O abuso sexual infantil tem sido considerado um grave problema de saúde pública devido aos altos índices de casos no país. Entre os anos de 2011 a 2017, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação registrou 1.460.326 casos de violência interpessoal ou autoprovocada, sendo que 219.717 casos foram notificados como violência interpessoal contra crianças e 372.014 contra adolescentes, totalizando 40,5% dos casos totais notificados. Acontece que, nesse mesmo período, foram notificados 184.524 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes.
Insta salientar que o abuso sexual infanto-juvenil pode se expressar de diversas maneiras:
Esta forma de violência pode ser definida como qualquer contato ou interação entre uma criança ou adolescente e alguém em estágio psicossexual mais avançado do desenvolvimento, na qual a criança ou adolescente estiver sendo usado para estimulação sexual do perpetrador. A interação sexual pode incluir toques, carícias, sexo oral ou relações nas quais não há contato físico, tais como voyerismo, assédio e exibicionismo (HABIZANG, et al., 2009)
De acordo com a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, as crianças e adolescentes de até 14 anos de idade são mais vulneráveis ao abuso, principalmente no ambiente doméstico, diante do fato de que os autores da violência serem, na maioria dos casos, familiares ou pessoas conhecidas (BBC, 2018).
Conforme o exposto no Boletim Epidemiológico emitido pelo Ministério da Saúde, cerca de 69,2% dos casos supracitados ocorreram na residência das crianças, e em 37% das ocorrências um familiar do infante foi o autor da violência, quando o violador utiliza da relação de confiança para perpetrar o abuso.
Grande parte das denúncias sobre o abuso sexual infantil perpassam pela rede de proteção, que conta com a ação de várias instituições governamentais que visam atuar em situações complexas, auxiliando na criação de estratégias e fomento de políticas públicas para crianças e adolescentes que se encontram em situação de risco.
Entretanto, durante o período pandêmico causado pelo coronavírus SARS-CoV 2, as aulas presenciais no país foram suspensas, fazendo com que as crianças permanecessem em suas residências a maior parte do tempo.
De janeiro a julho de 2020 o Estado de São Paulo registrou quase 4.500 casos de estupro de vulnerável, sendo que entre julho e setembro 84 meninas de 10 a 14 anos deram à luz na rede municipal de saúde. Porém, de acordo com o Departamento de Polícia Judiciária da Macro Região os números de ocorrência de crimes contra jovens diminuíram em quase 70%, sem motivos para a redução.
Diante disso, a juíza Ana Carolina Della Latta, do Tribunal de Justiça de São Paulo argumenta:
Ainda não podemos concluir com segurança, mas os dados mostram que nossa preocupação não é despropositada. No caso dos estupros de vulneráveis, mais de 75% deles são praticados dentro de casa. Então acreditamos que não diminuíram; ao contrário, possivelmente houve um aumento com o confinamento forçado (EL PAÍS, 2020).
Ainda, discorre que “outro ponto importante é que muitos crimes são noticiados por professores, eles são fundamentais na revelação de violência contra os infantes, e perdemos esse parceiro com as escolas fechadas” (EL PAÍS, 2020).
Segundo a diretora-presidente do Instituto Liberta, Luciana Temer, o afastamento de crianças e adolescentes do ambiente escolar durante a pandemia propiciou no distanciamento com professores visto que:
Dados do Ministério da Saúde dizem que mais de 70% dos casos de abuso infantil acontecem dentro da residência. O professor é um adulto que pode perceber esse tipo de situação, seja por uma marca física, por uma mudança no comportamento ou até mesmo por uma denúncia da criança. Sem ele, hoje essas vítimas estão impossibilitadas de se encontrar com alguém fora do ambiente familiar (BBC, 2020)
Destaca-se que ainda não há dados suficientes disponíveis sobre as denúncias realizadas durante o período pandêmico, porém há fortes indícios de que o confinamento esteja provocando um distanciamento da criança com as instituições responsáveis pelo acolhimento, e deste modo esteja acontecendo uma subnotificação dos casos.
Diante da violência silenciosa que crianças são submetidas, espero que o atual trabalho possa provocar uma inquietação sobre o tema e que, de alguma maneira, possa influenciar na criação de políticas públicas que adequem a justiça à realidade e necessidade da criança. Nas palavras de Nelson Mandella: "Não existe revelação mais nítida da alma de uma sociedade do que a forma como esta trata as suas crianças."
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HABIZANG, Luiza F. et al. Abuso sexual Infantil e Dinâmica Familiar. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vol. 21. N 3. Pp 341-348, 2005. Disponível em: Clique aqui
LARA, Lorena. Pandemia diminui denúncias de abuso sexual de crianças e adolescentes. 21 set 2020. Disponível em: Clique aqui
MAGRI, Diego. Subnotificação de casos de violência infantil acende alerta na quarentena. 02 jun 2020. Disponível em: Clique aqui
Ministério da Saúde. Análise epidemiológica da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2011 a 2017. Volume 49. Nº 27. Jun/2018. Disponível em: Clique aqui
MORI, Letícia. Levantamento revela caos no controle de denúncias de violência sexual contra crianças. 21 fev 2018. Disponível em: Clique aqui Clique aqui