Dispõe o art. 7º, § 2º da lei 8.096/94 que o advogado terá imunidade profissional, não configurando injúria ou difamação puníveis, qualquer manifestação de sua parte, no exercício profissional, em juízo ou fora dele.
Partindo-se dessa premissa legal temos que o advogado possui imunidade ao supostamente ofender a parte contrária no exercício profissional, ressaltando que sua imunidade abrange os delitos de injúria e difamação, apenas.
Anteriormente, o referido dispositivo legal postulava que a imunidade do advogado em seu ministério profissional abrangeria, também, o delito de desacato, o que foi rechaçado no julgamento da ADIn 1.127-8, que declarou inconstitucional o termo “ou desacato” contido na redação do dispositivo legal.
O art. 142, inciso I, do Código Penal também trata da cláusula de imunidade profissional dos advogados ao dispor que não constituem injúria ou difamação puníveis a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador.
Mesmo no que tange à injúria e à difamação, o Estatuto da Advocacia é claro ao positivar que o advogado responde por eventuais excessos que cometer, assim sendo, a Ordem dos Advogados do Brasil poderá impor sanções disciplinares quando entender que o advogado excedeu sua cláusula de imunidade, excluindo-se a calúnia.
Neste sentido, os tribunais brasileiros já decidiram pela necessidade de limitação da abrangência da cláusula de imunidade profissional do advogado, até mesmo no que tange aos crimes expressamente incluídos na referida cláusula, vejamos:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. IMUNIDADE PROFISSIONAL DO ADVOGADO. NÃO APLICABILIDADE. DOLO DE AGIR. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. PROMOTOR DE JUSTIÇA. ERRÔNEA AUTORIDADE COATORA. CONHECIMENTO PARCIAL. ORDEM NEGADA.
- O magistrado que dá prosseguimento ao TCO e designa audiência é a correta autoridade coatora. Não se conhece do Habeas Corpus em relação à autoridade erroneamente apontada, no caso, o promotor de justiça.
- A imunidade profissional do advogado, prevista no artigo 7º, § 2º, da lei 8.906/94 não é absoluta;
- A verificação do dolo dos agentes requer dilação probatória, o que é incabível em sede de Habeas Corpus;
- Remédio conhecido parcialmente. Ordem Negada;
(TJGO, HC 5134626.88 – Rel. Juiz Carlos Gustavo Fernandes de Morais, j. 14/7/2017)
Pois bem, o que se deve levar em consideração é que tanto o art. 7º, §2º da lei 8.096/94 quanto o inciso I do art. 142 do Código Penal imunizam o advogado somente quanto ao cometimento de injúria ou difamação, não abrangendo o crime de calúnia, tipificado no art. 138 do Código Penal, qual seja a conduta de imputar a alguém falsamente fato definido como crime.
O art. 133 da Constituição Federal corrobora o entendimento aventado, ao passo que dispõe que o advogado é inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
O legislador constituinte já havia manifestado sua vontade quando da redação da Carta Magna para determinar que a legislação infraconstitucional ficaria a cargo de regulamentar o alcance da imunidade profissional do advogado, sendo que ficou disposto em lei que apenas os delitos de injúria e difamação estariam sob a égide da imunidade, e mesmo assim de forma relativa.
Acerca disso podemos fazer digressões acerca dos direitos fundamentais, ao passo que a liberdade profissional do advogado se afigura como um direito fundamental de 1ª geração, que liga-se aos valores de liberdade, abarcando os direitos civis e políticos, nos levando à conclusão de que não há direito fundamental absoluto.
Conforme dito, o delito de calúnia não está abrangido pela cláusula de imunidade profissional do advogado, por expressa previsão constitucional e infraconstitucional. Além disso, não há nenhuma previsão constitucional que isente o advogado de pena nos casos de calúnia cometida nos autos de processos que patrocine, devendo-se atentar para o real responsável pela ofensa irrogada, atentando-se ao elemento subjetivo, sob pena de se configurar a responsabilidade penal objetiva.
O Ministério Público Federal se manifestou quanto à tese de imunidade relativa dos advogados perante o STF, no RHC 120.819/DF:
CRIME DE CALÚNIA PERPETRADO POR ADVOGADO CONTRA PROMOTOR DE JUSTIÇA NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. PACIENTE DENUNCIADO COMO INCURSO NAS PENAS DO ART. 138 C/C 141, II AMBOS DO CP. RHC ALEGANDO FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. IMUNIDADE DO PROFISSIONAL DA ADVOCACIA. ARGUIÇÃO IMPROCEDENTE. INVIOLABILIDADE RELATIVA DOS ADVOGADOS NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 133 DA CF, E ART. 7º, § 2º, DA LEI 8.906/94 (EOAB). ESTANCAMENTO PREMATURO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. MEDIDA QUE SE IMPÕE. PARECER PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO.
O STF já decidiu também acerca do tema:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. CALÚNIA. CRIME NÃO ALCANÇADO PELA INVIOLABILIDADE PREVISTA NO ART. 133 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DOLO. MATÉRIA FÁTICO- PROBATÓRIA. RECURSO DESPROVIDO.
- A inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações no exercício da profissão estabelecida pelo art. 133 da Constituição da República, é relativa, não alcançando todo e qualquer crime contra a honra.
- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que o crime de calúnia não é alcançado pela imunidade. Precedentes.
- O trancamento da ação penal, pela via do Habeas Corpus, se dá excepcionalmente, quando evidente o constrangimento alegado.
- Questão relativas ao dolo da prática criminosa remetem à análise aprofundada dos elementos fático-probatórios, não podendo ser conhecidos na via extraordinária.
- Agravo Regimental Desprovido.
(STF, AgR/MG 585901, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª T, J. 21/9/10)
A conclusão acerca do tema é lógica e não poderia ser diversa, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já se sedimentou e a interpretação da legislação pertinente nos leva a concluir que a abrangência da cláusula de imunidade profissional do advogado só existe para os delitos de injúria e difamação, sendo que mesmo nessas hipóteses se afigura de forma relativa. Ressalta-se ainda, que o crime de calúnia de forma alguma é afastado pela cláusula de imunidade do advogado, ao passo que a própria Constituição Federal dispõe expressamente que a inviolabilidade do advogado se dará nos limites da lei. Pois bem, o limite da lei é a incidência da referida inviolabilidade nos crimes de injúria e difamação, não alcançando a calúnia.
Desta forma, é plenamente possível a responsabilização do advogado pelo crime de calúnia cometida nos autos de processo judicial.