Em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, na China, foi identificado o primeiro e triste caso de infecção por covid-19. A partir deste momento, a doença se espalhou por todo o globo, ceifando milhões de vidas numa velocidade assustadora e obrigando diversos países a adotarem medidas de isolamento e prevenção visando retardar a proliferação do vírus.
Há pouco mais de um ano, em 26 de fevereiro de 2020, o Brasil identificou o primeiro caso de infecção por covid-19, diagnosticado num homem na cidade de São Paulo, iniciando-se, assim, a guerra médica contra a “peste” em território brasileiro.
Num cenário de hospitais lotados, com UTIs operando no máximo de suas capacidades, atrelado a técnicas de tratamento inicialmente pouco conhecidas e estudadas pela sociedade médica, parecia quase impossível impedir o avanço da doença. Além disso, a política do governo federal e, consequentemente, a baixa adesão da população brasileira às orientações médicas, como uso máscara e o isolamento social, fizeram com que a situação sanitária nacional se transformasse num verdadeiro caos.
Mesmo com o colapso do sistema de saúde, os profissionais e trabalhadores da área não pouparam esforços na luta contra o coronavírus. Assim, na tentativa incessante de não perder mais vidas nessa batalha, muitos acabaram sacrificando a própria.
Diante disso, visando minimamente compensar o sofrimento dos profissionais e trabalhadores da saúde, o Poder Legislativo promulgou a lei 14.128/21, que prevê algumas compensações financeiras aos profissionais que padecem de incapacidade permanente para o trabalho ou que vieram a falecer em razão da covid-19, as quais serão expostas nas linhas a seguir.
2. O REGRAMENTO DA LEI 14.128/2021
2.1) Quem faz jus à compensação financeira?
No artigo 1º da lei, o legislador expõe diversos requisitos qualificadores daqueles que farão jus ao recebimento da compensação financeira.
Para isso, inicialmente, faz-se necessário que a pessoa (i) seja profissional ou trabalhador da saúde, (ii) tenha trabalhado diretamente no atendimento a pacientes acometidos pela covid-19, seja em hospitais ou em visitas domiciliares e (iii) que tenha se tornado permanentemente incapacitado para o trabalho em razão da doença.
Caso o profissional ou trabalhador da saúde tenha falecido em razão da covid-19, a compensação financeira será paga ao cônjuge ou ao companheiro, bem como aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários.
A lei abarca como profissional ou trabalhador da saúde todas aquelas profissões, de nível superior, que são reconhecidas pelo Conselho Nacional da Saúde, tais como assistentes sociais, biólogos, biomédicos, profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, médicos veterinários, nutricionistas, odontólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e aqueles que trabalham com testagem nos laboratórios de análises clínicas.
Abrange, também, as profissões de nível técnico ou auxiliar que são vinculadas à área da saúde, bem como os agentes comunitários de saúde e de combate a endemias, os quais realizam visitas domiciliares por determinado tempo.
Além dos profissionais reconhecidos pelo Conselho Nacional da Saúde, também terão direito ao benefício aqueles que exercem alguma das atividades reconhecidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social, que atuam no Sistema Único de Assistência Social.
Um ponto que merece bastante destaque é que o legislador não limitou a indenização apenas aos profissionais que prestam serviço na área de saúde como atividade-fim, mas também aos trabalhadores que auxiliam e prestam serviço de apoio no estabelecimento de saúde. Temos como exemplos aqueles profissionais que atuam em serviços administrativos, de copa, de lavanderia, de segurança, de condução de ambulâncias, de necrotérios, de coveiros, dentre outros – destaca-se que não se trata de um rol taxativo, deixando claro o legislador que a benesse pode abranger outros profissionais que atuam nos estabelecimentos de saúde.
A lei também destaca que também fazem jus à compensação financeira aqueles profissionais ou trabalhadores da saúde que, infectados pelo vírus Sars-CoV-2 durante o estado de emergência de saúde pública (declarada pela Portaria 188/20 do Ministério da Saúde), tenham se tornado incapazes ou tenham falecido (i) após o eventual fim do estado de emergência ou (ii) que tenham se tornado incapazes ou tenham falecido antes da publicação da referida lei.
2.2) Como devo comprovar a incapacidade permanente ou o óbito por covid-19?
Basicamente, para comprovar a enfermidade, será necessário apresentar laudos de exames laboratoriais que atestam a efetiva contaminação ou quadro clínico compatível com a covid-19. Ou seja, mesmo que o laudo médico não diga que tenha, de fato, sido contaminado com a covid-19, mas tenha indícios aparentes de infecção (como sintomas compatíveis à doença), o profissional ou trabalhador da saúde fará jus à indenização.
Um ponto que poderia gerar debates é na hipótese de o profissional ou trabalhador da saúde que, tendo outras comorbidades que potencializaram a incapacidade ou o óbito (por exemplo, obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, doenças pulmonares, etc.), se estes fariam jus, mesmo assim, à compensação. O legislador deixa bem claro que, mesmo nesta hipótese, o profissional deve receber a indenização.
Além disso, a lei presume que a covid-19 é a causa da incapacidade ou óbito, mesmo que a referida doença não tenha sido a causa única, principal ou imediata da incapacidade ou óbito. Em outras palavras, caso a incapacidade ou óbito tenha ocorrido por outros fatos, mas em conjunto com a covid-19, o profissional fará jus à indenização.
Importante destacar, ainda, que o legislador previu que, em caso de incapacidade permanente para o trabalho, a concessão da compensação financeira ficará condicionada à realização de avaliação de perícia médica por Peritos Médicos Federais – portanto, pela lei, não bastará a apresentação de laudo médico particular. Para o caso de óbito, por razões óbvias, o laudo médico unilateral será suficiente para a concessão do benefício.
2.3) Dos Valores a Serem Restituídos
Quanto aos valores, a lei também traz alguns detalhes muito importantes.
De início, importante constar que não se busca, neste artigo, debater acerca de questões filosóficas e sociais acerca da precificação razoável da vida e do “valor financeiro” da capacidade laborativa do profissional – sabemos que tais circunstâncias são muito subjetivas e variam de acordo com cada caso concreto. Diante disso, não podemos deixar de reconhecer que o valor das indenizações, já é uma importante partida, e uma forma, mesmo que ínfima, diante de tanto sofrimento ocasionado, de recompensar pecuniariamente todo o serviço prestado, o que assume enorme importância principalmente para aquelas famílias hipossuficientes e de baixa renda.
Isso porque, conforme exposto na lei, o trabalhador ou profissional da saúde que restar incapacitado permanentemente para o trabalho receberá uma indenização no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Em caso de óbito do profissional, esta quantia deverá ser rateada entre o cônjuge ou companheiro e aos dependentes e herdeiros necessários, na forma da legislação civil, incidindo, ainda, os valores gastos com o funeral.
Além desta compensação, caso o profissional ou trabalhador tenha falecido, os dependentes menores de 21 (vinte e um anos), ou menores de 24 (vinte e quatro) anos (nesse caso, que estejam cursando ensino superior), também farão jus à indenização. Contudo, o valor será de R$ 10.000,00 (dez mil reais) multiplicado pelo número de anos que restam, para cada dependente, atingir a idade de 21 (vinte e um) ou 24 (vinte e quatro) anos, sendo que a quantidade de anos terá como data-base o dia do falecimento do profissional falecido. Neste caso, ainda é importante destacar que, se o dependente for portador de deficiência, ele fará jus à indenização independentemente da idade, sendo multiplicado o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo número mínimo de 5 (cinco) anos.
Portanto, vejamos o exemplo a seguir: Joana, médica, falece em razão de covid-19, deixando seu marido, Felipe, e mais dois filhos menores, Joaquim e Paula, de 15 e 12 anos, respectivamente. Essa família fará jus a uma indenização no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais): (i) R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em favor do cônjuge, (ii) R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) em favor de Joaquim e (iii) R$ 90.000,00 (noventa mil reais) em favor de Paula.
Destaca-se, ainda, que o valor a ser pago poderá ser dividido em 03 (três) parcelas mensais e sucessivas de igual valor, dependendo da quantia a ser compensada em favor do profissional de saúde ou de seus herdeiros.
Por fim, outro ponto muito importante é que a compensação financeira, em razão da sua natureza indenizatória, não constituirá base de cálculo para a incidência de imposto de renda ou de contribuição previdenciária.
2.4) Pontos ainda em aberto
A lei ainda prevê que será atribuído a determinado órgão competente a análise e o deferimento do requerimento da compensação, na forma de regulamento ainda a ser editado – até a presente data, não sabemos qual órgão irá analisar os pedidos, nem sabemos o teor do regulamento que ditará os trâmites do requerimento.
Ademais, a legislação previu que o pagamento das indenizações será feito por este órgão competente, através de recursos do Tesouro Nacional.
Entretanto, em que pese tais pontos nebulosos, é certo que o beneficiário poderá buscar diretamente o Poder Judiciário para receber tais indenizações, haja vista o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, não podendo o compensado ficar à mercê da rara proatividade do Poder Público em determinar o órgão responsável pela análise dos casos e pagamento.
3. CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, verifica-se que o legislador, cumprindo com seu dever constitucional de elaborar leis benéficas à sociedade, foi extremamente assertivo ao promulgar a lei 14.128/21, apresentando compensações adequadas àqueles profissionais que tanto sofreram (e ainda sofrem) com a pandemia em seu ambiente de trabalho.
Por certo, ainda existem pontos que serão discutidos na aplicação da lei em casos práticos, principalmente no tocante à prévia necessidade de procedimento administrativo e à cominação de outras indenizações a serem pleiteadas nas ações judiciais. Contudo, aparentemente, tais questões apenas serão devidamente esclarecidas em cada caso concreto.
De toda maneira, é indubitável que esta lei, dará um mínimo de compensação aos heróis da saúde brasileira e aos seus familiares, que honrosamente vêm enfrentando a pandemia, mesmo diante das inúmeras dificuldades impostas pelo cenário atual.