Desde o julgamento ocorrido em 15 março de 2017, aguarda-se o encerramento da discussão em que o Supremo Tribunal Federal, decidiu que o ICMS – imposto estadual, não poderia integrar a base de cálculo para apuração do PIS e COFINS.
Este capítulo gerou reflexos, não apenas na discussão sobre a tese propriamente dita, mas sobre eventos extra autos, que ao longo dos anos geraram discussões reflexas, advindas do fatídico dia 15/3/2017.
Isso por que, após a publicação do acórdão e com a apresentação de recurso pela União (embargos de declaração), ainda que o STF tenha reconhecido que o ICMS – imposto estadual, não poderia integrar a base de cálculo para apuração do PIS e COFINS, a aplicabilidade e o aproveitamento deste entendimento, foi limitada pelo Fisco¹.
Durante este período, que compreende o julgamento ocorrido no ano de 2017 e os dias atuais, os contribuintes se viram em um cenário turbulento, com medidas judiciais para afastar a exação contrária ao que já fora decidido pelo STF, limitações impostas pelo Fisco quando da apuração do quanto devido², meios alternativos de cobrança da parcela não reconhecida pelo Fisco³, dentre outros eventos que conturbaram este período de insegurança jurídica.
Com a data do julgamento dos embargos de declaração, no próximo dia 29/4/2021, um dos fundamentos que será protagonista na discussão e é, o objeto central do recurso da União Federal, será o dano ao erário.
Observando os fundamentos do recurso apresentado pela União, podemos extrair que como contrapeso ao dano ao erário, convoca-se a aplicação do mecanismo da modulação temporal dos efeitos da decisão.
A modulação, em síntese, possibilitará que a Corte do STF possa restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, como no caso em análise, após o julgamento dos embargos de declaração (2021).
Em resumo, a modulação proporcionará a definição para quando e para quem, a decisão de 2017, poderá ser aplicada.
Tal prática é uma exceção ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade, como ocorrido em março de 2017, resulta na exclusão da lei ou ato normativo do nosso ordenamento, anulando todos os efeitos (eficácia ex tunc), ao longo do tempo em que a norma esteve em vigor.
O art. 274 da lei 9.868/99, autoriza que por maioria de dois terços dos membros do STF, nos casos em que houver a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, os efeitos desta decisão podem ter eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado pela Corte.
O alicerce do pedido da União para aplicação da modulação temporal dos efeitos, decorre do risco de dano ao erário que são conduzidos por: risco de impacto financeiro, transferência aleatória de riquezas, dificuldades operacionais de aplicação do entendimento de forma pretérita, dentre outras.
Um ponto relevante em sua justificativa, a União destaca que na hipótese de sair vencida de sua pretensão (não obter a modulação buscada), no caso concreto, as medidas que seriam aplicadas, poderiam ser: a) aumentar alíquotas, para compensar a redução da base de cálculo, e/ou reduzir gastos na seguridade social; b) endividar-se; c) não fazer nada e deixar que a inflação realize o ajuste necessário.
Outro ponto que merece destaque, ainda, é a afirmação utilizada como fundamento e extraída do recurso apresentado de que o equilíbrio orçamentário e financeiro do estado possui dignidade constitucional.
Utilizando-se destas premissas, bem como do pedido e da possibilidade de modulação dos efeitos da decisão, em recente sessão do plenário, o STF decidiu que incide ISS, e não ICMS, nas operações de softwares5, mas o ponto que detém conexão ao nosso tema, versa sobre a modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade.
Aquela discussão (ICMS ou ISS sobre software), tramitava no STF a mais de duas décadas no STF e até o seu efetivo deslinde, gerou inúmeras demandas judiciais quem envolveram competência, bitributação, dentre outros, em todo o território nacional e, com o objetivo de evitar demandas e para dar maior segurança jurídica ao julgado e aos seus efeitos6, houve a modulação dos efeitos da decisão.
Dentre as justificativas para a utilização do mecanismo da modulação dos efeitos, surgiu-se a manutenção do equilíbrio fiscal, como sendo uma tendência a ser observada na Corte do STF7, a prestação jurisdicional completa, antevendo situações que poderiam ser desencadeadas com o resultado do julgamento8, dentre outras hipóteses que justificaram a modulação dos efeitos.
O resultado desta modulação dos efeitos, no caso do ISS sobre software, restou assim sedimentado (em breve síntese): i) quem pagou ICMS ou ISS – obrigação extinta; ii) créditos (ISS e ICMS) em aberto até a publicação do julgamento – exigência apenas de ISS; iii) contribuinte que recolheu os dois (ISS e ICMS), sem ação ajuizada – possibilidade de restituição do ICMS; iv) ações judiciais de ICMS (repetição, anulatória e execuções fiscais) – aplicação do entendimento de incidência do ISS, possibilitando restituição de valores pagos ou depositados; v) ações judiciais de ISS (repetição, anulatória e execuções fiscais) – aplicação do entendimento de incidência do ISS (salvo de houve o pagamento de ICMS – convalidação do pagamento), com conversão de créditos em renda e etc.
A modulação proposta, revelou a necessidade de se observar a dualidade entre o equilíbrio fiscal e a segurança jurídica, como pressupostos de equidade ao se definir o que é ou não constitucional.
Naquele caso, embora a discussão estivesse restrita a uma parcela dos contribuintes, em virtude de suas atividades, o entendimento que se extrai para este ensaio se alinha a uma possível solução para o julgamento que será realizado no próximo dia 29.04.
Isso por que, a responsabilidade fiscal não pode ser posta a todo custo e independente de qualquer outra garantia, como pressuposto de manutenção das contas do ente público.
O conceito de justiça se afasta na medida em que o desprezo aos contribuintes que ao longo dos anos, foram combativos a inconstitucionalidade posta pelo Fisco, podem ser penalizados sob o argumento de risco ao equilíbrio fiscal, independente da indissociável legalidade tributária.
O Min. Luis Barroso, na sessão que julgou a modulação dos efeitos da decisão sobre as ADIs 1.945 e 5.659, delineou bem a necessidade de observância do respetivo a legalidade tributária nas hipóteses em que se adotam a modulação dos efeitos:
(...) respeitando as circunstâncias fiscais dos estados e as circunstâncias de justiça tributária para os contribuintes, evidentemente, sempre que se modula um tributo, cuja cobrança se considerou inconstitucional e não se invalida as cobranças anteriores, há em alguma medida, uma penalização com o contribuinte que cumpriu a legislação, que é o que ocorre com quem efetivamente recolheu o ICMS, mas acho que esse é o preço a se pagar em nome de uma ponderação e de um equilíbrio possível e necessário entre responsabilidade fiscal e respeito a legalidade tributária.
Trazendo ainda, o entendimento consignado no paradigma (ISS sobre software), a expressão utilizada pelo Min. Marco Aurélio9, que destacou que lei que contraria a constituição é natimorta, impõe uma reflexão sobre a convalidação de inconstitucionalidade, sob o argumento de saúde financeira dos cofres públicos.
Em seu recurso, a União Federal traz apenas a hipótese de prejuízo de sua situação financeira, sem qualquer outra justificativa (constitucional), para resguardar seu pedido de modulação para que os efeitos da decisão de 2017.
A modulação dos efeitos pelo STF deve ser utilizada com muita cautela uma vez que resulta, na prática, como uma espécie de anistia10 em benefício do Poder Público que ao implantar uma norma inconstitucional e após ser vencido no Poder Judiciário, alega que eventual direito a restituição pode gerar prejuízos financeiros.
Admitir que o risco de prejuízos financeiros como escudo para opor eventual perda do ente público, autorizaria seu uso em qualquer discussão tributária que busque a anulação e/ou a repetição de valores recolhidos ou exigidos indevidamente, o que nos parece um absurdo!
A dignidade constitucional aplica-se tanto para a Administração Pública, quanto para seus administrados, na medida em que a segurança jurídica é pressuposto de eficácia do Estado Democrático de Direito, em homenagem a confiança legítima e da boa-fé objetiva.
O princípio de segurança jurídica aplica-se de forma ampla e efetiva em prol da sociedade, razão pela qual ocupa lugar de destaque em nosso ordenamento e logo, não pode ser abreviado em prol do risco da Fazenda Pública não conseguir honrar com suas obrigações, diante de práticas reconhecidas como inconstitucionais.
Como visto no paradigma analisado, na hipótese de adoção de modulação dos efeitos da decisão (para as correntes que entendem aplicável), a observância do equilíbrio entre as garantias dos contribuintes e impacto fiscal, revela-se indissociável ao que se observa do significado de justiça.
Espera-se, portanto, que na próxima sessão de julgamento do RE 574706, ainda que se aplique o mecanismo de modulação dos efeitos da decisão de 2017, o fundamento econômico não se sobreponha a qualquer garantia constitucional dos contribuintes, garantindo o respeito a legalidade tributária e segurança jurídica.
1. Wikipédia: O termo fisco refere-se ao Estado como gestor do Tesouro público no que diz respeito a questões financeiras, econômicas, patrimoniais e, especialmente, tributárias. Disponível aqui.
2. Solução de Consulta Interna n. 13/2018 da Coordenação Geral de Tributação (COSIT)
3. Matéria Jornal Valor Econômico: Disponível aqui.
4. Lei n. 9.868/1999. Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
5. STF, ADIs 1.945 e 5.659
6. STF, ADIs 1.945 e 5.659. Trecho do voto do Min. Dias Toffoli, autor do voto condutor e da proposta de modulação. Sessão do dia 24/02/2021 do Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal
7. STF, ADIs 1.945 e 5.659. Trecho do voto do Min. Edson Fachin, voto de proposta de modulação. Sessão do dia 24/02/2021 do Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal
8. STF, ADIs 1.945 e 5.659. Trecho do voto do Min. Ricardo Lewandowski, voto de proposta de modulação. Sessão do dia 24/02/2021 do Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal
9. STF, ADIs 1.945 e 5.659. Trecho do voto do Min. Marco Aurélio, voto de proposta de modulação. Sessão do dia 24/02/2021 do Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal
10. Wikipédia: A anistia (português brasileiro) ou amnistia (português europeu) (do grego: ?µ??st?a; transl.: amnestía, esquecimento; pelo latim tardio amnestia) significa perdão, cancelamento ou renegociação de dívidas. Ou ainda: "Um perdão estendido pelo governo a um grupo ou classe de pessoas, geralmente por uma ofensa política; o ato de um poder soberano de perdoar oficialmente certas classes de pessoas que estão sujeitas a julgamento, mas ainda não foram condenadas". Disponível aqui.