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Direito à saúde – Obrigação do estado custear UTI em hospital público

Destacar ainda, que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem o sistema único de saúde.

15/4/2021

A saúde é um direito público subjetivo, eis que faz parte do núcleo duro dos direitos fundamentais, sendo por isso que a Constituição Federal de 88 estabelece em seu Artigo 1º 88o fundamento, a dignidade da pessoa humana. A saúde como direito fundamental deve ter aplicabilidade direta e imediata sendo certo que tal direito não é uma norma programática, eis que a força normativa da constituição e o principio da máxima efetividade comporta uma tutela pelo poder judiciário quando o Administrador público fica inerte na oferta de direitos. No caso de saúde não existe discricionaridade do administrador público pois omissão pode ceifar vidas.

Registra-se que o Artigo 196 da constituição estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Nesse contexto, o dispositivo constitucional obriga o Administrador Público, seja pelo Estado, Município ou União a agir e por conseguinte formular a política pública social e econômica destinada à promoção, à proteção e à recuperação da saúde. Ademais tal acesso a esses meios deve ser universal e igualitário.

Nesse caminhar a obrigação dos entes federativos para com a saúde é solidária conforme preconiza a própria Constituição, tal obrigação é disponibilizar medicamentos, atendimento médico- hospitalar, realização de exames, fornecimento de aparelho, e no caso de tratamento da covid-19, todos os insumos, mascaras de oxigênio, vaga em Unidade de Tratamento Intensivo e dentre outras possibilidades.

A oferta à saúde tem um custo, e depende de orçamento público, e nesses casos não pode o Estado alegar ausência do orçamento, pois a saúde e a vida não esperam por rubricas orçamentarias. Nesse sentido já entendeu o Superior Tribunal Federal no RE 271286 AgR2, de relatoria do Ministro. CELSO DE MELLO destacou que o direito à saúde não fica submetido a um caráter programático, e todos os entes federativos são responsáveis, sendo o direito à saúde não pode ser promessa de governo, sendo dever do Ente público ofertar de maneira impostergável o que a lei preconiza. Portanto a “limitação orçamentária” não é fundamento para a não promoção de direito à saúde, direito a vagas em UTI (unidade de tratamento intensivo), sobretudo diante do momento de crise sanitária  que assola o Mundo, com o Brasil não é diferente, nos casos graves da doença causada pelo vírus covid-19 o paciente evolui para necessidade de respiração por aparelhos o que  tem demandado muitas vagas em UTIs. E as vezes as vagas publicas não existem, somente em hospitais particulares

Não raras vezes o paciente grave que necessita de processo de intubação fica aguardando vaga o que vai ficando ainda mais fragilizado e muita das vezes falece no processo. A demora nesses casos pode acontecer o pior. E, diante de um caso grave e de necessidade do processo de intubação deve-se buscar alternativa judicial seja por meio de uma ação pelo procedimento comum, seja por meio de um mandado de segurança para garantir em caráter liminar o custeio do tratamento em rede particular a custas dos Entes Públicos.

O direito à saúde assegura a promoção e vigor das pessoas e impõe aos Entes a oferta de serviços públicos a todos. Tal oferta deve ser para prevenção e eliminação de doenças. O Estado é responsável por manter o individuo são, como deve evitar que a doença se agrave. Nesse cenário deve-se destacar ainda que o direito à saúde deve ser tutelado pelas instituições como Ministério Público, Defensorias Públicas, pois se trata-se de um direito difuso. Direito de todos de viver com saúde e de ter acesso aos insumos, vagas quando a doença assola o indivíduo.

Calha asseverar o que destacou o Ministro do STF, Celso Antônio Bandeira de Mello, no ARE 685230  julgado em 2013. “O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional indissociável do direito à vida.”3 E por isso o direito à saúde é dever do Estado.

Cumpre destacar ainda, que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem o sistema único de saúde. O SUS é organizado com as seguintes diretrizes (I descentralização , II atendimento integral, III participação da comunidade)4. O SUS (sistema único de saúde) é regulamentado pela lei 8.080/90 e nos termos de seu Art. 4º assim menciona. “O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).”  Extrai-se que a iniciativa privada poderá participar do SUS, em caráter complementar (art. 4º, §2º).5

No caso da necessidade do processo de intubação e diante de ausência de vaga em hospitais públicos o Ente Público é obrigado a custear em hospital particular, e caso negado,  deve-se pleitear em juízo demonstrado os requisitos da urgência, com laudo médico indicando a necessidade de intubação atestando a urgência de UTI para o paciente. Nesse sentido, tem-se que o Estado deve arcar com os custos do tratamento médico dispensado, quando ausente vaga em nosocômio público.

Pontua-se nesse contexto o Doutrinador André de Carvalho Ramos, que assim leciona: “Do ponto de vista da faceta de abstenção, há o direito individual de não ter sua saúde colocada em risco, bem como há o direito de não ser obrigado – em geral – a receber um determinado tratamento. Assim, a pessoa tem o direito à autodeterminação sanitária, que consiste na faculdade de aceitar, recusar ou interromper voluntariamente tratamentos médicos. Esse direito exige que seja dada ao indivíduo toda a informação necessária, para que a recusa ou o consentimento seja livre e esclarecido. Excepcionalmente, o direito de recusa de tratamento pode ser superado, em uma ponderação de direitos, com o direito à saúde de outros, como se vê em casos de epidemias. Do ponto de vista prestacional, o direito à saúde habilita a pessoa a exigir um tratamento adequado por parte do Estado, podendo, inclusive, pleitear tal serviço de saúde judicialmente.6

E obviamente diante da escassez devido a pandemia e a crise sanitária e no caso o Estado não oferta o que é indicado pelo profissional médico diante de cada caso concreto, quando em um leito e necessitando dos aparatos para recuperar a saúde e o Estado não possui, deve-se buscar a tutela judicial o que pode ser feita por meio de ação individual demonstrando em juízo a urgência e o perigo da demora e ainda  podem ser veiculados por meio de ações civis públicas.  Afinal a saúde é um direito de todo cidadão.

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3 STF - ARE: 685230 MS, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 5/3/13, Segunda Turma.

6 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 890

Lívia Borchardt Gonçalves
Advogada, especialista em Direito Administrativo e Direito Civil e Processual Civil.

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