O tema da ADPF 779 tem sido recorrente nas discussões de âmbito jurídico; isso porque a tese de “legítima defesa da honra” traz a tona certos paradigmas sobre o Tribunal do Júri, bem como consagra o direito como um fenômeno social.
Nesse interim, tem-se destacado que as decisões tomadas pelos jurados são solipsistas, ou seja, pautadas muitas vezes nas experiências dos jurados, crenças pessoais e visão de mundo. As decisões são individuais e sigilosas, os jurados não podem discorrer entre si sobre o caso em julgamento, não há a necessidade de um consenso.
Dessa forma, mesmo antes da pauta da presente tese ser o cerne da discussão, havia questionamentos sobre a fundamentação das decisões do júri, já que por vezes os votos divergiam de um resultado lógico pautado nos elementos do art. 483 do CPP. Segundo jurisprudências do próprio STF, citadas em voto do Relator da ADPF em questão, havia decisões que eram dissonantes até mesmo da produção de prova.
Não obstante aos dilemas do tribunal do júri no Brasil, tem se a consagração do direito como fenômeno social. Ou seja, a tese de legítima defesa da honra coloca em pauta uma reflexão sobre o que essa tese diz sobre a sociedade que por diversas vezes a acolheu.
Segundo Dworkin, o direito nada mais é que um fenômeno social, sua complexidade, função bem como consequências dependem intrinsicamente de sua estrutura; ou seja, a prática do direito é argumentativa.
Por conseguinte, esse viés argumentativo seria justamente no sentido moral; nesses moldes, ainda que o direito seja uma ciência hermenêutica, ele remete à questão da moralidade; de maneira que o direito acaba por revelar quem realmente a sociedade é:
“Temos interesse pelo direito não só porque o usamos para nossos próprios propósitos, sejam eles egoístas ou nobres, mas porque o direito é a nossa instituição social mais estruturada e reveladora. Se compreendermos melhor a natureza de nosso argumento jurídico, saberemos melhor que tipo de pessoas somos.”1
Analisando a tese de legitima defesa da honra e a concepção do direito supracitada, percebe-se que a tese nada mais é do que um subproduto da formação social que perpetua o privilégio masculino, até mesmo em sua esfera penal, a “última ratio”.
Nesse entendimento retrógrado, a sanção sobre o assassinato de mulheres deveria ser mais branda, ou sequer deveria existir, visto que a própria vítima deu causa a sua morte por “ferir” a honra do agente imputável. A tese da legítima defesa da honra rememora um passado não tão distante; no caso de Ângela Diniz, por exemplo, assassinada por Doca Street em 1976, a defesa do réu usou essa tese, arguindo a época que o comportamento da vítima ensejou sua própria morte, como se fosse uma forma de provocação. Uma das expressões mais espúrias usadas foi de que o crime seria um “suicídio assistido”.
Desse modo, é necessário encarar a decisão do STF não como qualquer limítrofe imposto à atuação do advogado ou um cerceamento da plenitude de defesa; mas sim como a verdadeira consagração do direito como um reflexo social. Se a práxis da ciência jurídica se faz por meio da argumentação e essa diz sobre quem somos como sociedade e principalmente juristas, é preciso adequá-las, mesmo através de um instrumento impositivo, a concepção de justiça social atual.
Ademais, a inconstitucionalidade dessa tese só ratifica a eficiência dos instrumentos normativos criados para mitigar a violência contra a mulher, tais qual a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio, bem como a constitucionalidade da igualdade de gênero.
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1 Dworkin Apud in Santos. Decisões judiciais e Estado Democrático de Direito: da necessidade de fundamentação das decisões do tribunal do júri. Disponível em: Clique aqui