O Plenário do Senado aprovou, em 10/4/21, a redação final do projeto da nova Lei de Licitações (PL 4.253/20). Esse era o tão esperado último passo para que a iniciativa, aprovada em dezembro, pudesse ser enviada para a sanção presidencial.
O texto final, porém, trouxe, em matéria de modalidades de licitação (procedimento pelo qual é escolhido o contratado pela Administração Pública), mudanças relevantes com o objetivo de implantar um novo regime geral de contratação pública, que traz experiências já vividas com o pregão e com o RDC (Regime Diferenciado de Contratação) pela Administração. O objetivo, dentre outros, é o de compilar em um único documento legal as modalidades de licitação que já foram difundidas em algum momento por meio de outras leis.
Modalidade obrigatória
Além da tentativa de implantar um novo regime geral de contratação pública, o PL passou a conceituar por meio do art. 6º, inciso XLI o pregão como modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou de maior desconto. Atualmente, por decreto, o pregão (eletrônico) é obrigatório no âmbito da administração pública federal e para os entes da federação nos casos de contratações mediante utilização de recursos da União decorrentes de transferências voluntárias. Após a vigência da lei, a obrigatoriedade prevalecerá para todos os entes, inclusive para os pequenos municípios, independente da origem da verba.
O caput do art. 29 do PL reafirma tal obrigatoriedade ao dispor que o pregão será adotado sempre que o objeto possuir padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado.
No que se refere à vedação legal expressa no PL à utilização da modalidade do pregão às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços de engenharia (exceto os serviços comuns de engenharia), a indeterminação do que seriam os serviços comuns de engenharia, todavia, permanece. Para fins de esclarecimento, o Projeto de Lei traz, em seu artigo 6º, inciso XXI, a seguinte definição: “serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens”.
Assim, ainda que se exclua a utilização do pregão para obras novas a partir de referida definição, continua-se abarcando no objeto do pregão a contratação de serviços extremamente complexos, a exemplo de uma grande reforma em um edifício público.
A opção pelo pregão, portanto, dependerá da definição que se dará à expressão “objetivamente padronizável”. A tendência, nesse cenário, é que o pregão seja utilizado para boa parte dos serviços de engenharia não categorizáveis como obras novas e, portanto, enquadráveis como manutenção, adequação e adaptação de bens móveis e imóveis.
Ademais, há a possibilidade de a expressão “serviços comuns de engenharia” abranger também aqueles serviços de engenharia de obra nova quando se tratar de serviços uniformizáveis, a exemplo de escolas pré-moldadas, habitações populares pré-moldadas, etc.
Amplo uso
Em outras palavras, a mudança comentada ampliará ainda mais a (a já ampla) utilização da modalidade de pregão pela Administração Pública. O risco, contudo, é que a utilização do pregão seja adotada para licitações complexas, as quais são manifestamente incompatíveis com os critérios de julgamento de “melhor preço” e “maior desconto” que o texto prevê. Isto pode ser um problema pois a precificação (ato de definir um valor quantificável para aquisição de produtos ou serviços) não é uma tarefa simples e a Administração Pública costuma adotar o prazo mínimo limítrofe entre data de publicação do edital e apresentação de proposta pelos licitantes. No caso do pregão, o prazo será de oito dias úteis para bens e serviços e dez dias úteis para contratação de serviços de engenharia. Evidentemente, o prazo é curto e insuficiente para precificações complexas.
Em uma perspectiva histórica, vale lembrar que na concepção do pregão, pretendia-se que tal regime fosse procedimento simplificado para contratar o que, na discussão da Lei do Pregão, chegou a constar como “bens de prateleira” (bens que podem ser escolhidos pelo menor preço). Na prática, entretanto, o pregão se mostrou tão eficiente, seja para uma contratação célere ou mesmo para baixar os preços contratados, que começou a haver alargamento do objeto do pregão (obras, consultorias, etc.). Nesse cenário, observou-se que, apesar de resolver a contratação, tal modalidade de licitação contava com frequentemente falhas: contratações extremamente baratas e, não raras vezes, desqualificadas, com consequente comprometimento da boa execução contratual.
Ademais, como tal modalidade de licitação tem a fase de apresentação de preços anterior à habilitação (e assim permanece no novo PL), o que acabou colocando ao gestor público a situação de descartar uma proposta de menor preço e ser questionado quanto a essa decisão, ainda que tenha concluído pelo descumprimento das condições de habilitação pelo proponente de menor preço.
O pregão tem diversos benefícios, especialmente quando aplicados aos objetos que faziam parte de sua concepção inicial. Alargar seu uso para contratações mais complexas, no que tange a serviços, pode trazer risco à execução do contrato. Por isso, a Administração Pública deve adotar o pregão apenas quando os padrões de desempenho e qualidade dos serviços efetivamente possam ser definidos objetivamente por meio de especificações usuais do mercado. Se essas especificações forem elaboradas pela Administração para atendimento de suas peculiaridades, o pregão pode ser inadequado, já que os licitantes precisarão customizar suas propostas.
Diante da sistemática prevista no novo PL, a modalidade de licitação de pregão terá crescimento em sua adoção, até mesmo porque em regra se trata de uma prática vantajosa, seja para garantir uma contratação célere, seja para baixar os preços contratados pela Administração Pública. Contudo, a utilização fora de suas hipóteses de admissão pode trazer efeitos negativos, como a contratação de propostas inexequíveis.