Migalhas de Peso

A proteção de projetos de arquitetura por Direito Autoral

O Direito Moral de autor – nesse caso, o arquiteto – consiste em um vínculo que une a criação e a obra, sendo indissociável e fruto de emanação da personalidade.

20/4/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

No Direito Brasileiro, são consideradas obras intelectuais todo resultado da criação do intelecto humano que carregue em si características como inventividade, originalidade e caráter único. A proteção de tal obra é formada por um conjunto de prerrogativas conferidas pela legislação que tem por finalidade conferir maior segurança jurídica nas relações entre o autor e aqueles que utilizam de alguma forma sua obra. Nesse sentido, é possível verificar que a Constituição da República de 1988 se preocupou em conferir ao autor, em seu artigo 5º, inciso XXVII, o exclusivo Direito de utilizar, publicar ou reproduzir suas obras.

De acordo com legislação específica – a Lei de Direitos Autorais 9.610/98 (LDA) –, são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro. O inciso X do artigo 7º expõe como exemplos de tais obras os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência. Logo, é possível concluir que os projetos arquitetônicos fazem parte do rol de obras intelectuais protegidas pela LDA, de modo que violações a esse Direito ensejam a busca por responsabilização nas esferas cível, administrativa e penal.

Nesse sentido, em breve síntese, o Direito Moral de autor – nesse caso, o arquiteto – consiste em um vínculo que une a criação e a obra, sendo indissociável e fruto de emanação da personalidade.

A jurisprudência é pacífica ao estabelecer que a proteção do Direito moral do autor (que inclui o de reivindicar a autoria da obra e manter sua integridade) são irrevogáveis e inalienáveis. Não obstante, o ministro Marco Aurélio Bellizze é claro no Recurso Especial 1.562.617/SP ao reconhecer a proteção do Direito de imagem da obra arquitetônica “Especificamente em relação às obras arquitetônicas, o projeto e o esboço, elaborados por profissionais legalmente habilitados para tanto, e a edificação são formas de expressão daquelas. A construção consiste no meio físico em que a obra arquitetônica, concebida previamente no respectivo projeto, veio a se plasmar. A utilização (no caso, com finalidade lucrativa) da imagem da obra arquitetônica, representada, por fotografias, em propagandas e latas de tintas fabricadas pela demandada encontra-se, inarredavelmente, dentro do espectro de proteção da Lei de Proteção dos Direitos Autorais”.

Por conseguinte, tais Direitos não estão sujeitos à cessão por parte de seu titular. Observa-se que o artigo 24 da LDA elenca, ao longo de seus incisos, os Direitos morais que dispõe o autor. Dentre eles estão o reconhecimento da autoria do projeto, esboço ou obra de arquitetura ou engenharia; o nome anunciado na utilização da obra, além da possibilidade de opor-se à modificação de seu projeto, esboço ou obra plástica e de opor-se a atos que prejudiquem o autor em sua reputação ou honra.

Para proteção dos projetos de arquitetura, a legislação confere Direitos ao autor, como acompanhamento da obra, à integridade da obra e repúdio, de modo que o projeto permaneça íntegro e somente seja alterado mediante autorização e ciência.

O primeiro Direito está relacionado à prerrogativa do arquiteto de acompanhar a obra com o intuito de atestar que a execução está de acordo com o projeto desenvolvido. As modificações no trabalho de autoria de arquiteto, tanto no projeto quanto em obra dele resultante, somente poderão ser feitas mediante consentimento por escrito do titular dos Direitos autorais, salvo acordo em contrário por meio de previsão contratual.

Havendo alteração da obra sem o consentimento do arquiteto durante a execução ou após a construção, a LDA confere ainda a ele o Direito de repudiar a sua autoria. Já casos de execução de obra por contrato de trabalho, se o contratante exigir modificações no projeto, o arquiteto poderá concordar e modificar o projeto com as exigências do contratante ou transferir o projeto e ceder seus Direitos patrimoniais, autorizando a modificação exigida e permitindo, ainda, que o contratante busque outro profissional para a obra.

Essa liberdade está relacionada ao Direito à integridade da obra, também previsto na LDA em seu artigo 24, inciso IV, que consiste na prerrogativa do autor de se opor a modificações em sua obra ou a prática de atos que possam prejudicá-lo ou prejudicar sua reputação ou honra de alguma forma. Será entendida a violação a este Direito quando o autor não mais se reconhecer como criador da obra que fora modificada.

Em complemento, os Direitos patrimoniais são aqueles relacionados a “utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica”, previstos no artigo 28 da LDA, o que induz à associação do Direito patrimonial com a exploração econômica da obra. A utilização de obra intelectual, seja ela arquitetônica ou de engenharia, por terceiros, precisa de autorização prévia do autor — artigo 29 da LDA – e, ao contrário dos Direitos morais, o autor que tenha a intenção de transferir seus Direitos patrimoniais, pode o fazer por meio de contratos e acordos de cessão. Tem-se como exemplo as obras sob encomenda, nas quais o contrato para elaboração de projetos já é dotado de cláusulas que dão à contratante o Direito de exploração econômica da obra. 

Destaca-se que o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), autarquia criada em 2010 para regulamentar o exercício da Arquitetura e Urbanismo no Brasil, editou em dezembro de 2013 a Resolução 67 do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, que estipulou normas e condições para registro de obras no CAU (RDA) e definiu multas de 5% a 10% do valor dos honorários profissionais referentes à elaboração da obra intelectual, calculados com base nas tabelas oficiais aprovadas pelo CAU/BR e indenização a quem violar, plagiar ou indevidamente se utilizar de projeto ou de outro trabalho técnico de criação em Arquitetura e Urbanismo. Em complemento à multa ou indenização, é também obrigação do infrator sanar a violação e responder civil e criminalmente em eventuais ações que possam decorrer do ato. A Resolução também caracteriza que para se configurar o plágio é necessária reprodução de dois dos seguintes requisitos: partido topológico e estrutural, distribuição funcional e/ou forma volumétrica ou espacial interna ou externa. Cabe ressaltar que apesar de não obrigatório para obtenção do Direito de autor, o registro perante a CAU é recomendado tanto como meio de prova caso ocorra qualquer violação quanto para gozo das sanções administrativas atribuídas.

Nota-se que o arquiteto possui, portanto, Direitos inerentes a qualquer autor que desenvolva obra dotada de particularidades que a tornem original. Em razão do lapso temporal existente entre a materialização do projeto e a execução da obra, o arquiteto deve observar os Direitos concedidos pela lei, para que ao final, a integralidade de sua obra esteja preservada. Considerando que o arquiteto não pode renunciar a seus Direitos morais, o processo de construção da obra arquitetônica depende que todos os envolvidos atuem de forma a garantir que o objetivo final esteja de acordo com a criação do arquiteto.

Por fim, compreende-se que os planos e projetos de arquitetura são objeto de proteção pelo Direito Autoral, prerrogativa esta que confere aos arquitetos diversos Direitos, dentre os quais destacam-se o Direito de proteger a integridade de sua obra, reivindicar autoria e não permitir nenhuma modificação não autorizada. No caso de violações ao seu Direito moral ou patrimonial, assim como alterações em seu projeto, o arquiteto pode buscar reparações.

Paulo Brancher
Sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

Vitória Moreira Alves
Advogada do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

Clara de Almeida Thomé da Silva
Advogada do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

José Roberto de Almeida Junior
Advogado do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

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