Em momentos de acentuada crise, a ADPF 527 que trata sobre o Direito das Pessoas LGBTI ao cumprimento de pena em condições compatíveis com a sua identidade de gênero, em face de decisões judiciais conflitantes pertinentes ao conteúdo e alcance dos arts. 3º, §1º e 2º, e 4º, caput e parágrafo único, da Resolução Conjunta da Presidência da República e do Conselho de Combate à Discriminação 1º, de 14 de abril de 2014 (“Resolução Conjunta”).
Em síntese, a ADPF 547 visa reestabelecer o que já dispõe a CF/88, preservando à dignidade humana1, à não discriminação em razão da identidade de gênero ou em razão da orietação sexual2, direito à vida e a integridade física3, direito à saúde4, vedação à tortura e ao tratamento degradante, desumano ou cruel5, bem como deretrizes da cláusula de abertura da CF/88 ao direto internacional dos direitos humanos6.
Em que pese as decições judiciais conflitantes, há notícia de que se encontra em curso, no âmito do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção de Lésbicas, Gays, Bisexuais, Travestis e Transexuais - CNCD/LGBT, diálogo técnico com vistas a modificar o teor da Resolução Conjunta supratranscrita, de modo a prever o direito das travesti a serem direcionadas às unidades prisionais, observando extritamente "a sua identidade de gênero".
Conclui-se, assim, que as referidas moficações possibilitam um acolhimento mais profícuo, aproximando do direito de opção das travestis, visto que, ao especificarem a sua identidade de gênero, consequentemente estariam indiretamente elegendo a unidade prisional a que seriam destinadas.
Pontua-se, no entanto, que está dicussão promovida na 46ª Reunião Ordinária do CNDC/LGBT, ainda não está concluída. A título exemplificativo, a nova redação aduz:
Art. 5º. Transexuais e travestis devem ser encaminhadas para unidades prisionais, de acordo com os parágrafos abaixo:
§ 1º As transexuais e travestis devem ser encaminhadas às unidades prisionais de acordo com a sua identidade de gênero.
§ 2º Os homens trans devem ser encaminhados à unidades prisionais femininas, devido à situação de vulnerabilidade dentro das Unidades masculinas
Percebe-se, nítidamente que o teor da nova redação é autêntico em sua distinção, não prevendo lacunas para decições judiciais conflitantes, o que possibilitaria uma uniformização do tema.
Em âmbito internacional, a necessidade de proteção do grupo LGBTI é reconhecida e amparada nos Princípios de Yogyakarta7, aprovados em 2007 pela comunidade internacional. De modo geral, com base nessas normas, é dever dos Estados prover tratamento diferenciado a população carcerária vulnerável, por mais ínfima que seja, composta por custodiado(a)s lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Veja, o que está a se discutir, é a prevalência de direitos de parcela minoritaria no sistema prisional brasileiro, não é meramente um debate vazio, não é conivente trazer o debate para chave da opinão pessoal, esse enfrentamento é feito no campo científico resguardado o embasamento empírico.
Em maior abrangência, visivelmente, transexuais e travestis dentro do sistema prisional são um grupo sujeito a dupla vulnerabilidade8, decorrente do encarceramento, bem como da sua identidade de gênero. Não é preciso muito esforço para se comprender que essas pessoas estão mais expostas à violência e a violação de direitos que o preso comum.
No âmbito do direito costitucional brasileiro, trata-se de única medida apta a possbilitar que essa comunidade receba tratamento social compatível com a sua identidade de gênero.
Ademais, trata-se, de providências necessária à não discriminação, com amparo no princípio da dignidade humana, assegurando a sua integridade física e psíquica, diante do histórico de abusos perpetrados contra essas pessoas em situação de encarceramento.
A arguição de descumprimento de preceito fundamental 527 da lavra do eminente ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal (STF) reforça o amparo costitucional a essa comunidade invisível que vive em condições subhumanas, embora tardia, é a partir dela que poderemos aperfeiçoar ainda mais o debate de inclusão.
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1 CF/1988, art. 1º, III.
2 CF/1988, art. 3º, IV.
3 CF/1988, art. 5º, caput.
4 CF/1988, art. 6º, caput, e art. 19.
5 CF/1988, art. 5º, III.
6 CF/1988, art. 5º, §2º.
7 A Comissão Internacional de Juristas e o Serviço Internacional de Direitos Humanos, com o objetivo de desenvolver um conjunto de princípios jurídicos internacionais sobre a aplicação da legislação internacional às violações de direitos humanos com base na orientação sexual e identidade de gênero, reuniram um grupo de especialistas em direitos humanos de 25 países. Em novembro de 2006, em Yokyakarta, Indonésia, os Princípios de Yogyakarta foram aprovados por unanimidade. Disponível em: clique aqui.
8 Heverton GarciadeOliveiraeTeresaRodriguesVieira.AduplavulnerabilidadedopresoLGBT.In:TerezaRodriguesVieira(org.).Minoriassexuais:direitosepreconceitos.Brasília:Consulex,2012,p.407-419.