Migalhas de Peso

Um suspiro à justiça civil brasileira

O Projeto de Emenda Constitucional com pretensão de mitigar a sensação de impunidade na esfera criminal acabará por trazer alento e esperança para prestação jurisdicional na justiça civil.

19/4/2021

O portal de notícias da Câmara dos Deputados informou, nesta quinta-feira (15), que a Comissão da Prisão em Segunda Instância será reinstalada e retomará os trabalhos após a suspensão das atividades por um ano por ocasião da pandemia de covid-19. A Comissão, em síntese, está debruçada em analisar a proposta de emenda à Constituição 199/19 que prevê o cumprimento da pena após condenação em segunda instância. O leitor deve estar achando que há algum equívoco, pois o título deste ensaio indica um texto sobre justiça civil, enquanto as primeiras linhas versadas falam sobre direito penal. Ora, o que a prisão em segunda instância tem a ver com a justiça civil brasileira?

A grande polêmica sobre a prisão em segunda instância reside na possibilidade de execução da pena antes do trânsito em julgado da decisão condenatória - o que expressamente está vedado pela Constituição Federal, em seu art. 5º, LVII, por força da presunção de inocência. A proposta de emenda constitucional, todavia, visa antecipar o trânsito em julgado das decisões na esfera penal extinguindo o recurso extraordinário e especial do ordenamento para dar espaço às ações extraordinárias e especiais, de competência originária das Supremas Cortes.

Nesse cenário, a impossibilidade de interposição de recurso após a prolação de decisões pelas Cortes de Justiça atingiria o objetivo de viabilizar juridicamente a prisão logo após a condenação em segunda instância, tendo como efeito colateral uma completa reconfiguração da organização e estrutura judiciária ensejando uma série de complicações de efeitos práticos. Por exemplo: a necessidade de novas citações e contratação de advogado, óbice para que o STF e STJ suspendam feitos em tramitação e gerenciem temas polêmicos, possibilidade de atividade probatória nas Cortes Supremas, remodelação da legislação infraconstitucional processual, etc.

Entrementes, por ocasião da oitiva de inúmeros especialistas e do arquivamento da proposta de emenda à Constituição 410/18 que tramitava em apenso, sobreveio o parecer do relator sobre a proposta de emenda à Constituição 199-A/19. Esta proposição, que parece ser uma sugestão simplória, possui a capacidade de antecipar o trânsito em julgado sem a necessidade de redesenhar o modelo jurisdicional brasileiro - de modo a abarcar todos os ramos do direito, e não casuisticamente apenas ao direito penal. Explica-se.

A proposição consiste em manter os tão importantes recursos endereçados às Cortes Supremas e não mais transformá-los em ações autônomas de impugnação - o quê convenhamos, seria uma completa subversão processual para atingir determinado fim. Deste modo, por sugestão do Min. Cezar Peluso, o texto da PEC inclui a ressalva, nos arts. 102 e 105 da Constituição Federal, de que os recursos extraordinário e especial não obstam o trânsito em julgado. Vale dizer que, o trânsito em julgado é uma criação eminentemente jurídica e, se isso for verdade, não restam dúvidas que o Congresso Nacional possui competência para regulamentar o que significa trânsito em julgado, conforme afirma Daniel Mitidiero em audiência pública da Comissão.

Com efeito, os debates legislativos que iniciaram com um escopo voltado à resolução de vicissitude penal com efeito na ordem social transformaram-se em uma possível solução à justiça civil brasileira, no momento em que o trânsito em julgado passa a se materializar após decisão das Cortes de Justiça em todos os ramos do direito. Além do debate sobre as consequências na esfera criminal da proposição, inegável que o projeto trará um suspiro à moribunda prestação jurisdicional civil.

A aprovação da proposta em comento consolida o modelo de Cortes Supremas inerente ao Estado Constitucional em que vige o sistema jurídico brasileiro, isso porque o STF e o STJ, enquanto Cortes Supremas que são, não contém a função de controle de legalidade das decisões proferidas pelas Cortes de Justiça (TJs e TRFs), até porque não são terceira ou quarta instância, mas compete-lhes o papel de outorgar sentido ao Direito e o tutelar através do processo interpretativo, atendendo à sua precípua finalidade - notadamente, dar unidade ao direito.

Por outro lado, a proposição prove esperança à justiça civil em pontos importantes de ordem prática forense, tendo em vista que viabiliza a instauração do procedimento de execução definitiva concretizando a efetividade e celeridade, além de desencorajar a interposição de recursos meramente protelatórios assegurando mais uma vez o princípio da celeridade, ainda viabilizando a atividades das Cortes Supremas com maior dedicação e zelo com a iminente redução na carga de trabalho ao mitigar os efeitos tá contemporânea crise do Poder Judiciário.

Portanto, a prisão em segunda instância guarda, por ora, íntima relação com o tão necessário e esperado suspiro à justiça civil brasileira, considerando que sua entrada em vigência por ocasião da proposta de emenda constitucional 199-A/29 importará na concretização de uma prestação jurisdicional civil mais justa, célere e, sobretudo, efetiva.

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BRASIL, Câmara dos Deputados. Projeto de Emenda à Constituição 199/2019. Altera os arts. 102 e 105 da Constituição, transformando os recursos extraordinário e especial em ações revisionais de competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2019. Disponível clicando aqui. Acesso em 16 de abril de 21.

Diogo Alvarenga Saraiva
Pós graduando em Direito Civil e Processo Civil na Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP). Bacharel em Direito pelo IBGEN Business School. Membro do Grupo de Pesquisa - UFRGS, Processo Civil e o Estado Constitucional.

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