifica a sua utilização como forma de garantir maior segurança ao investidor externo e, consequentemente, maior entrada de capital estrangeiro. No caso brasileiro, a inexistência dos tradicionais acordos bilaterais de investimento (BITs) celebrados principalmente na década de 1990, no auge da disseminação do pensamento neoliberal, e a ausência de qualquer vinculação à aplicação da arbitragem Investidor-Estado e das regras do ICSID, impediram a regular entrada de capital estrangeiro em nosso país.
Ao longo dos anos, o Brasil sempre se configurou como um forte receptor de capital estrangeiro. Outros fatores econômicos, portanto, devem ser estudados com maior afinco a fim de clarificar as verdadeiras razões que motivam a entrada de capital externo em um país, uma vez que a celebração de acordos bilaterais de investimento ou a adoção da arbitragem Investidor-Estado não se constituem como institutos fundamentais.
Lado outro, a assinatura de BITs e, principalmente, a aplicação da arbitragem Investidor-Estado pode gerar drásticas consequências aos países importadores de capital, que são, na grande maioria, os países em desenvolvimento, dotados de históricas questões de desigualdade sócio-econômica, miséria e precárias condições políticas, sociais e de educação.
Ainda no caso da Argentina, as arbitragens Investidor-Estado, decorrentes da crise financeira de 2001, somaram-se a 40 casos. Trata-se do maior número de casos arbitrais contra um único Estado em toda a história jurídica, cujos valores de indenização excedem a 80 bilhões de dólares. Os quatro maiores casos envolvem investidores de empresas americanas de concessão de transporte e distribuição de gás (CMS, LG&E, Enron e Sempra),8 cujas indenizações totalizam quase meio bilhão de dólares.
Em especial, a insatisfação dos Estados importadores de capital é observada também nas decisões arbitrais Investidor-Estado que decidem contra o direto estatal de regulação do interesse público, do meio ambiente e de proteção das comunidades locais. A exemplo, citam-se os casos entre Equador e as empresas norte-americanas Occidental Exploration e Chevron, a canadense Chevron Corp e a Texaco, adquirida pela Chevron (Caso Lago Agrio).9
O Brasil, ciente dos drásticos efeitos que uma arbitragem Investidor-Estado pode eventualmente causar, adotou o modelo de arbitragem ad hoc Estado-Estado em seus recentes acordos internacionais de facilitação de investimento, conhecidos pelo nome de Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos - ACFI.10
Além disso, o acordo União Europeia e Mercosul, cujo texto final foi concluído em junho de 2019 e se encontra em processo de aprovação para assinatura e posterior ratificação, adotou o modelo de arbitragem Estado-Estado.11
O estudo contemporâneo do Direito Internacional do Investimento deve atentar-se aos posicionamentos críticos quanto aos efeitos adversos dos seus institutos jurídicos aplicados nas relações entre Estados e investidores estrangeiros. Decisões arbitrais desprovidas de fundamento no Direito Internacional Público, a ausência de órgão de apelação a revisar os laudos arbitrais e os julgados conflitantes são exemplos recorrentes da utilização histórica do modelo arbitral Investidor-Estado.
A resolução de conflitos internacionais sobre investimentos deve permitir o debate crítico de seus institutos, observar modelos de maior êxito como o sistema de solução de controvérsias da OMC e, principalmente, considerar a realidade dos países importadores de capital, largamente prejudicados com a estrutura de hiper-proteção ao investidor estrangeiro.
2. INTERNATIONAL MONETARY FUND - IMF. The IMF at a Glance. Disponível aqui. Acesso em 18 abr. 2021.
3. WORLD TRADE ORGANIZATION - WTO. History of the multilateral trade system. Disponível aqui. Acesso em: 18 abr. 2021.
4. INTERNATIONAL CENTRE FOR SETTLEMENT OF INVESTMENT DISPUTES - ICSID. About ICSID. Disponível em: Acesso aqui. Acesso em: 22 mar. 2021.
5. UNITED STATES GOVERNMENT. Agreement between the United States of America, the United Mexican States, and Canada. Office of the United States Trade Representative. Disponível aqui. Acesso em: 21 mar. 2021.
6.l UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT - UNCTAD. Denunciation of the ICSID Convention and BITs: Impact on Investor-State Claims. IIA Issues Note, n. 2. December, 2010. United Nations, 2010. Disponível aqui. Acesso em: 21 mar. 2021.
7. RIPINSKY, Sergey. Venezuela’s Withdrawal From ICSID: What it Does and Does Not Achieve. Analysis. International Treaty News - ITN: 13 de abril de 2012. Disponível aqui. Acesso em: 21 mar. 2021.
8. ITALAW. CMS Gas Transmission Company v. The Republic of Argentina. 2003. ICSID Case ARB/01/8. Disponível aqui. Acesso em: 22 mar. 2021; ITALAW. LG&E Energy Corp., LG&E Capital Corp., and LG&E International, Inc .v. Argentine Republic. 2004. ICSID Case ARB/02/1. Disponível aqui. Acesso em: 22 mar. 2021; ITALAW. Enron Corporation and Ponderosa Assets, L.P. v. Argentine Republic. 2004. ICSID Case ARB/01/3. Disponível aqui. Acesso em 22 mar. 2021; ITALAW. Sempra Energy International v. The Argentine Republic. 2007. ICSID Case ARB/02/16. Disponível aqui. Acesso em 22. mar. 2021.
9. ITALAW. Chevron Corporation (USA) and Texaco Petroleum Company (USA) v. The Republic of Ecuador. 2008. UNCITRAL, PCA Case 34877. Disponível aqui. Acesso em: 23 mar. 2021; ITALAW. Chevron Corporation and Texaco Petroleum Corporation v. Ecuador (II). 2009. PCA Case 2009-23. Disponível aqui. Acesso em: 23 mar. 2021.
10. MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos - ACFI. Disponível aqui. Acesso em: 21 mar. 2021
11. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES - MRE. Mercosul-União Europeia. Disponível aqui. Acesso em: 21 mar. 2021.