O Direito do Trabalho brasileiro e o das maiores democracias internacionais, especialmente dos sistemas ligados ao tronco da tradição romano-germânica a que notoriamente nos identificamos, ocupam-se há muito tempo do estudo, da compreensão e adensamento do princípio da igualdade entre trabalhadores nacionais (ditos autóctones) e estrangeiros (ditos alienígenas). Essa igualdade sempre foi pensada com foco na valorização do trabalho humano, como diretiva de um preceito constitucional que é base fundamental do nosso projeto de sociedade (art. 1º, inciso IV: "os valores sociais do trabalho"). Essa matriz de pensamento envolvendo autóctone e alienígena, deveria funcionar para qualquer situação que se apresentasse para a diferenciação de grupos. Não se diferenciando entre nacionais e estrangeiros, não deveria haver motivos para serem diferenciados trabalhadores nacionais ligados a uma mesma fonte de produção econômica.
Quando se tenta pensar essa igualdade a partir dos interesses econômicos da livre iniciativa, promove-se a deturpação dos valores sociais envolvidos. Afinal, o homem existe para o trabalho, ou o trabalho existe para o homem? O fim da sociedade é a emancipação do homem, ou o que se busca é a emancipação do capital?
Pois é justamente nessa contramão do pensamento de desvalorização do homem e dos valores sociais do trabalho que o Supremo Tribunal Federal põe a mão com a tese que recentemente fixou no julgamento virtual, sem debates, do RE 635546, com repercussão geral.
A tese ficou assim formada: "A equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratarem de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que não são suas."
O Supremo Tribunal Federal -- que se habituou a julgar de alfinete a foguete -- tem reiteradamente promovido decisões que empobrecem o Direito do Trabalho e Sindical. Aqui, segundo o STF, a igualdade estaria ferindo o "princípio da livre iniciativa", que se sobrepõe contra a diferença de valoração do trabalho humano. Segundo essa linha de pensamento, a relevância não está em se atribuir preço igual para trabalhos iguais, prestados a uma mesma fonte tomadora da mão-de-obra. Não importa que um tomador custeie preços díspares para a mão-de-obra, porque o que importa, acima dessa igualdade de trabalho, é a "livre iniciativa".
Não bastaram as proibições constitucionais à diferença de salários por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º, XXX), ou envolvendo portadores de deficiência (art. 7º, XXXI), ou por não distinção entre trabalho técnico, manual ou intelectual (art. 7º, XXXII), ou por não discriminação entre o trabalho permanente e o avulso (art. 7º, XXXIV). Nem bastou que o art. 7º, caput, enunciasse outros direitos que pudessem elevar a promoção do trabalhor com a "melhoria de sua condição social", ou que o art. 3º, inciso IV, prometesse a abolição de "quaisquer outras formas de discriminação". Nada disso esteve acima dos interesses defendidos na cláusula constitucional da "livre iniciativa", segundo o Supremo Tribunal Federal.
Até aqui não se concebia que a livre iniciativa pudesse ficar à margem da função social da empresa (CF, art. 170), ou que fosse o bastante para neutralizar outros direitos fundamentais que tutelam mais de perto o homem. Aliás, a ordem econômica é fundada nos dois grandes lastros de (a) valorização do trabalho humano, de um lado, e da (b) livre iniciativa, de outro lado, de modo que, em conjunto, possam alcançar a "busca do pleno emprego" (CF, art. 170, VIII). Não parece ser factível a ideia de busca do "pleno emprego" com incentivo à discriminação. Mais uma vez o discurso ficou na promessa; a Constituição Federal aponta para uma coisa, e a Suprema Corte entrega outra.
De qualquer forma, o novo verbete de repercussão geral precisará ser compreendido, estritamente, pelo o que nele se contém e pelo o que nele não se contém.
Nele se contém, por exemplo, a ideia de equiparação de "remuneração", ou seja, de conjunto das parcelas que compõem as prestações devidas pelo empregador, o que é coisa mais distante do conceito de salário, este considerado como a parcela fixa ou básica da formação da remuneração. No verbete também se contém a realidade de "agentes econômicos distintos", vale dizer, de agentes que se diferenciam dentro do escopo de uma atividade econômica não consorciada.
E, finalmente, no verbete não se contém fórmula mágica capaz de resolver a fraude, esta sim a mais corrente, a mais habitual, a que mais aparece na realidade do foro, caracterizada pela dissimulação de um contrato de terceirização. A verdadeira terceirização compreende, por conceito legal, não só "a transferência" (a palavra é "transferir") feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, como também que isso se realize sob a direção efetiva da empresa prestadora de serviços (art. 4º-A da lei 6.019/74). Invariavelmente a terceirização logo desanda para que a empresa contratante, tomadora da mão-de-obra, passe a atuar na direção do trabalho e, portanto, a tomadora logo passa a assumir a posição concreta de empregadora no cotidiano do intercâmbio das obrigações dentro da relação contratual.
Com isso, a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal tem grande potencial de servir mais à ficção do que à realidade.