Todo ano, em regra, do dia 1 de março até 30 de abril, os contribuintes têm a obrigação tributária acessória de declarar seus rendimentos auferidos no ano anterior. Na declaração de ajuste anual, deve-se indicar todos os rendimentos auferidos, bem como as despesas e deduções realizadas, sendo que no ano de entrega da declaração, ao subtrair o imposto recolhido por antecipação do imposto devido, se o resultado for positivo, ainda há imposto a pagar pelo contribuinte, se negativo, o contribuinte terá direito à restituição do valor correspondente.
O Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) tem como base de cálculo o montante real que o contribuinte auferir em certo período, ressaltando que desse montante é possível o contribuinte fazer deduções legalmente autorizadas.
A possibilidade de dedução de despesas objetiva atender ao princípio da capacidade contributiva, previsto no art. 145, §1º da Constituição Federal de 88 (CF/88), que dispõe que: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.
Dentre as despesas autorizadas para dedução do imposto de renda, previstas no art. 8º, II, da lei 9.250/95, tem-se a despesa com educação. Porém, ao contrário das despesas com saúde, para as quais não há valor limite de dedução, a lei estabelece limite de despesas com educação, por pessoa, anual de R$ 3.561,50 (três mil, quinhentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos). Nesse sentido, se a despesa com educação da pessoa, no período de um ano, for superior a esse valor, o excedente não será considerado para dedução.
Observa-se que a própria lei que confere mencionado direito ao contribuinte, com base no princípio da capacidade contributiva, condiciona-o a certos limites de valores, nos casos das despesas com educação. Questiona-se: seria o limite para descontar despesas com educação do IRPF (in)constitucional?
Pode-se afirmar que as despesas que o contribuinte tem com educação não constituem acréscimo patrimonial, mas sim gastos destinados à formação profissional do cidadão, a fim de garantir seu desenvolvimento pessoal e profissional.
A própria Constituição Federal, no art. 6° registra que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (grifo nosso).
Ora os direitos previstos no art. 6° da CF são direitos fundamentais assegurados a todos os indivíduos, e constituem cláusulas pétreas, isto é, não podem ser suprimidos (art. 60, §4°, inc. IV, CF). Os artigos 196 e 205 ambos da CF/88 dispõem ser a saúde e a educação dever do Estado, o qual deve disponibilizar serviços de qualidade, atendendo a todos de forma igualitária, visando o pleno desenvolvimento de seus cidadãos.
Entretanto, embora serviços públicos de qualidade sejam o ideal de um Estado Democrático de Direito, ainda há um caminho longo a percorrer para atingi-los no Brasil.
A realidade do sistema público de educação brasileiro é bem diferente da idealizada pela CF/88. As escolas públicas hoje são mal vistas, sendo caracterizadas com baixo rendimento escolar, ensino de má qualidade, ambiente propício para violência e número insuficiente de vagas; infelizmente, poucas são as que escapam deste estereótipo. Diante deste fato, muitas famílias recorrem ao ensino privado, visando melhores condições de desenvolvimento a seus filhos. No entanto, essa escolha pesa no orçamento familiar, tendo em vista que as escolas particulares demandam despesas significativas e, muitas vezes, sacrifícios financeiros.
A Legislação Tributária permite a dedução relacionada aos pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, realizadas a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil, abrangendo às creches e às pré-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de R$3.561,50 (três mil, quinhentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos), sendo tal valor estipulado a partir do ano-calendário de 2015, sem qualquer atualização ou correção posterior.
Analisando o limite anual para despesas com educação de R$3.561,50 (três mil, quinhentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos), este se mostra desarrazoado àqueles que cursam ou tem filho fazendo faculdade de mensalidades altíssimas, como por exemplo, de Medicina, uma vez que o valor anual nem corresponde ao de uma mensalidade. Segundo estudo da SEMESP (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo), em 2017, a faculdade de Medicina apresentou mensalidade média de R$ 6,2 mil. Não há falar em acréscimo patrimonial a ser tributado, nestes casos, mas verdadeiro decréscimo na renda familiar.
Ademais, constata-se que a escola particular tem se tornado menos acessível à classe média, tendo em vista que as mensalidades têm subido sistematicamente acima da inflação.
A questão é que os custos aumentam, mas os limites para deduções no IRPF permanecem inalterados. Observa-se que a quantia mensal que podia ser deduzida por dependente em 2009 correspondia ao valor de R$ 144,20 (cento e quarenta e quatro reais e vinte centavos), sendo que em seis anos (de 2009 para 2015) o valor aumentou apenas R$ 45,39 (quarenta e cinco reais), e os mesmos valores de 2015 ainda perduram em 2021.
Os limites para deduções desestimulam o cidadão brasileiro que enxerga o Estado como um “confiscador”, que invade sua residência com alta carga tributária, impõe limites de dedução, obstando seu pleno desenvolvimento e o bem-estar de sua família, atuando de forma contrária aos fundamentos e objetivos constitucionais.
Ressalta-se que o direito à educação em nada difere do direito à saúde, pois os dois apresentam o mesmo status constitucional, sendo considerados direitos fundamentais de eficácia plena. Por que será, então, que a legislação restringe apenas o valor a ser deduzido com despesas com educação, permanecendo o limite deduzido com saúde ilimitado?
Com efeito, em relação ao limite de dedução de despesas com educação no IRPF, a legislação tributária brasileira afronta diretamente os princípios basilares da Constituição Federal, mormente o da isonomia e da capacidade contributiva, desrespeitando um dos fundamentos primordiais do Estado de Direito, o da dignidade humana, conferindo predominância a uma política fiscal meramente arrecadatória, para não dizer “predatória”, em detrimento ao pleno desenvolvimento de seus cidadãos. De se constatar que, nesse caso, não há observância do princípio da capacidade contributiva pelo ente tributante.
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BRASIL. Constituição (88). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Brasil, 5 out. 88.
BRASIL. lei 9.250, de 26 de dezembro de 95. Altera a legislação do imposto de renda das pessoas físicas e dá outras providências, Brasília. Disponível em: <clique aqui >. Acesso em: 10 abr. 21.
BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. IRPF (Imposto sobre a renda das pessoas físicas). 2020. Disponível em: <clique aqui>. Acesso em: 10 abr. 21.
ESTUDO mostra que mensalidade média de medicina é 10 vezes maior que a de pedagogia no Brasil. 2017. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 10 abr. 21.