Migalhas de Peso

A Teoria do desvio produtivo do consumidor à luz do entendimento do STJ

Tempo é dinheiro; tempo é lazer; tempo uma vez perdido não se recupera, se compensa.

19/4/2021

A cada dia mais, o fator tempo tem ganho maior evidência e importância na vida das pessoas e na sociedade como um todo. Tanto o tempo dedicado ao trabalho e ao estudo como forma de evoluir em seu labor, quanto aquele usufruído na companhia dos filhos e familiares, em momentos de lazer são situações únicas que merecem ser aproveitadas ao máximo.

Não são raras, porém, as vezes que perdemos longas horas em telefonemas intermináveis e na maioria das vezes infrutíferos no call center de determinado serviço de atendimento ao consumidor, objetivando resolver problemas advindos de falha na prestação de serviço, cobranças indevidas, entre outras, para, no fim, muitas vezes o problema subsistir.

As ligações, cansativas e incessantes, bem como os famosos protocolos administrativos, além de aborrecerem o consumidor e muitas vezes não resolverem o problema, ainda lhe tomam tempo útil. Tempo este que poderia ter sido melhor utilizado e aproveitado, seja em benefício da família e do lazer, descanço, seja em detrimento do trabalho e estudo como meios de desenvolvimento pessoal.

Justamente como forma de remediar ou ao menos compensar mesmo que financeiramente situações como estas, afinal, o tempo não volta atrás, o Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento a respeito da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, quando do julgamento monocrático do AREsp 1.260.458/SP, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio Belizze, em 2017.

Segundo a referida Teoria, o tempo despendido pelo consumidor tentando solucionar problemas causados por maus fornecedores de produtos ou serviços frente a falha na prestação de serviço por estes perpetrada constitui dano indenizável.

Na decisão proferida, o Ministro Marco Aurélio Belizze, relator do AREsp, asseverou que: "Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências – de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer – para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar.”

Importante também ressaltar que tal entendimento vem se consolidando cada vez mais, na medida em que recentemente a Corte Superior novamente se manifestou a respeito do tema.

Em fevereiro de 2019, a Ministra Nancy Andrighi, quando o julgamento do REsp 1.737.412/SE, condenou uma instituição bancária ao pagamento de danos morais coletivos em virtude da violação ao tempo útil do consumidor, uma vez que, não foram adotadas as medidas necessárias para o eficiente funcionamento dos serviços oferecidos pela instituição. Sobre o tema, assim restou redigida a ementa do caso:

“RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. TEMPO DE ATENDIMENTO PRESENCIAL EM AGÊNCIAS BANCÁRIAS. DEVER DE QUALIDADE, SEGURANÇA, DURABILIDADE E DESEMPENHO. ART. 4º, II, “D”, DO CDC. FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE PRODUTIVA. MÁXIMO APROVEITAMENTO DOS RECURSOS PRODUTIVOS. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. DANO MORAL COLETIVO. OFENSA INJUSTA E INTOLERÁVEL. VALORES ESSENCIAIS DA SOCIEDADE. FUNÇÕES. PUNITIVA, REPRESSIVA E REDISTRIBUTIVA. […] 7. O dever de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho que é atribuído aos fornecedores de produtos e serviços pelo art. 4º, II, d, do CDC, tem um conteúdo coletivo implícito, uma função social, relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis na sociedade, entre eles, o tempo. O desrespeito voluntário das garantias legais, com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço, revela ofensa aos deveres anexos ao princípio boa-fé objetiva e configura lesão injusta e intolerável à função social da atividade produtiva e à proteção do tempo útil do consumidor. Na hipótese concreta, a instituição financeira recorrida optou por não adequar seu serviço aos padrões de qualidade previstos em lei municipal e federal, impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação injusta e intolerável ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, o que é suficiente para a configuração do dano moral coletivo”.  (REsp 1.737.412/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 5/2/19, DJe 8/2/19) (Destacou-se)

Destarte, evidente que o tempo útil do consumidor vem ganhando maior tutela por parte do âmbito jurídico brasileiro, podendo, a depender da circunstância concreta, ensejar o dever de indenizar o consumidor pelos valiosos momentos perdidos na tentativa de solucionar problemas causados por maus prestadores e fornecedores de serviço.

Gustavo de Camargo Hermann
Sócio do escritório Camargo, Hermann & Sensi Advogados.

Maurício Mocelin Maschke
Assistente jurídico do escritório Camargo, Hermann & Sensi Advogados.

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