Na atuação deste ramo do direito, o advogado deve ter uma visão ampla e interdisciplinar, não só da advocacia, mas do mundo dos negócios, a fim de compreender e alcançar a melhor forma de satisfazer as necessidades de seus clientes: as empresas.
Neste sentido, notoriamente, pode-se afirmar com absoluta propriedade que a pendência de litígios não é salutar ao desenvolvimento da atividade empresarial, pois os processos judiciais são morosos, caros e geram inúmeras consequências à empresa, dentre elas a impossibilidade de celebrar certos contratos, sobretudo com o poder público, a instabilidade financeira diante de determinadas situações, a eventual remoção ou impedimento da venda de um determinado produto, a deterioração da percepção pública da marca, e, principalmente, a depreciação de mercado de seus ativos negociados no Mercado de Capitais.
Logo, é de interesse das companhias que estas questões sejam solucionadas da forma mais célere possível, a fim de amortizar os referidos prejuízos ao máximo. Tornando a autocomposição a via para o deslinde destes litígios.
Dentre elas, enalteço a conciliação, que possui uma execução menos burocrática, mais prática e objetiva, haja vista só depender das partes e, no caso, de seus patronos. Dispensando a intervenção de terceiros, como na mediação, ou a instauração de um processo arbitral, como na arbitragem.
Basta que as partes encontrem uma solução comum, razoável para ambas as partes, geralmente de natureza pecuniária, celebrarem acordo por escrito e pronto. O litígio desaparece. Sem burocracia, demora e, principalmente, com o mínimo de prejuízo.
Esta prática, ainda pouco utilizada pela advocacia brasileira, em linhas gerais, e enfrentada como mera “desjudicialização”, por parte dos colegas advogados, é praxi habitual nos EUA, Inglaterra, e demais países. Pois, tanto a classe de operadores do direito, quanto a dos empresários perceberam o custo da pendência desses processos, e o risco que eles representam.
Os riscos a que me refiro são dois: o valor astronômico de eventual condenação, e a queda do valor dos ativos negociados na Bolsa de Valores. Pois as grandes companhias são, em sua maioria, sociedades de capital aberto. Isso sem considerar outras tantas consequências que podem advir daí.
Veja bem, quando estamos falando de grandes empresas, listadas muitas vezes nos rankings da Forbes ou da Fortune 500, as condenações em litígios de grande relevância (aqueles capazes de alterar a percepção pública da empresa, os ditos “escândalos”) tem sua cifra na casa dos milhões. E, embora a opinião popular possa ser a de que é apenas uma gota no oceano, asseguro que fazem toda a diferença no balanço trimestral da sociedade condenada.
Já do ponto de vista do mercado financeiro, é importante compreender o seguinte: a Bolsa de Valores, o coração pulsante do mercado de capitais, seja ela a Nasdaq americana, a Nikkei japonesa, ou até mesmo a nossa Bovespa, funcionam e se autorregulam com base num fenômeno econômico chamado especulação.
A especulação, tal qual pode-se extrair de qualquer dicionário, é a criação de determinada tese, ou teoria, meramente hipotética acerca de algo. Neste sentido, o mercado financeiro tem suas altas ou quedas com base na especulação de acontecimentos futuros, fundamentados por uma série de aspectos objetivos e subjetivos, estudados pelos analistas e manifestados pelos negociadores. Dentre eles, está a já mencionada percepção pública.
Perceba, o cerne do sistema financeiro é o paralelo entre oferta e procura, ou seja, se os negociadores começam a ter uma grande procura pelos ativos de uma determinada empresa, o preço das ações dispara; no sentido inverso, se as ações de uma determinada empresa passam a ser vendidos de forma volumosa, devolvendo-os ao pregão de negociação da Bolsa, o preço dos ativos despenca. É uma simples lógica de “aquilo que todo mundo quer é bom, e aquilo que ninguém quer é ruim.”.
E “qual a influência da percepção pública nisso?” pode ser a indagação de vocês. Simples. Os negociadores são pessoas, logo, suas decisões estão sujeitas a influências daquilo que veem, ouvem, assistem etc. Mais do que isso eles também possuem a expertise acerca do mercado, para saber os eventuais impactos que uma condenação pode ter na venda de produtos, balanço patrimonial da empresa e, por conseguinte, no preço dos ativos. O que acaba por aumentar a circulação deles na Bolsa de Valores, prejudicando ainda mais seus preços. É um tipo de círculo paradoxal em que a preocupação do investidor em evitar a deflação do ativo causa justamente a deflação que se buscou evitar.
A fim de explicá-los de forma mais prática a influência da percepção pública no mercado financeiro, tomemos como base a empresa Carrefour S/A (CRFB3)1, famosa rede de hipermercados, que se envolveu em inúmeras polêmicas nos últimos anos, duas só no ano passado.
Em 13 de agosto de 2020, a polêmica envolvia um cliente idoso que falecera espontaneamente, e fora atendido pelo IML, durante o funcionamento da loja, em Recife, uma vez que a gerência da filial em questão se recusara a encerrar o expediente, causando revolta no público. À época, por exemplo, as ações do Carrefour abriram no dia do ocorrido em R$ 20,15/cada, acima do preço médio de R$ 19,33/cada2, mas na segunda-feira seguinte ao ocorrido, em 18 de agosto de 2020, os mesmos ativos abriram o pregão com o valor de R$ 19,59/cada, o que significa simplesmente uma perda de -R$ 0,56 por ativo, resultando no índice de variação de -2,43.3
Já em 19/11/20, o Carrefour envolveu-se em outra polêmica, quando um homem alterado fora espancado até a morte pelos seguranças do estabelecimento, em Porto Alegre, causando revolta na população e, inclusive, campanhas de boicote. Nesta época, as ações haviam fechado em R$ 20,29/cada, altas, se considerarmos o preço médio, haja vista que o ocorrido fora noticiado após o fechamento do pregão. Mas, logo na segunda-feira após o ocorrido, em 23/11, as ações abriram o pregão em R$ 19,87/ação, representando a perda de -R$ 0,42 por ativo, e índice de variação de -5,35.4
Em síntese, ambos os episódios demonstram perfeitamente como a percepção pública pode afetar a valorização ou não de uma empresa, pois, se considerarmos que, de acordo com a B35, empresa administradora da Bovespa, o Carrefour S/A negocia 391.758.726 quotas acionárias na Bolsa de Valores, o incidente de agosto/2020 e novembro/2020 resultaram, respectivamente, na desvalorização da empresa em -R$ 219.384.886,56, e -R$ 164.538.664,92.
Logo, fica evidente o prejuízo milionário que a opinião pública pode causar à valorização de uma empresa, tornando vultuosa a importância da chamada gestão de crises, que engloba em parte o trabalho de relações públicas, mas, principalmente, a advocacia corporativa.
Essa conscientização, por parte dos advogados se faz relevante, não só por ser algo que já é corriqueiro no cenário internacional, mas também porque é o início de algo que se fará muito maior no futuro. Num mundo com a velocidade de informação em que vivemos, e em que pautas sociais dominam as redes, aqui e ali, a pendência de embaraços ou situações com repercussão negativa se tornará uma problemática de preocupação constante das grandes empresas. E onde há uma problemática, sempre necessitar-se-á de advogados capacitados para solucioná-las.
E, sendo a advocacia, às vezes, digo por experiência própria, uma profissão de pessoas combativas, competitivas e orgulhosas. Muitos podem acreditar que estão com o mérito nas mãos, ou que a conciliação prévia é um subterfúgio, uma fuga para um caso mal estruturado, ou frágil. Mas tenham em mente duas coisas.
A primeira é de que, mais do que vencer, o advogado é contratado para assegurar algo de positivo para o cliente. Logo, se ao invés de gastar com um processo que se arrasta por anos, principalmente se houver algum entrave envolvido, ou encerrar essa situação com um gasto mínimo, garanto que esta última será a escolha do cliente.
Segundo que, fazer um acordo não precisa necessariamente envolver um valor ínfimo, ou ultrajante para quem recebe, ou homérico para quem paga. O espírito da conciliação é o consenso, e mais do que isso, aquele que deseja sobressair-se numa conciliação deve sempre estar seguro do seu caso, e buscar negociar de uma posição de força.
Principalmente, porque você não precisa, necessariamente, desistir de nada para fechar um acordo, se conseguir incutir à parte contrária de que seu caso é tão sólido que, ao final do moroso processo, o resultado seria bem mais desfavorável a ele do que o acordo colocado sobre a mesa.
Dito isto, acredito que este é o próximo passo da advocacia, sobretudo corporativa, quer sejam para demandas de ordem empresarial, bancária, concorrencial, trabalhista, consumerista etc. E abre um leque enorme de oportunidades prósperas para os profissionais da área, além de corroborar com o movimento “desjudicializante” que vem ganhando força entre os membros da classe.
1 CRFB3 é o código do ativo negociado pela Carrefour S/A na Bovespa.
2 Características das Ações CRFB3. XP Investimentos, 23 de março de 2021. Disponível em: <_https3a_ _conteudos.xpi.com.br2f_acoes2f_crfb32f_caracteristicas2f_="">. Acesso em: 23 mar. 2021.
3 Histórico de Cotações. InfoMoney, de 13 de agosto de 2020 a 18 de agosto de 2020. Disponível em: <_https3a_ _www.infomoney.com.br2f_cotacoes2f_carrefour-crfb32f_historico2f_="">. Acesso em: 23 mar. 2021.
4 Histórico de Cotações. InfoMoney, de 19 de novembro de 2020 a 23 de novembro de 2020. Disponível em: <_https3a_ _www.infomoney.com.br2f_cotacoes2f_carrefour-crfb32f_historico2f_="">. Acesso em: 23 mar. 2021.
5 ATACADÃO S/A. B3 – BM&F BOVESPA, 22 de março de 2021. Disponível em: <_http3a_ _bvmf.bmfbovespa.com.br2f_cias-listadas2f_empresas-listadas2f_resumoempresaprincipal.aspx3f_codigocvm="24171&idioma=pt-br">. Acesso em: 23 mar. 2021.