Migalhas de Peso

A nomeação de inventariante judicial como mecanismo de pacificação do litígio entre os herdeiros

O acirramento de disputas envolvendo partilha de bens tem exigido do Poder Judiciário a adoção de medidas para tentativa de pacificação dos conflitos e celeridade processual. Nesse contexto, a nomeação de inventariante judicial como auxiliar do Juízo, ganha destaque entre os Magistrados.

13/4/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O crescente esgotamento da capacidade de atendimento do Poder Judiciário frente ao número excessivo de demandas judiciais tem exigido, cada vez mais, a adoção de técnicas que facilitem a solução das controvérsias, tornando a prestação jurisdicional mais célere e eficaz. Uma das formas para se atingir tal resultado está na nomeação de inventariante judicial pelos magistrados, que buscam auxiliares da justiça que possuam experiência nessa atividade, mas também expertise em administração e liquidação patrimonial, já que, ao final, uma partilha de bens exige, como núcleo central da solução da disputa, a boa administração do acervo hereditário, o pagamento das dívidas do espólio e dos impostos, assim como a divisão dos bens deixados pelo falecido entre os herdeiros.

De fato, não é de hoje que o falecimento de um parente, ao mesmo tempo em que causa dor à família, pode também desencadear em uma série de conflitos entre os herdeiros, envolvendo a administração da herança e a própria partilha. O Código de Processo Civil disciplina a figura do inventariante judicial, um auxiliar do Juízo, equidistante das partes e imparcial, que irá promover todos os atos destinados à administração e proteção do patrimônio hereditário, o pagamento das dívidas e a ultimação da partilha, sempre buscando minimizar as dissidências e controvérsias entre os herdeiros e entregar a solução jurisdicional de maneira célere.

A nomeação de inventariante judicial não consiste em um uma punição aos herdeiros, mas sim uma providência necessária, em muitos casos, à conclusão célere e conciliatória da prestação jurisdicional pelo Estado. Ver-se-á que a nomeação de inventariante judicial pode ser a melhor alternativa para que os jurisdicionados, em situações limítrofes de conflitos familiares e sucessórios, possam resolver o litígio envolvendo a partilha, em menor tempo e de forma mais justa e equânime, possibilitando que o próprio Poder Judiciário atinja a plena eficácia e celeridade na prestação jurisdicional.

O que se verifica na prática é que a administração de um acervo hereditário por inventariante judicial – alheio às controvérsias familiares, possibilita um ambiente negocial amplo, em que nenhuma parte é beneficiada pela demora no andamento processual, fazendo com que as reais informações de mensuração de ativos e passivos sejam transmitidas imediatamente ao processo. Esses pontos só colaboram com o célere deslinde da partilha, beneficiando todos os envolvidos no processo.

Aberta a sucessão, com a morte do autor da herança, o Código de Processo Civil disciplina, em seu artigo 611, que dentro dos 02 (dois) meses subsequentes deverá ser instaurado o processo de inventário e partilha, “ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte”. Note-se que, em tese, o próprio CPC pressupõe que o procedimento deve ser célere e concluído, idealmente, no prazo de 01 (um) ano. Todavia, não é essa a realidade que se observa nas ações judiciais envolvendo litígios de sucessão patrimonial, sendo comum a existência de ações de inventário com tramitação de décadas.

A ordem de nomeação de inventariante para gerir o espólio está disciplinada no artigo 617, do CPC, que tem a seguinte redação: O juiz nomeará inventariante na seguinte ordem: I - o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste; II - o herdeiro que se achar na posse e na administração do espólio, se não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados; III - qualquer herdeiro, quando nenhum deles estiver na posse e na administração do espólio; IV - o herdeiro menor, por seu representante legal; V - o testamenteiro, se lhe tiver sido confiada a administração do espólio ou se toda a herança estiver distribuída em legados; VI - o cessionário do herdeiro ou do legatário; VII - o inventariante judicial, se houver; VIII - pessoa estranha idônea, quando não houver inventariante judicial.

Note-se, todavia, que não se trata de uma ordem legal de preferência rígida e absoluta, sendo pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que “a ordem legal de preferência para nomeação do inventariante não é absoluta, podendo ser relativizada para atender às necessidades do caso concreto”, (AgInt no AREsp 1.397.282/GO, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 05/04/19). Significa afirmar, portanto, que o inventariante judicial pode até mesmo ser nomeado desde o início do processo de inventário, uma vez que o Magistrado verifique a presença de intensa animosidade entre os herdeiros, que pode tornar morosa e ineficaz a prestação jurisdicional na hipótese de manutenção do cônjuge ou de um herdeiro na inventariança do acervo hereditário.

O inventariante judicial, como qualquer outra pessoa nomeada para o encargo a partir da lista estabelecida no artigo 617, do CPC, assume o compromisso de bem desenvolver as funções, dispondo de poderes e responsabilidades e respondendo pelas falhas que cometer. Em apertada síntese, incumbe-lhe todas as diligências disciplinadas pelos artigos 618 e 619, ambos do CPC, e demais que lhe são subsequentes, na condução do procedimento específico que o Código disciplina em livro próprio.

É nesse sentido que se defende a nomeação de inventariante judicial experiente, na qualidade de auxiliar do Juízo, em lides em que a controvérsia é de tal envergadura, que as partes não têm condições reais de ultimar a partilha em tempo adequado e termos minimamente convenientes para garantir os interesses de todos. Cabe ao inventariante judicial, outrossim, com imparcialidade, objetividade e eficiência, apresentar um plano de administração do acervo hereditário e de buscar a pacificação do litígio entre os herdeiros. Espera-se do inventariante judicial a constante iniciativa de aproximação das partes, adotando uma postura conciliadora que garanta celeridade na conclusão do processo.

Esse profissional deve possuir profundo conhecimento do procedimento sucessório, experiência em mediação e equipe capacitada para administração de bens e levantamento de ativos e passivos, sempre prestando contas de forma detalhada.

Para apresentar o plano de administração do patrimônio partilhável deve o inventariante judicial fazer o levantamento completo do acervo hereditário, inclusive mediante solicitação de ordem de indisponibilidade de bens, consulta INFOJUD, pesquisa da Declaração de Operações Imobiliárias (DOI), consultas a cartórios de registro de imóveis, DETRAN, consultas BACENJUD/SISBAJUD para verificação das instituições financeiras perante as quais o de cujus mantinha contas correntes ou investimentos, apresentação de histórico de movimentações financeiras, entre outras medidas exigíveis caso a caso, a serem requeridas, com transparência, ao Juízo do inventário.

Tais diligências não causam prejuízo ao espólio. Muito pelo contrário. Servem para levantamento completo do acervo a ser administrado, dirimindo qualquer possibilidade de sonegação por parte de algum herdeiro, que não noticie nos autos a integralidade do patrimônio sujeito à partilha. De posse de tais informações, cabe ao inventariante judicial adotar medidas para manutenção, administração e preservação do patrimônio, velando-lhe os bens com a mesma diligência que teria se seus fossem (inciso II, art. 618, do CPC), revertendo todos os frutos para os autos de inventário e pagando as dívidas deixadas pelo de cujus.

O inventariante judicial, como auxiliar do juízo e administrador imparcial, dispõe de melhores condições para conferir ao acervo uma governança mais eficaz, transparente e rentável ao patrimônio, em benefício de todos os herdeiros, já que não existe envolvimento emocional com o patrimônio e, em absoluto, mínimo interesse ou benefício em deixar de promover a melhor e mais célere administração e rentabilidade ao acervo, evitando o perecimento de direitos do espólio e a dilapidação ou deterioração de bens. Afinal, o inventariante judicial fará jus a uma remuneração, que será arbitrada e fixada pelo Magistrado, entre um e cinco por cento da herança líquida, em aplicação, por analogia, da regra do art. 1.987 do Código Civil, que trata do prêmio do testamenteiro.

Relevante que se destaque, a propósito da remuneração do inventariante judicial, que não se trata de ônus excessivo ao espólio. Ao contrário, a demora na prestação jurisdicional é um dos principais motivos da deterioração do acervo hereditário, em prejuízo não só dos herdeiros, dos eventuais credores do espólio e da própria Justiça, como instituição a serviço de todos. O tempo que será reduzido na prestação jurisdicional, pela mitigação do conflito de interesses e a aproximação conciliatória das partes, certamente torna a remuneração do inventariante judicial menos onerosa ao patrimônio do que a infindável controvérsia entre os sucessores, que impede, ao final das contas, que cada herdeiro receba a sua cota hereditária, de forma célere.

Em conclusão, embora ainda não seja uma prática usual dos magistrados – mesmo em situações em que seria evidentemente benéfico ao espólio e aos sucessores – a nomeação de inventariante judicial vem ganhando corpo no Poder Judiciário, como mecanismo de eficácia e celeridade da prestação jurisdicional em processos de inventário, sempre visando mitigar conflitos de interesses entre os herdeiros e colaborar com a justa, rápida e eficaz partilha de bens.

Alexandre Correa Nasser de Melo
Advogado e administrador judicial. Sócio fundador da Nasser de Melo - Advogados Associados, escritório especializado em Direito Empresarial e da Credibilità Administrações Judiciais.

Andrea Sabbaga de Melo
Advogada atuante em Direito de Família e Sucessões, integrante da equipe de advogados da Credibilità Administrações Judiciais. Mestre em Direito pela UFSC.

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