Os testes psicológicos são considerados como provas científicas, ou tecnologias profissionais, capazes de identificar, com eficiência em termos de economia de tempo e custo, diferentes perfis psicológicos que podem estar aptos ou não aptos para se submeter a cirurgias bariátricas, assumir cargos específicos, responsabilidades civis, criminais e administrativas, dentre outras. Ou seja, são instrumentos que comprovadamente diminuem a rotatividade de pessoal em empresas, permitem maior objetividade nas tomadas de decisões mais racionais, imparciais e justas, aumentando o número de decisões corretas e minimizando o número de decisões incorretas.
Desse modo, a liberação dos testes psicológicos para a população criará um contexto propício a burlar as testagens psicológicas em concursos públicos e privados; no contexto da obtenção de Porte de Armas; da Carteira Nacional de Habilitação (CNH); do sistema judiciário; do sistema prisional; das avaliações psicossociais regulamentadas pelo Ministério do Trabalho por meio das Normas Regulamentadoras (NRs), como avaliações em trabalhadores em situação de risco como espaço confinado, altura e construção naval, dentre outros contextos em que um perfil psicológico patológico ou muito desorganizado poderia ser um risco para a própria pessoa como também para a comunidade em que a pessoa está inserida.
Uma analogia para essa situação seria os estudantes do Ensino Médio que concorrem a uma vaga nas universidades brasileiras ter o acesso antecipadamente ao ENEM. Outra analogia seria os advogados terem acesso ao Exame da Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB) antes de realizarem suas avaliações. O acesso prévio aos gabaritos dos testes certamente facilitará o falseamento de respostas, resultando assim em um grande prejuízo social.
A preocupação do Ministro em não restringir o conhecimento científico a uma determinada classe não procede quando se trata de abrir as provas científicas ou tecnologias profissionais para avaliações psicológicas em contextos de seleção compulsória, em contexto em que se quer avaliar se a pessoa alcançou desempenho adequado de competências psicológicas após um treinamento, ou em contextos criminais tão sérios! A fundamentação científica envolvida nessas provas ou testes psicológicos e os princípios gerais de uso dos testes psicológicos estão publicitados em inúmeros artigos científicos no Brasil e internacionalmente, e disponíveis para qualquer pessoa interessada em entender como os testes funcionam e a fundamentação de suas interpretações. Por exemplo, no Brasil, basta colocar o nome do teste no Google Acadêmico que o pesquisador encontrará artigos que demonstram a cientificidade da técnica quando aplicada em diferentes contextos, e grupos de pessoas investigadas. Logo, o conhecimento científico utilizado para construir e interpretar os testes psicológicos estão disponíveis à população. Contudo, ao ter acesso as partes do manual com instruções minuciosas de como corrigir ou codificar os detalhes das respostas do examinando, exercícios técnicos de treinamento para corrigir um teste e para o cálculo de seus índices, com exercícios de treinamentos para interpretação, e tudo isso com gabarito, pode tornar a técnica inócua para investigar o que ela se propõe a investigar.
Só para citar alguns exemplos, os testes de domínio público utilizados em avaliações jurídicas, como em perícias de guarda e adoção de criança, em perícias de insanidade mental envolvendo alegação de transtorno psicótico e em perícia de danos psicológicos, poderão ter seus resultados distorcidos com vistas a interesses próprios, em detrimento da sociedade como um todo, bem como favorecendo o respondente a burlar exame criminológico, processos judiciais, intervenções cirúrgicas, entre outras situações que violam os direitos humanos fundamentais à saúde e à segurança. Essa situação de abertura de nossas provas/testes que exigem um treinamento dos profissionais habilitados para utilizar esse instrumento de diagnóstico psicológico também ameaça o uso internacional de determinados testes, pois seus procedimentos são os mesmos utilizados em diferentes países.
O que a classe de psicólogos defende, a proteção dos testes psicológicos, está de acordo com as Diretrizes Internacionais da International Test Commission1 de proteção dessa tecnologia profissional, considerando as consequências deletérias do acesso irrestrito a estes instrumentos. Essas mesmas diretrizes internacionais são reforçadas pela Sociedade Australiana de Psicologia2, pela Associação Americana de Psicologia3, pela Associação Canadense de Psicologia, pela Academia National de Neuropsicologia4 dos EUA e pela Standards for Educational and Psychological Testing.
Só a título de ilustração, a National Academy of Neuropsychology4 esclareceu que caso um teste psicológico se torne inválido por meio da exposição ao domínio público, o desenvolvimento de um substituto é um empreendimento dispendioso, tanto do ponto de vista financeiro quanto do tempo. Por exemplo, o WAIS-III (teste também utilizado no Brasil) custou vários milhões de dólares, levou mais de cinco anos para ser concluído e exigiu que o teste fosse administrado em mais de 5.000 voluntários de pesquisa. Isso pode prejudicar os direitos autorais e os interesses de propriedade intelectual dos autores e editores dos testes, e privar o público brasileiro de ter acesso a testes psicológicos mundialmente reconhecidos pela sua eficácia. A invalidação de testes por meio de exposição pública e a perspectiva de que os esforços para desenvolver substitutos possam falhar ou, mesmo se bem-sucedidos, possam ter que ser substituídos em pouco tempo, podem servir como desincentivo para desenvolvedores e editores de teste em potencial, e inibir novos avanços científicos e clínicos,como também poderá levar os melhores pesquisadores da área a migrar para o exterior.
Diante do que foi exposto, infere-se que o acesso aos testes psicológicos de maneira irrestrita prejudicaria a atuação de mais de 389 mil profissionais psicólogos, bem como a sociedade em geral e a produção científica da área.
________________
1 International Test Commission (2003). Directrizes internacionais para a utilização de testes. Acesso em 31 de março de 2021 emclique aqui.
2 The Australian Psychological Society Ltda (2010). Submission to the Psychology board of Australia consultation paper. Options for the protection of the public posed by the inappopriate use of psychological testing. Acesso em 31 de março de 2021 em clique aqui
3 American Psychological Association. Maintaining test security in the age of technology. Acesso em 07 de abril de 2021 em clique aqui
4 Official Statement of the National Academy of Neuropsychology Approved by the NAN Board of Directors 10/13/2003. Acesso em 07 de abril de 2021 em clique aqui