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O STF e a constitucionalidade da execução extrajudicial da hipoteca

O Supremo Tribunal Federal (“STF”), em outras oportunidades, já havia afirmado a constitucionalidade do Decreto-lei 70/66.

20/4/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Desde o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (“CF/88”), havia discussão acerca da recepção, ou não, de artigos da Decreto-lei 70/66, em especial aqueles que tratam da possibilidade de execução extrajudicial da garantia hipotecária constituída em cédula de crédito hipotecária.

Nesse sentido, cumpre esclarecer que o art. 29 do Decreto-lei 70/66 (“Decreto”) traz expressamente a possibilidade de que o credor hipotecário opte pela execução da dívida, através do procedimento executivo do Código de Processo Civil, ou pela execução extrajudicial de sua garantia.

O Supremo Tribunal Federal (“STF”), em outras oportunidades, já havia afirmado a constitucionalidade do Decreto-lei 70/66. No entanto, a jurisprudência nacional ainda divergia sobre a possibilidade, da execução extrajudicial da garantia hipotecária.

Foi neste contexto que chegaram ao STF os Recursos Extraordinários 556.520 – SP e 627.106 – PR, que foram submetidos ao procedimento de repercussão geral.

O procedimento da repercussão geral possui embasamento no §3º do art. 102 da CF/88 e nos artigos 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil (“CPC”) e objetiva uniformizar a interpretação constitucional, evitando o STF tenha que decidir múltiplos casos idênticos sobre uma mesma questão.

No entanto, o CPC é silente quanto à atribuição, ou não, de efeito vinculante à decisão do STF proferida em Recurso Extraordinário em regime de repercussão geral.

Existe corrente doutrinária que defende que somente Súmulas Vinculantes que resultem de Recursos Extraordinários com o reconhecimento de repercussão geral poderiam vincular os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública.

Porém, é evidente que a decisão proferida em julgamento de repercussão geral, mesmo que se considere a inexistência de efeito vinculante propriamente dito, acaba por vincular as decisões proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário, independentemente da existência ou não de Súmula Vinculante.

Do ponto de vista prático, nos casos em que houve julgamento com repercussão geral, o juiz mantém autonomia para formar a sua convicção.

O art. 1.041 do CPC prevê que, havendo a manutenção do Acórdão divergente pelo tribunal de origem, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao STJ ou ao STF, conforme o caso, segundo a sistemática prevista no § 1º, do art. 1.036.  

Assim, parece certo que qualquer decisão contrária àquela objeto de decisão proferida no Recurso Extraordinário, no qual se reconheceu a existência de repercussão geral, será muito provavelmente reformada de plano pelo Tribunal Superior.

Desta forma, no âmbito do Judiciário, a resistência dos tribunais regionais ou estaduais à decisão proferida em repercussão geral nos parece inócua e, com a devia vênia, meramente protelatória.

Nesse sentido, é evidente que a decisão do Tema 297 do STF representa um grande avanço no sentido da uniformização da jurisprudência nacional relacionada à constitucionalidade da execução extrajudicial da hipoteca.

Cumpre, assim, analisarmos brevemente as razões expostas pelo STF, no julgamento dos Recursos Extraordinários 556.520 – SP e 627.106 – PR.

No primeiro caso (RE 556.520 – SP), de relatoria do Ministro Marco Aurélio, o credor questionou decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP”) que, com base na Súmula 39 do extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, entendeu serem inconstitucionais os arts. 30, parte final e 31 a 38 do Decreto.

Em voto vencido, o Relator entendeu que a perda de um bem deve respeitar o devido processo legal, conforme mandamento constitucional. Ainda destacou que, segundo as normas do Decreto, “verificada a falta de pagamento de prestações, passa o credor a estar de pleno direito autorizado a publicar editais e a efetuar no decurso de 15 dias imediatos o primeiro leilão público do imóvel hipotecado,” e que “a automaticidade de providências, apontou o ministro, acaba por alcançar o direito de propriedade, fazendo perder o devedor, sem possibilidade de defender-se, o bem que até então integrava seu patrimônio.”

No segundo caso (RE 556.520-SP), de relatoria do Ministro Dias Toffoli, e com repercussão geral reconhecida, uma devedora contestou decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) que considerou que as regras não violam as normas constitucionais. O Ministro Relator, destacou que a jurisprudência do STF considera que as disposições constantes no Decreto não apresentam nenhum vício de inconstitucionalidade e que tal compreensão “decorre da constatação de que o procedimento não é realizado de forma aleatória e se submete a efetivo controle judicial, em ao menos uma das fases”.

Assim, o STF firmou a seguinte tese: “É constitucional, pois foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o procedimento de execução extrajudicial, previsto no Decreto-lei 70/66.”

Com a decisão do Tema 297, há grande probabilidade de uma uniformização da jurisprudência nacional, reconhecendo-se a constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial da hipoteca, previsto do Decreto-lei 70/66. Consequentemente, com a pacificação da questão, deve vir um aumento da segurança jurídica e, possivelmente, um aumento do uso do instituto da hipoteca no Brasil.

Juliana Fulgêncio Botelho Guimaraes
Graduada pela Universidade Milton Campos em Belo Horizonte/MG - 2011. Pós-graduada em Processo Civil pela Fundação Getúlio Vargas - Unidade Belo Horizonte/MG - 2014. LLM em Direito Empresarial.

Marília M. Marques
Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP - 2016 - Mestranda em Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP.

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