Migalhas de Peso

Cercas geográficas: o artifício que pode direcionar investigações e colaborar com o descobrimento da verdade

O monitoramento de dados de geolocalização não é uma técnica neófita.

6/4/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Imagine a possibilidade de ter seus passos monitorados 24 (vinte e quatro) horas por dia muitas das vezes sem consentir com tal monitoramento. Essa realidade há muito tempo vigora, entretanto, somente agora existe certa repercussão, pois, esses dados podem subsidiar autoridades públicas em investigações; a repercussão não se dá estritamente pelo monitoramento em si, mas, por qual forma e de quem são requisitados tais dados.

O monitoramento de dados de geolocalização não é uma técnica neófita, a exemplo da quebra da ERBs (estação rádio base) em que a autoridade investigadora (MP ou autoridade policial) mediante autorização judicial consegue compelir as operadoras de telefonia a fornecer tais dados de geolocalização por meio da triangulação das antenas de telefonia móvel.

As operadoras de telefonia móvel pela própria estrutura da qual são incumbidas conseguem interoperar os números de telefones celulares de pessoas que passaram por determinados locais em determinada hora, isso porque a cada deslocamento o celular móvel se conecta a uma antena próxima permitindo o rastreio dos pontos por qual se deslocara, daí o nome triangulação.

De regra, o pedido da quebra da ERBs possui um alvo determinado, quem seja, o detentor do aparelho X ou do número telefônico Y da qual a autoridade investigadora possui indícios de que tenha cometido algum delito e daí almeja saber se o suspeito transitava por determinado local ou estava nas adjacências do local do crime.

Geralmente o pedido da quebra da ERBs é baseado na lei de interceptação telefônica, daí seguir seus rigorosos requisitos para a efetivação, quais sejam, indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; único meio plausível de solução do crime; crime apenado com reclusão; utilização somente para investigação e instrução penal; e deferimento apenas pelo juízo criminal.

Logo, se infere que não é possível a obtenção genérica e massiva de quais celulares estavam em determinado local, é necessário um alvo certo e determinado, bem como, que seja apresentada justa causa para a sua efetivação.

Ocorre que, o monitoramento das coordenadas geográficas não paira somente em face da ERBs, se descobrira que provedores de serviços de internet também possuem tecnologia de rastreamento similar no que se refere à geolocalização guardadas em seus bancos de dados, a exemplo, do banco de dados interno do google que contém registros dos históricos de localização dos usuários.

Assim, quem possui um aparelho celular android possui sua geolocalização arquivada em um banco de dados do google, o que despertara interesse nas autoridades investigadoras, já que, além da mera geolocalização, informações outras podem ser adquiridas no sentido de ainda mais individualizar o usuário e tentar ligá-lo ao local do crime de forma muito precisa.

Acontece que, diferentemente da quebra da ERBs sempre requerida em face das operadoras de celulares com base na lei 9.296, de 24 de julho de 1996 o requerimento ao banco de dados dos provedores de internet se sujeita aos requisitos brandos da lei 12.965, de 23 de abril de 2014 que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso de Internet no Brasil.

A referida lei, na seção IV que retrata da requisição judicial de registros em seu artigo 22 prevê:

Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet.

Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade:

I - fundados indícios da ocorrência do ilícito;

II - Justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e

III - período ao qual se referem os registros.

Daí, observamos que os requisitos para obtenção dos dados de geolocalização são brandos, o que facilita o pedido judicial. Veja que o dispositivo legal não faz menção a indícios razoáveis de autoria, muito menos exige a prática de um crime.

É bom lembrarmos que todo crime é um ilícito, mas nem todo ilícito é um crime. Logo, se percebe que a lei permite o acesso a tais dados não somente para formar um conjunto probatório na seara criminal, mas, também na seara civil. Há, ainda, possibilidade de a autoridade investigadora requisitar genericamente e massivamente quais aparelhos telefônicos móveis (dados de conexão, terminal, registro de conexão, aplicações de internet, registros de acesso a aplicações de internet (Art. 5º) estavam em determinadas cercas geográficas, pois, a lei não exige indícios de autoria, diferentemente do que se observa na lei 9.296, de 24 de julho de 1996.

Dado a facilidade de acesso a tais dados, os grandes servidores de serviços de internet muitas das vezes se opõe a requisição da justiça de 1ª instância, sob a falsa alegação de manter a privacidade de seus usuários.

O acesso a tais dados conforme já mencionado, encontra guarida legal e permite ao menos o direcionamento de investigações policiais que na maioria das vezes só conta com este artifício como forma de iniciar as investigações de crimes complexos, a exemplo, de ter sido o crime cometido em local ermo, sem testemunhas oculares e com ausência de câmeras de vigilância, ou, crimes cometidos por sicários profissionais em que o modus operandi desperta receios nas agências policiais.

Perceptível então, a importância de acesso a tais dados – inclusive grandes investigações de repercussão nacional se utilizam desse método e nossos Tribunais estão alinhados com a legislação mencionada.

Necessário observar que o acesso a tais dados não somente se presta a direcionar investigações criminais, como também, para o descobrimento da verdade. Imagine um litígio trabalhista em que o Reclamante ventila inúmeras e exorbitantes horas extras laboradas, diante da lei mencionada é lícito ao advogado da empresa pleitear o pedido de acesso ao registro de conexão do aparelho celular do reclamante para demonstrar que este em tal horário já se encontrava na parte exterior da empresa.

Nota-se que a lei viabiliza a formação do conjunto probatório em processo judicial cível e criminal, não encontrando óbice a sua aplicação na seara trabalhista.

É imperial mencionar que o acesso a tais dados não reflete a verdade absoluta da circunstância apresentada, senão, um forte indicativo que atrelado a outros conjuntos probatórios podem viabilizar uma eficaz chancela judicial, e, não há que se falar em violação da privacidade, eis que apresentada a justa causa não há abusividade na solicitação conforme prevê o próprio Art. 22º da referida legislação.

Carlos Henrique de Souza Pimenta
Advogado no escritório Fábio Berti Advogados.

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