Ontem, (11)1, após um longo dia de trabalho, estava tendo um momento de descanso, navegando pelas minhas redes sociais, e no Instagram me deparei com as publicações da amiga e colega de profissão, a advogada Bruna Vaz.
Em seu Instagram, ela levanta a bola para seus seguidores comentarem sobre a contratação ou não de profissionais da advocacia para resolução de problemas e, aparentemente, em razão de seu questionamento posterior, as respostas recebidas seguiram, expressivamente, a linha de que o público não procura prestadores de serviços advocatícios (habilitados) para solucionar suas demandas, preferem tentar resolver sozinhos ou com a “ajuda” da internet.
Diante disso, seu segundo questionamento foi no sentido de saber a razão que leva as pessoas a não nos procurar nesses casos. As respostas, como era de se esperar – pelo menos para mim, foram diversas, mas quase todas apontaram um desses três pontos: a visão negativa que a população tem a respeito de nós, advogadas e advogados, os valores de nossos serviços e a possibilidade de as pessoas poderem resolver sozinhas seus problemas, pois a internet “ensina” e “ajuda” a fazer tudo.
Aqui abro um parêntese para pontuar que, apesar de o espaço amostral, base para esta crônica, seja um pouco reduzido, se comparado à amplitude demográfica brasileira, (a advogada possui 5.475 seguidores), é possível verificar padrões com as respostas dos seguidores, que de fato refletem a realidade do país (se quiserem constatar, basta replicarem em suas redes os questionamentos da querida colega. Poderão ocorrer alguns desvios-padrão, claro, mas garanto que a maioria dos leitores obterá resultado igual ou muito assemelhado ao constatado).
Retornando, quanto ao primeiro ponto, verifica-se que é inegável a imagem ruim sobre os profissionais da advocacia por boa parte da população. Em minha experiência, várias foram as vezes que escutei “advogados são todos malandros”, “vocês são mestres em achar brechas na lei para dar um jeitinho nas coisas”, “advogado gosta de ganhar dinheiro em cima das pessoas”, “não estão nem aí para o cliente, querem só o dinheiro”, dentre outras expressões injuriosas e difamatórias.
O que infelizmente se observa, é que ocorre o velho e persistente erro em nossa sociedade: generalizam algo em razão de uma experiência singular com determinada(o) profissional da área que não agiu com boa-fé e de forma ética para com a(o) cliente nem cumpriu com sua função social, como determinam a Constituição de 88 e as normas infraconstitucionais que disciplinam a profissão. Com isso, eu e outros colegas “pagamos o preço” por comportamentos viciosos de alguns profissionais de péssimo caráter que passaram pela vida de algumas pessoas.
Caros leitores, necessário se faz dizer o óbvio aqui: em todas as profissões encontraremos pessoas de má índole, pessoas que possuem desvios éticos em sua esfera privada, que são adeptos da imoralidade e que mancham a reputação dos demais pares de profissão, MAS NÃO PODEMOS TIRÁ-LOS COMO EXEMPLO E FORMARMOS JUÍZOS DE VALOR GENERALIZADOS, DE FORMA A AFIRMAR QUE TODOS QUE EXERCEM AQUELE DETERMINADO OFÍCIO NÃO PRESTAM, SÃO MAUS-CARACTERES!
Lamentavelmente, como disse, existem, sim, maus profissionais na advocacia, que, infelizmente, não cumprem com seus deveres deontológicos e expõem ao público uma versão deturpada da profissão. Todavia, por sorte, nem todas as advogadas e advogados são assim. Há uma grande quantidade de profissionais no país que, diariamente, luta para a garantia e defesa dos direitos dos cidadãos, que cumpre com sua função social, que persegue, de forma ética e legal, a tão almejada justiça.
Os membros da advocacia, como bem dizem a nossa Magna Carta e a Lei Federal 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), são indispensáveis à administração da justiça, isto é, as advogadas e os advogados são imprescindíveis para a consecução dos objetivos fundamentais da nossa República, em especial no que tange à construção de uma sociedade livre, justa e solidária. A luta é grande, mas o reconhecimento é pequeno.
Somos nós, profissionais da advocacia, de acordo com os dizeres de ilustres juristas, como Francesco Carnelutti, Piero Calamandrei e Heráclito Fontoura Sobral Pinto, os “juízes” iniciais das causas. Na maioria das vezes, para nós é que chegam, em primeiro lugar, a apresentação dos fatos por aqueles que buscam justiça, e a nós nos cabe esclarecermos e afirmarmos aos que nos procuram se eles possuem ou não um direito a ser defendido. Nossa função é dar a efetiva concretude ao Direito e à Justiça. É para com estes que temos obrigação e fidelidade.
Assim, sem mais prolongamento deste primeiro ponto, resta clara que esta visão que se criou sobre a advocacia é equivocada, que a particularidade de uma experiência ruim com um profissional da área não pode falar sobre todos os outros. É preciso que as pessoas percebam e entendam isto de uma vez por todas. Não só em relação a advocacia, mas em tudo na vida.
O segundo ponto apurado com o questionamento da querida amiga diz respeito aos valores cobrados pelas advogadas e advogados para prestarem consultas, confeccionarem documentos ou realizarem algum procedimento. Não vou falar tudo que se tem para falar, pois demandaria páginas e mais páginas, quase um artigo ou trabalho monográfico, o que não pretendo fazer aqui. Faço apenas algumas ponderações e reflexões.
Peço, inicialmente, uma simples compreensão: nós, a princípio, como os demais trabalhadores, não trabalhamos de graça (há alguns profissionais que fazem isto, mas é algo de exclusiva liberalidade destes – aos curiosos, sim, no escritório temos alguns processos em que atuamos de graça, são os usualmente denominados pro bono). Como qualquer outro trabalhador, em contrapartida ao esforço físico e mental dispensado com a prestação de nossos serviços, fazemos jus a uma remuneração. Todavia, a forma e o valor desta que é o suposto problema, não é?
Pois bem. Quanto a isto, é simples: a princípio, como em qualquer área, fica a critério do(a) prestador(a) do serviço a forma e o valor cobrado pelo seu serviço (no nosso caso, não temos tanta liberdade como os demais profissionais, pois devemos observar às normas éticas e regulamentares expedidas pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB), se será um preço fixo adiantado, se será à vista ou parcelado, se será um percentual sobre o valor da causa ou sobre o proveito econômico obtido pela pessoa que o(a) contrata, se será a combinação de valor fixo e percentual... São vários os tipos de ajustes que podemos efetuar para o recebimento de nossos honorários, considerando as diversas particularidades dos casos que nos são apresentados.
O importante aqui é fazer as pessoas entenderem que essa atividade exercida pelas advogadas e advogados é, ao menos em tese, de onde estes profissionais retiram o sustento próprio e de sua família. Pedir para que nós trabalhemos de graça, por valor vil ou apenas por êxito é demonstração de completa falta de empatia conosco, pois, a meu ver, denota que a pessoa não se colocou na situação do prestador de serviço e que, com certeza, não visualizou que a recíproca não seria bem quista ou válida.
Por isso, deixo aqui duas perguntas simples para reflexão: vocês trabalhariam por anos ou décadas em um caso por um valor pequeno? Tomariam para si a responsabilidade de lidar com os direitos fundamentais de terceiros de forma gratuita? (As questões não devem ser refletidas sob o ponto de vista único e singular de apenas um caso.)
Destaco, também, a questão do ganho apenas por êxito – que é o que a maioria dos clientes quer. Apesar de reconhecer que é uma forma de facilitação das(os) jovens profissionais entrarem no mercado, entendo ser algo cruel imposto à realidade da advocacia, vez que não podemos afirmar e garantir um resultado favorável às pessoas que nos procuram – se a(o) advogada(o) falar “é causa ganha”, corra(!), pois a relação já está se iniciando com uma mentira. Não temos como fazer isto, pois quem decide a demanda é uma terceira pessoa (magistrada(o)).
Assim, é necessário, a meu ver, o estabelecimento de um valor pago independentemente de êxito, pois o serviço será prestado, o trabalho será realizado, mas, como disse, não podemos garantir o ganho da causa. Por analogia, seria o mesmo que efetuar o pagamento dos serviços de um(a) profissional da área da medicina apenas se ele(a) curar a pessoa enferma. Isto não se demonstra nem um pouco razoável, não é mesmo?
Outra coisa que também deve ser ressaltada é a qualidade e o tempo do serviço prestado, bem como toda a parte prévia para a formação, qualificação e atualização do profissional.
Há que se ter em mente que muitos dos trabalhos exercidos pelas(os) profissionais da advocacia demandam um profundo e específico conhecimento de diversos temas e um tempo longo das(os) profissionais. Tirando como exemplo os processos judiciais, é notório o fato de que muitos destes são causas complexas e, por isto, duram anos ou décadas para terminarem. Assim, considerando o valor pactuado entre as partes para prestação do serviço, o mesmo, se dividido pelo tempo de duração do processo, geralmente dá um valor mensal ínfimo.
“Ah, Gustavo, mas tem trabalho que é ‘só’ confeccionar uma ou duas folhinhas.” Sim. Mas já param para pensar que a pessoa para saber elaborar, devidamente, essas “folhinhas” teve que, primeiramente, concluir cinco anos de curso de nível superior e efetuar prova de proficiência profissional (Exame da OAB)? Isso sem contar o fato de ter que se manter atualizado quanto aos entendimentos dos Tribunais, das leis e de outras normas editadas e a constante produção acadêmica/doutrinária, posto que o Direito, por advir de fatos sociais, é dinâmico e permanece em constante alteração.
Ou seja, antes de questionar o valor cobrado pela(o) profissional da advocacia, coloque-se no lugar dela(e), pense no que ela(e) passou e continua passando para conseguir ganhar seu sustento. Como dizem por aí, “quem vê close, não vê os corre” (sic).
Neste ponto fico por aqui, pois, como disse, muita coisa pode ser falada com mais especificidade, porém não é o propósito deste texto esgotar o tema. Mas àqueles que quiserem, sintam-se à vontade para questionarem, contra-argumentarem ou simplesmente abordarem alguma questão específica deste assunto por qualquer forma de contato disponibilizada.
Por fim, mas não menos importante, chegamos ao ponto de resolução dos problemas ou feitura de documentos por conta própria, com o “auxílio” da internet.
Em primeiro lugar, nem tudo pode ser feito sem uma advogada ou um advogado. Procedimentos judiciais, salvo algumas exceções (impetrar Habeas Corpus, propor ações nos Juizados Especiais Cíveis até 20 salários, nos Juizados Especiais Federais e na justiça do Trabalho – dessas exceções existem exceções também, só para não acharem que podem fazer tudo sem advogadas(os)), precisam de constituição de advogada(o), assim como para efetuar vistos em contratos sociais, inventário extrajudicial, divórcio extrajudicial, etc.
“Ah, mas eu posso pegar um modelo na internet, fazer o documento e pedir só para a(o) advogada(o) assinar.” Pode. A questão é achar um profissional que descumpra com a lei e ética profissional e vá se responsabilizar por um “trabalho” que não foi feito por ele (ressalto apenas que, com a devida reflexão, percebe-se que o fim, neste caso, está justificando o meio, ou seja, para benefício próprio você está se valendo de comportamentos reprováveis, ética e legalmente, para realizar seu objetivo. Algo lhe soa familiar?).
Outra coisa, são os tais “conteúdos” adquiridos pela internet. Muitos destes encontram-se desatualizados ou podem não se adequar ao seu caso. E como você vai saber isso? Apenas consultando uma advogada ou um advogado. “Mas sou inteligente o suficiente para verificar essas coisas.” Ótimo! Ponto para você! Mas cuidado, esse ponto pode ser negativo. “Por quê?” Porque infelizmente você não tem a expertise que um(a) profissional da advocacia tem, e o barato acabará saindo caro. Explico abaixo com um exemplo de um evento recente em que participei como procurador (encurtando-o, claro).
Estive há poucos dias representando uma pessoa em uma Assembleia Geral Ordinária de um condomínio. Na ocasião, havia duas chapas concorrendo para eleição de síndico e subsíndico: uma composta, respectivamente para os mencionados cargos, por João e José; outra, por Maria e Ana (todos nomes fictícios). Tanto João quanto Maria recolheram pelo condomínio dezenas de procurações, as quais lhes concediam poderes para participar, deliberar e votar nos assuntos da pauta do dia.
Quando da apresentação da chapa para início da eleição, José se levantou, falou que João não estava presente no local, mas que João havia lhe entregue uma procuração para votar em seu nome e em nome das dezenas de pessoas que haviam lhe outorgado poderes. Ou seja, para muitos José estaria representando João e os outros condôminos que outorgaram poderes a este.
Neste momento fiz apenas uma pergunta: se havia nas procurações que foram entregues e conferidas ao João a previsão de que ele, João, poderia repassar os poderes que tinha recebido para outra pessoa (ou nos termos mais técnicos, se João poderia substabelecer os poderes que lhe foram outorgados para terceira pessoa). A resposta, como era de se esperar, foi negativa, o que gerou um tumulto imenso. Até que trouxeram João, que estava por perto, para a assembleia e a nulidade, antes existente, foi sanada.
Vejam, João provavelmente pegou um modelo da internet e o replicou. Não deve ter procurado um(a) advogado(a) para auxiliá-lo. Tais condutas, como se verifica, quase lhe custaram dezenas de votos. Ou seja, “uma simples folha de papel” (como mencionado em um parágrafo acima), que aos olhos do leigo estava ‘ok’, na verdade quase custou todo o empenho de João para angariar todas aquelas procurações. Bastava uma consulta com uma advogada ou um advogado para adição de meia dúzia de palavras no documento para que nada disso ocorresse.
Este é apenas um dos milhares de exemplos em que a “esperteza” e ignorância daqueles que não são profissionais da advocacia causam ou podem vir a causar. Os casos de procurações, de contratos de locação e de sociedades são campeões de modelos prontos na internet em que as pessoas copiam, utilizam e posteriormente têm problemas.
Com este exemplo simples que apresentei, pode-se constatar que, apesar de toda informação que pode ser obtida na internet e todos os “ensinamentos” nela disponíveis, o fundamental não está ali, isto é, o conhecimento do Direito e a expertise profissional não estão presentes no Google ou em outros sites similares.
Por isto que em minhas redes sociais sempre repito: procure sempre um(a) advogado(a) – claro, de sua confiança. Pode parecer que não somos necessários, mas isto não é verdade. Afinal de contas, não existimos à toa.
Post scriptum: Vocês devem estar pensando neste momento: “Advogado defendendo a advocacia e os colegas de profissão, coisa mais imparcial não há”. Bem, aos que me conhecem, repito; aos outros, afirmo: antes de ser advogado, sou um operador e pensador do Direito e da Justiça, um profissional deste ramo do conhecimento que por enquanto encontra-se na qualidade de advogado.
Não vejo qualquer problema em criticar a advocacia ou outra profissão. A crítica argumentativa e fundamentada é saudável à sociedade. Porém, apenas não posso concordar com estigmas existentes que têm por base uma visão particular que foi generalizada.
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1 Texto elaborado e publicado em 06 de abril de 2021 no LinkedIn do autor.