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Mitos e verdades nas fraudes em contratos de empréstimo e cartão consignado!

Este tipo de fraude tem uma nova e perigosa característica, além de ter se mostrado uma prática cada vez mais comum para prejuízo, principalmente, de beneficiários do INSS.

30/3/2021

Aposentados e pensionistas do INSS são as principais vítimas das fraudes relacionadas a empréstimos e cartões consignados disponibilizados por diversas instituições financeiras.

Frente a essa crescente onda, se faz necessário entender o que é essa fraude, bem como derrubar alguns mitos sobre este tipo de prática.

O crédito consignado é legalmente ancorado na Lei Ordinária 10.820 de 17 de setembro de 2003, que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento.

Além disso, como o foco do presente artigo são os aposentados e pensionistas do INSS, cumpre registrar a Instrução Normativa 28 de 19 de maio de 2008, a qual estabeleceu os critérios e procedimentos para a consignação de descontos, oriundos de empréstimos e cartões, junto aos benefícios da Previdência Social.

Por fim, porém não menos importante, cumpre lembrar da Medida Provisória 1.006/20 editada pela presidência da república, visando aumentar a margem do empréstimo consignado de 30% para 35% e mantendo a margem do cartão em 5%, até dezembro de 2021, já tendo sido aprovada em ambas as casas legislativas, aguardando atualmente a sanção presidencial.

Apesar das normas legais não serem tema da presente discussão, estas são de extrema importância para se entender as regras que veem sendo desrespeitadas pelas diversas instituições financeiras habilitadas a concessão desse tipo de empréstimo.

Dito isto, se faz necessário esclarecer os principais mitos sobre esse tipo de fraude bancária. 

Fraude em empréstimos consignados e a ideia do terceiro que se beneficia do valor emprestado.

O primeiro e, possivelmente, maior dos mitos nas fraudes bancárias, em especial a fraude em empréstimos e cartões de crédito consignado é a de que esta é comumente praticada por um terceiro que visa obter o valor do empréstimo para si e deixar a dívida para o consumidor lesado pagar.

Já foi o tempo em que o principal causador dessa dor de cabeça para aposentados e pensionistas do INSS eram fraudadores que buscavam a obtenção desse valor emprestado, ao se passarem por aquele beneficiário com a apresentação de diversos documentos falsos.

Não que tenha havido a extinção dessa modalidade ardil. Ocorre que os atuais e principais agentes desse ilícito bancário não são mais os estelionatários estranhos à relação ilegalmente pactuada, mas os próprios correspondentes bancários que possuem papel fundamental nessa operação. Explico.

Antes a maioria dessas fraudes era praticada visando a obtenção do valor a ser concedido no Empréstimo/Cartão consignado. O estelionatário apresentava diversos documentos falsos e obtinha a quantia com indicação de contas “frias” ou de terceiros.

No cenário atual, o fraudador (Correspondente Bancário autorizados a intermediar a operação de crédito pela instituição financeira e pelo Banco Central) visa a obtenção de lucro indiretamente, uma vez que estes agentes de crédito são remunerados através de comissionamento e taxas de desempenho que giram numa média de 6% do valor de cada operação, além de outros pagamentos ao longo do contrato.

Assim, valendo-se de documentos e informações sigilosas daqueles aposentados e pensionistas que realizaram contratações regulares em períodos anteriores ou, ainda, por meio dos constantes vazamentos ilegais de dados dos beneficiários do INSS, estes correspondentes realizam, de forma totalmente irregular, a inserção de novos contratos de empréstimo e/ou de cartão, sem qualquer requerimento do consumidor.

Importante frisar que a falta de critérios dos próprios bancos e de fiscalização do Banco Central, para o cumprimento do previsto na Resolução 3.954/11, tem contribuído para o aumento desse tipo de fraude.

O simples ingresso na esfera judicial do consumidor fraudado garante o êxito e o ressarcimento pelos danos sofridos.

Partindo do panorama anteriormente exposto, onde a grande maioria das fraudes se inicial dentro da própria cadeia bancária, através de preposto legalmente habilitado a realizar este tipo de operação, fica claro que outro mito a ser superado é de que o simples ingresso judicial desta demanda é suficiente para satisfação daquela pretensão.

Não é!

Isto porque, como já exposto, agora não temos mais a figura de um terceiro que se beneficia como valor emprestado e deixa, tão somente, a dívida para o consumidor lesado.

Nesta nova prática, além do consumidor receber a quantia do empréstimo em sua conta, apesar da ilegalidade da contratação, ele tende a se utilizar deste valor, contribuindo para o que eu chamo de “dar um ar de legalidade a uma operação totalmente ilícita”.

A título de exemplo:

O consumidor que recebe um benefício de R$1.100,00 (mil e cem reais) e tem um empréstimo de R$3.000,00 (três mil reais) inserido indevidamente, com previsão de descontos em parcelas mensais de R$100,00 (cem reais), passa a receber apenas R$1.000,00 (mil reais), após o início dos descontos.

Todavia, por não ter um controle financeiro igual ao dos mais jovens, este aposentado/pensionista tende a continuar sacando a quantia de R$1.100,00, uma vez que não teve ciência da fraude e ainda acredita que o valor total da sua aposentadoria permanece igual.

Assim, passa a sacar, todo mês, R$1.000,00 (mil reais) do seu benefício disponível e R$100,00 (cem reais) daquele valor creditado indevidamente.

Desta forma, ao descobrir o ilícito e ingressar com a devida demanda judicial, o consumidor já sacou boa parte ou todo o valor indevidamente creditado, fazendo com que a instituição financeira, maliciosamente, se utilize desse contexto para querer justificar a validade de um negócio jurídico totalmente ilegal.

Para os advogados que não militam rotineiramente nessa seara e ingressam com este tipo de demanda, vemos inúmeras decisões desfavoráveis aos seus clientes, uma vez que estes não possuem o conhecimento necessário para esclarecer àquele magistrado toda essa dinâmica.

Pior, os próprios juízes e respectivas turmas e câmaras do 2º grau não o possuem essa noção, dificultando ainda mais as chances daquele consumidor ter sua lesão devidamente reparada.

Importante, portanto, que tanto o consumidor, quanto os seus patronos estejam munidos das informações e documentos necessários para esclarecer ao judiciário esta nova prática e obter a resposta adequada.

Thiago Batista de Gusmão
Advogado Graduado pela Universidade Católica de Pernambuco, Pós-graduado em Processo Civil (LFG) e especialista em Direito do Consumidor e Bancário.

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