Considerações introdutórias
O objetivo da pesquisa é tratar a problemática da corrupção impactando as diversas classes sociais, coisificando a figura humana e consequentemente afetando o exercício da democracia. Justificamos o artigo, por seu caráter conceitual/descritivo ante entendemos a corrupção como uma forma de viabilizar desigualdade social, por ser esta prática ameaça à distribuição de renda nas sociedades; combatê-la com mecanismos de compliance é solução plausível.
Desde a década de 1990 o debate internacional viabilizando meios de enfrentamento da corrupção é bandeira de organizações como OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), OEA (Organização dos Estados Americanos) e ONU (Organização das Nações Unidas). Faz parte da valorização da pessoa humana favorecer-lhes meios mínimos de sobrevivência e dignidade. A defesa da democracia passa pela condição mínima da dignidade humana. Com avanço das novas modalidades e intensas práticas corruptivas existentes na Sociedade de Risco, desenhada por Ulrich Beck desde 1968, resta necessário abordarmos novos mecanismos de controle desses atos a fim de que possamos restabelecer a garantia máxima dos Direitos Humanos, em seu conceito mais amplo, chamada de democracia participativa e cujo conceito, definição e proposito, perdeu sua força ao longo do tempo.
Há que se avaliar quais seriam os motivos geradores da corrupção ou os meios que alimentam a sua proliferação na sociedade e relações comerciais. Seria a fragilidade ou ineficiência legal? A burocratização das relações jurídicas? A estrutura da cultura organizacional social? Inexiste, nesta altura, uma resposta exata para tais questionamentos, haja vista a complexidade das relações jurídico-sociais, nos levando a necessidade de aprofundamento doutrinário.
Para tratarmos do tema, precisamos começar a falar sobre a sociedade de risco de Urich Beck, em seu livro Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade, que através da análise do desenvolvimento da sociedade industrial chamada pelo autor de sociedade industrial do risco, nos trouxe novos problemas o que nos fazem estudar os riscos afora a questão ambiental, (tomando por base que o risco aqui para o autor era apenas estudado quando versado sobre meio ambiente e/ou natureza externa bem como, medido de acordo com as classes sociais).
Esses riscos provocaram desdobramentos e uma inquietude no ser humano que passou a não mais considerar os riscos da natureza externa como más colheitas, pragas, enchentes, fome, desastres ecológicos, passando a voltar a preocupação com o que foi feito com a natureza, numa concepção de que, devemos atacar as causas e não as consequências dos riscos naturais, até chegarmos no que nos interessa, no risco da Corrupção. Isso porque a sociedade de riscos pressupõe uma necessidade crescente de instrumentos de controle das práticas corruptivas, dadas as inúmeras inovações em todas as esferas, sociais, culturais, tecnológicas, etc.
1. Overview e conceito da corrupção
A enciclopédia digital Wikipédia define – “corrupção ou corrompimento, em sentido lato, corresponde à ideia de decomposição. Na esfera das relações humanas em particular, está relacionado ao suborno? ato ou efeito de se corromper, oferecer algo para obter vantagem em negociata onde se favorece uma pessoa e se prejudica outra”1.
Michele Corradino descreve “em um sentido mais amplo, o termo corrupção não só identifica o fato típico e delituoso previsto e sancionado pelo Código Penal”, como é o caso do brasileiro, “mas também qualquer fenômeno de má administração da coisa pública gerado cada vez que as ações da administração destoam do fim público que devem perseguir”(CORRADINO, 2018).
Importa destacar o posicionamento de que corrupção carece ser vista em sentido amplo – Jónatas E.M. Machado apresenta que o conceito de direito público prevalece e se sobrepões ao estritamente penal2. Reforça o referido professor os verbos partir, destruir, degenerar, degradar, apodrecer e violar, como identificadores da corrupção. Apontando ser abuso de posição dominante (política e económica). Alerta para o fato de que a política usa a corrupção como meio para atingir fins pessoais e patrimoniais; restando a opressão, neste sentido, como simples “dano colateral”. Notadamente há utilização de grandes somas de dinheiro para promover finalidades políticas, onde serve-se aos interesses dos poucos mais ricos e poderosos em detrimento aos interesses da maioria da população.
Até o presente momento, no Brasil a corrupção tipificada no Código Penal é aquela onde em um dos polos está um ente público, podendo ser materializada de forma ativa e passiva.
Voltando a citar Ulrich Beck, achamos por oportuno referir passagem em que o autor bem demonstra as transições sociais do processo de mudança na visão do risco:
A força motriz na sociedade de classes pode ser resumida na frase: tenho fome! O movimento desencadeado com a emergência da sociedade de risco, ao contrário, é expresso pela afirmação: tenho medo! A solidariedade da carência é substituída pela solidariedade do medo. O modelo da sociedade de risco marca, nesse sentido, uma época social na qual a solidariedade por medo emerge e torna-se uma força política. (BECK, 2011, p. 60)
Deparamo-nos com o questionamento: Por que combater a corrupção? Em resposta, numa primeira análise, porque a corrupção causava desequilíbrio na economia. Notadamente o risco da corrupção era localizado como um dos maiores prejuízos para a economia mundial. Daí o largo debate e busca de meios mitigatórios desde a década de 1990.
2. Primeira fase do combate - Formas de mitigação ao desequilíbrio econômico
A presente discussão nos remete ao que seria apontado como gênesis do Compliance, marcadamente o início dos anos de 1900, entre 1906 e 1913, com o contexto norte-americano de legislações no setor de medicamento, alimentos e financeiro (MACEDO, 2020). Aqui o foco estava em mecanismos de controle a riscos outros que não o da corrupção.
O foco em controles internos e riscos está muito mais alinhado a questões administrativas e de gestão que cunho social ou mesmo direitos humanos.
Sebastião Nóbrega Pizarro cita Marcos Cruz quando apresenta: “A história de casos de compliance é bastante antiga: se considerarmos que as pessoas, corporações e nações deveriam limitar seus atos e práticas ao estabelecido em regras, acordos e normas legais aplicadas, todas as guerras e conflitos, invasões, atos de escravização, etc., deveriam ser listados como atividades nom compliant” (PIZARRO, 2016). Neste sentido o compliance é mencionado com visão mais tradicional de conformidade normativa/legal/regulamentar.
Neste primeiro momento o que se discutia estava envolvido com a rotina corporativa. O mercado buscava maior envolvimento com os consumidores e uma transparência mínima na relação comercial para a expansão dos produtos. Aqui a corrupção não ganhava destaque e passava despercebido ou sem maiores choques no contexto social. Ainda o que se buscava era solidez com a revolução industrial e maior engajamento da sociedade na aquisição de produtos.
Evoluindo a discussão a corrupção passa a ser objeto de combate mais veemente quando nasce o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) no contexto de alguns escândalos envolvendo o setor público, no centro da querela os Estados Unidos da América, e empresas privadas ao redor do mundo, com ênfase em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Pontuam Samantha Ribeiro Meyer-Pflug e Vitor Eduardo Tavares de Oliveira, que “em 1977, o Congresso americano promulgou a Lei sobre a Prática de Corrupção no Exterior para dar fim ao suborno de funcionários públicos estrangeiros e restaurar a confiança pública na integridade do sistema empresarial americano” (MEYER-PFLUG; OLIVEIRA, 2009).
A década de 90 é marcada por debates e envolvimentos em torno do combate à corrupção. Verificou-se que a corrupção estava causando desequilíbrio na economia, impactando diretamente na sociedade. As maiores potências econômicas do mundo passaram a trazer ao centro do debate das maiores organizações internacionais o tema do combate à corrupção por enxergar ser este mal em expansão constante um causador de desequilíbrios econômico prejudicando a livre circulação comercial internacional e afetando internamente nos países, materializando-se com a constatação de grande concentração de renda na mão de poucos e pouca na mão de muitos.
Melhor referenciando, Samantha Ribeiro Meyer-Pflug e Vitor Eduardo Tavares de Oliveira destacam que além da legislação de repressão à corrupção pontuada anteriormente (FCPA/1977), verificou-se, na década já dita, “um movimento de internacionalização no combate à corrupção por instrumentos como Convenções e Tratados, uma vez que a sua prática ultrapasse os limites do Estado, para se configurar um fenômeno mundial” (MEYER-PFLUG; OLIVEIRA, 2009).
Consequentemente a tal movimento “a primeira tentativa de criar uma lei de aplicação universal, feita pelas Nações Unidas, levou à assinatura da Convenção contra o Crime Organizado Transnacional em Palermo, na Itália, em dezembro de 2000” (Meyer-Pflug; Oliveira, 2009). A referida Convenção “criminalizou a corrupção ativa e passiva, mas a ONU começou a discutir uma convenção específica para a corrupção, aprovada pela Assembleia Geral em outubro de 2003 e já ratificada pelo” (MEYER-PFLUG; OLIVEIRA, 2009). No Brasil, ficou conhecida como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.
Valorizando o ponto de vista necessário ao combate à corrupção temos que “estudos econômicos demonstram, de fato, que corrupção gera alterações nos preços do sistema mercadológico; coloca obstáculos à livre concorrência, inibindo a criação e desenvolvimento de novas atividades e provocando o fechamento das empresas sustentáveis; e, não menos importante, provoca a contaminação dos processos públicos de concorrência, incidindo, negativamente, sobre a eficácia dos gastos públicos” (CORRADINO, 2018).
Neste contexto, se fossemos responder à pergunta: se poderíamos abordar a corrupção á LUZ DOS DIREITOS HUMANOS; qual seria a resposta? À primeira vista, até aqui, não se identificava questão de direitos humanos mas, uma visão econômica, dada, primordialmente o parâmetro pelo qual se iniciou a tentativa de mitigá-la.
A sociedade entrou em um processo de crise e as formas de encarar a corrupção foram impactadas neste sentido, com a consequente ampliação de suas consequências.
No expor de Carlo Bordoni temos:
“Na realidade, essa crise é caracterizada pela combinação simultânea de uma aposta econômica no âmbito internacional (as causas) e as medidas tomadas para lidar com isso (os efeitos). Ambas impactam o cidadão de maneira diferente, interagindo e contribuindo para a complexidade de um mal-estar social que tem se mostrado cada vez mais importante. A percepção disseminada é de que a cura é pior que a doença, pois é mais imediata e notável na pele das pessoas”. (BAUMAN; BORDONI, 2016).
Aquilo que em primeira vista parecia interessar apenas aos estudiosos e entendedores da economia, ultrapassa barreiras e se instala nas rodas científicas e pragmáticas de debate – Como agir para minimizar os efeitos da corrupção? Como servir aos interesses verdadeiramente sociais?
3. Segunda fase: Efeitos da corrupção na sociedade
Avançando no desenvolvimento da sociedade, e agora já ultrapassados os mecanismos de combate a corrupção ligados precipuamente a questão ao prejuízo econômico, já se mostra necessário pensar na condução da questão de uma forma mais macro e humanizada, dado a corrupção conotação real de infringência a dignidade da pessoa humana.
Neste contexto, nessa evolução doutrinaria, percebe-se que, conforme afirmado por Walfrido Warde em sua obra “O Espetáculo da Corrupção” a corrupção nos revela não só o problema econômico financeiro mas produz efeitos nefastos, transformando o estado e sua função social em coisas de mercado, usurpando a energia vital dos trabalhadores, desnaturando as instituições e organizações e como via de consequência, criando total obstáculo para o desenvolvimento social do Estado, trazendo pobreza e ofensa a dignidade. (WARDE, 2018)
Mas não é só, a prática da corrupção traz para a sociedade ainda, uma desigualdade social, política e também econômica, como já dito, desmoralizando a confiança nas organizações, sejam elas públicos ou privados esmo entendimento fora enraizando o desrespeito humano como num ciclo vicioso, configurando ainda, a economia da corrupção que tende a favorecer apenas as atividades empresariais ilícitas. (WARDE, 2018)
Harari, ainda afirma que: “a maioria dos governos são eticamente corruptos”. (HARARI, 2018)
Noutro giro, em analise as circunstâncias propícias da corrupção, quando uma empresa doa, por exemplo, um valor para uma campanha política, na verdade, não está preocupada com nenhum ato social ou mesmo nenhuma ideologia, ao contrário, o fez para que, no futuro possa cobrar por essa doação, numa verdadeira cultura de suborno, praticando nessa seara, um verdadeiro retrocesso social, tão combatido.
Quanto a essa questão, o ilustre constitucionalista Joaquim Jose Gomes Canotilho, já dispôs e albergou em seus escritos, dizendo: “Princípio do Não Retrocesso Social” afirmando que: o princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social. A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de “contrarrevolução social” ou da evolução reacionária” Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos, uma vez alcançados ou conquistados, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo” (CANOTILHO, 2007)
É bem certo que, em determinados países como, os Estados Unidos da América, é possível a prática de doação em campanhas políticas, inclusive sendo considerada como uma prática democrática perante a sociedade e que disciplinam o lobby eleitoral, porém, referida atividade está acompanhado com enérgicas regras de Compliance e muita transparência.
Avançando ainda nas consequências da corrupção, não é só sua prática que causa impacto na sociedade nas mais variadas vertentes, mas também o seu combate. Uma importância vultosa de dinheiro é empregada no combate a corrupção e ao ressarcimento de valores corrompidos. Exemplo disse é o que ocorreu na “Operação Lava Jato” no Brasil, que no ano de 2019, teve computado o valor de R$ 180 bilhões de reais por conta dessa prática, e até esse ano, já tendo sido gasta a importância de R$ 142 bilhões no seu combate, com um valor de R$ 11 bilhões recuperados, ou seja, valor ínfimo em relação ao prejuízo já suportado pela sociedade. (WARDE, 2018)
Essa prática, traduz-se imediatamente na perda reputacional da organização. A partir de um escândalo de corrupção de uma organização, essa empresa nunca mais, ou demorara algum tempo, para conseguir crédito e credibilidade no mercado, que é implacável.
E não é só, essa realidade acima, traduz na reação em cadeia da corrupção. Quando uma empresa pratica corrupção, ela está condenando todos os atores com ela envolvidos, internos e externos, que em razão no declínio da geração de renda e trabalho, afetara a todos a ele relacionados, alcançando a todos da sociedade.
A sociedade perde duas vezes com isso. Perde quando se aponta o valor desviado para fins ilícitos e na outra ponta, perde com o que é investido, afora o valor financeiro, para a tentativa de recuperação dos ativos. Esses valores, vão deixar de serem empregados em direitos básicos do homem, como, saúde, educação, saneamento básico, lazer, trabalho, nutrição básica, dentre outros direitos fundamentais.
Por óbvio que uma sociedade que passa pelas agruras da corrução, tende, algumas vezes, forçar a mudança de seus governos em virtude a decepção, como bem afirmou, Harari, dizendo: “Se um governo é corrupto e não melhora a vida das pessoas, em algum momento os cidadãos se darão conta disso e substituirão o governo. “Porém, ainda essa substituição tem um custo que, fatalmente será revertido em prejuízo a própria sociedade. Não há para onde ir, a não ser pela consciência do maleficio desta prática. (HARARI, 2018)
Em contrapartida a essa realidade, como admitir essa situação sendo que a própria empresa deve garantir sua função social na sociedade? Não podemos deixar essa garantia se perder no espaço e no tempo.
Quanto a isso existe robusta necessidade de que as organizações adotem, em seus sistemas, métodos e controles que possam atingir ética, legalidade e sustentabilidade que se traduzem em práticas do programa de Compliance.
Assim, esse cenário começa a ficar propício para a aplicação de um programa de Compliance coeso e robusto como forma de tentar combater e implantar padrões éticos e de conformidade, como é o caso da criação do Código de Conduta, com diretrizes inclusive reputacionais, na tentativa de mitigação dos riscos inerentes a existência humana, dentre eles, o canal de denúncias, o treinamento e a comunicação e o monitoramento, dentre outros.
Um programa de compliance que comporta todos os seus 09 pilares mais conhecidos (Suporte da Alta Administração, Avaliação de Riscos, Código de Conduta e Políticas de Compliance, Controles Internos, Treinamento e Comunicação, Canais de Denúncia, Investigações Internas, Due Diligence, Auditoria e Monitoramento) alguns combativos a corrupção outros repressivos, são importantes ferramentas para a mitigação da possibilidade de existência de corrupção.
Incluímos aqui mais um pilar, o décimo pilar, para tratar desta e outras questões relacionadas a corrupção que seria a Responsabilidade Social, esse último com precípua importância a questão aqui posta, sem prejuízo aos outros pilares, que pode auxiliar e muito a esse programa e a essa questão.
Em complemento a esse pilar, com intuito de reforçar a ideia aqui exposta, ainda nessa perspectiva, podemos incluir, como mecanismo integrador desta sistemática, a norma técnica internacional ISO 26000:2010, que trata das Diretrizes para as organizações sobre a Responsabilidade Social. Em cumprimento a essa norma, dentre outras coisas, destaca-se a ideia de que a organização deve se responsabilizar pelos impactos de suas decisões e atividades na sociedade, o que a obrigada comportar-se com ética, transparência e geração de riqueza e renda e respeito a pessoa.
4. Compliance como ferramenta de controle de práticas corruptivas
Vivemos dias em que questionamos na sociedade o exercício pleno ou não da democracia que alicerça vida coletiva onde vivemos os nossos dias. Em Estado de Crise, Carlo Bordoni inicia o item ao qual intitula “um excesso de democracia?” nos seguintes temos:
“Existe uma crise da democracia? Josef L. Fischer, num livro escrito nos anos de 1930, Considera que esta é sua condição normal. Hoje nós falamos como se esse conceito tivesse viajado todo um trajeto, no ápice do qual havia uma condição ótima de liberdade, a qual em seguida começou a decair. Na verdade, nunca houve uma era de ouro da democracia. As aspirações, os mais importantes sistemas teóricos e as melhores intenções não foram exatamente postos em prática. A própria ideia de democracia é vaga e flutuante, às vezes indefinível em sua complexidade”. (BAUMAN; BORDONI, 2016).
Esta visão flexível e até mesmo flutuante de democracia pode ter gerado os distúrbios que vivenciamos na atualidade, mas fato é – a corrupção por usurpar da maior fatia da sociedade meios mínimos de sobreviver, alimentar-se física e intelectualmente, aumenta consubstancialmente a distância entre o gozo democrático da escolha, limitando inclusive a forma de gerir vontades, restando apenas viver com o que circunstancialmente se tem (ou não tem).
Num desenvolvimento social, a corrupção hoje transpassou a temática econômica e hoje sim, é uma abordagem que deve ser observada a luz dos direitos do homem, porque, numa concepção simplista, traz violação aos direitos fundamentais dos indivíduos, no que concerne a extração ao direito ao trabalho, saúde, educação, segurança, igualdade, dentre outros.
A propria Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu Artigo 28.º traz em suas disposições que: “Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciados na presente Declaração”.
É certo que a prática de corrupção está muito moderna e precisa de mecanismos modernos de mitigação desses riscos, como por exemplo modernizar as normas de combate a corrupção ao setor privado, incluindo um decimo pilar de Compliance (Responsabilidade Social), tratar como crime a corrupção na esfera privada, dentre outros fatores.
Encarar a corrupção como um risco a ser mitigado traz um marco divisor, inclusive, na forma de se criar meios eficazes e estratégicos, posto que reconhecendo a verdade de não eliminação do risco, viver-se-á com a responsabilidade de combatê-lo preventivamente de forma ininterrupta.
Nessa premissa, em que o corrupto tenta subverter os interesses da sociedade para seus próprios interesses, resta indene de dúvida que estamos a verificar infringência ao próprio comando constitucional, já que referida prática, deixa vulnerável todo o arcabouço de direitos fundamentais do homem. Para Leal e Schneider: “Não há dúvidas de que a corrupção encontra-se diretamente conectada à violação dos Direitos Humanos e Fundamentais, notadamente quando os atos corruptivos são utilizados como formas de violação do sistema jurídico como um todo (o caso de suborno de servidores públicos para agilizarem procedimentos burocráticos), o que afeta, por si só, a ordem jurídica posta, além de provocar impactos localizados na rede de direitos e garantias vigente (eis que, neste exemplo, outros expedientes podem ser atrasados ou deixados de lado).” (LEAL, Rogerio Gesta; SNHEIDER, Yuri, 2014).
Hoje, podemos confirmar essa abordagem da corrupção à luz dos direitos humanos, já que, como vimos, a corrupção atinge a dignidade da pessoa humana, quando os recursos que deveriam ser usados ao indivíduo, são destinado de forma particular, esvaziando o patamar mínimo de direitos garantidos pelo Estado, surgindo o compliance, com sua metodologia sistêmica, bem aplicado, a corresponder a mitigação à pratica da corrupção, seja no setor público seja no setor privado, tentando minimizar a desigualdade social e restabelecer a democracia participativa.
Considerações finais
O mundo passou e passa por transformações constantes. Encarar a corrupção como algo a ser visto sob o prisma econômico limita a visibilidade e simplifica os efeitos colaterais da má administração do bem público e, então, distância da fração da sociedade mais prejudicada, aquela que por fim não se alimenta do serviço público e sua obrigação primeira: servir ao povo.
O processo de gozo democrático mínimo carece de a sociedade, de forma igualitária, vivenciar a escolha. Verificamos que, não são poucas as consequências advindas de atos corruptos, sendo certo ser patente seu total maleficio na democracia social principalmente como geradora de acentuação de problemas graves de pobreza e desequilíbrio entre as classes, deixando, cada vez mais, os menos favorecidos em situação de penúria, uma vez que, valores que deveriam ser destinados a melhoria da condição social, são desviados de seu destino, por organizações, público e privadas.
Por via de consequência, é patente a fragilidade de garantia de direitos básicos e fundamentais de milhões de pessoas, como anteriormente mencionado, como por exemplo, saúde, previdência, vida, lazer, alimentação e nutrição, dentre outros), numa via de contramão ao disposta nas Cartas Políticas e a necessidade de crescimento e desenvolvimento das nações, com valores humanos.
Nessa linha de raciocínio, afora a questão economia, demasiadamente atingida, a reflexão desses atos, passa pela condição de fragilização dos direitos do homem quando de sua prática, sendo certo que, todos os mecanismos para seu combate e controle, sem oneração, podem e devem ser empregados, dentre eles o programa de compliance.
Com todos os seus pilares e vertentes, especialmente o décimo pilar, não apenas utilizado para melhor obtenção e resultado de seu objetivo social, como acima verificamos, podemos tentar mitigar esse mal e o consequente desequilíbrio social, como forma de restabelecimento, conforme acima já abordamos, da democracia participativa.
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1 Definição de Corrupção – disponível clicando aqui. Acesso em 23 de nov 2020.
2 Jónatas E.M. Machado – O princípio anticorrupção – dimensões constitucionais e jurídico-internacionais. Aula da Universidade Autónoma de Lisboa. Doutoramento. Slide 109. 2019.
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BAUMAN, Zygmunt; BORDONI, Carlo. Estado de crise. 1 Ed. Rio de janeiro: Zahar, 2016.
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2 ed. São Paulo: Editora 34. 2011.
CANOTILHO, Joaquim Jose Gomes. Direito Constitucional e a teoria da constituição. 7ª. ed. Almedina, 2007.
CORRADINO, Michele. Os instrumentos de prevenção à corrupção. In: PAULA, Marco Aurélio Borges de. CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de. Compliance, gestão de riscos e combate à corrupção. Belo Horizonte: Fórum. 2018.
HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21.ed. Cia das Letras. 2018.
LEAL, Rogério Gesta; SCHNEIDER, Yuri. Os efeitos deletérios da corrupção em face dos direitos humanos e fundamentais. Revista da AJURIS, v. 41, nº. 136 - dez. 2014.
MACEDO, Thayana. Complince – gestão de riscos com suporte de cenários prospectivos. In: SOUZA, Nadialice Francischini de; GOMES, Zulene Barbosa. Perspectivas em compliance: múltiplos olhares em governança e conformidade. Salvador: Editora Mente Aberta. 2020.
MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro; OLIVEIRA, Vitor Eduardo Tavares de. O Brasil e o combate internacional à corrupção. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 46 n. 181 jan./mar. 2009.
WARDE, Walfrido. O Espetáculo da Corrupção. Ed. Leya. 2018.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível clicando aqui Acesso em: 23 nov. 2020.