Migalhas de Peso

Data Driven Publicity: impactos da LGPD na publicidade online

Passada a tensão e insegurança sobre qual postura adotar, é possível adequar-se à lei sem que isso prejudique as estratégias de marketing de sua empresa.

25/3/2021

O mundo do marketing é, definitivamente, um dos setores mais impactados pela vigência da Lei Geral de Proteção de Dados.

Não é à toa que um escândalo envolvendo marketing político foi forte motivador para o surgimento, em 2016, da General Data Protection Regulation (GDPR), o regulamento do direito europeu sobre privacidade e proteção de dados pessoais, aplicável a todos os indivíduos na União Europeia e Espaço Econômico Europeu.

Este escândalo envolveu Facebook x Cambridge Analytica1 e consistia em um teste psicológico realizado no Facebook pelo usuário que reunia seus dados, tais como nome, e-mail, endereço, hábitos na internet, gostos pessoais e outras informações que não chegaram nem a ser divulgadas. A partir de então, traçava-se um perfil comportamental do indivíduo e produzia-se conteúdo para manipular a opinião política da população através de estratégia de targeting2.  Este incidente resultou no vazamento de dados de 87 milhões de usuários da rede social.

O marketing digital, mais especificamente o guiado por dados de usuários conforme padrões traçados a partir de rastros digitais deixados pelo usuário no Big Data e capturados por algoritmos bem treinados revolucionou o mercado de publicidade no mundo, no Brasil não é diferente.

Conforme exemplo dado pelo professor Maurício Pallotta em curso de LGPD nas Relações de Trabalho, em suas palavras: “fazendo uma analogia com a pescaria, é como se antes, com o marketing tradicional, estivéssemos pescando em alto-mar e, com o fenômeno data driven, passamos a fazer a mesma pescaria em um tanque de pesque-pague. Explico: antes as empresas de publicidade precisavam investir uma quantia para viabilizar que o maior número de pessoas acessasse a sua propaganda (painéis e regiões de grande circulação de pessoas, comerciais em horário nobre de emissoras com muita audiência, contratação de celebridades etc.), aumentar o topo do tal funil de vendas, com o marketing guiado por dados é possível “montar” o perfil do consumidor e oferecer o meu produto apenas para potenciais consumidores. É como jogar a minha isca no tanque de um pesque-pague repleto de peixes sedentos por comida…

Pois bem, neste cenário de avanço da tecnologia da informação, velocidade de circulação de dados e facilidade de sua obtenção na rede mundial de computadores, surgiu, no Brasil, a LGPD para também parametrizar as ações de marketing e impor limites nas ofertas de produtos e serviços de forma direta e indireta aos consumidores, trazendo diversas dúvidas sobre o futuro do ramo.

Porém, passada a tensão e insegurança sobre qual postura adotar, é possível adequar-se à lei sem que isso prejudique as estratégias de marketing de sua empresa, e é sobre isso que veremos a seguir.

De início, é importante saber que toda a publicidade que envolva dados pessoais necessita ter uma base legal na LGPD que permita o tratamento dos dados dos consumidores. A LGPD elenca dez possibilidades, porém, para o mundo do marketing duas são primordiais: consentimento e legítimo interesse.

consentimento significa uma manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada. Vale ressaltar que o consentimento genérico, sem uma finalidade específica, não é considerado válido pela nossa lei. Além disso, outros pontos dessa frase merecem atenção:

  1. manifestação livre: o usuário deve concordar afirmativamente – no jargão
    da indústria, é um regime de opt-in, e não opt-out;
  2. manifestação informada: deve haver meios para que o usuário compreenda de que forma serão tratados seus dados e para quais finalidades;
  3.  manifestação inequívoca: ainda que a manifestação não precise ser expressa, deve haver meios para comprovar que não há dúvidas da escolha do usuário a respeito do tratamento de dados.

Duas maneiras práticas permitem a obtenção do consentimento do consumidor conforme a lei:

Atenção para aspectos primordiais que não devem ser relegados pelo setor de mídia:

Sem dúvidas, o consentimento obtido através do cadastramento é mais atrativo do que a política de cookies, contudo, depender apenas do consentimento resultaria em um mercado pouco competitivo, se comparada a confiabilidade de grandes players do com novas empresas e startups. Portanto, a base legal do legítimo interesse impede o retrocesso do mercado, e importante deixar claro que o consentimento não se sobrepõe àquela. Tudo depende apenas de identificar a base legal mais adequada ao caso concreto.

A LGPD é muito clara ao prever que o legítimo interesse pode, inclusive, legitimar e autorizar o tratamento de dados pessoais com os fins de apoio e promoção das atividades de uma empresa e, logo, a realização de publicidade, impondo certos limites, tais como:

As previsões acima relacionam-se com o marketing direto, onde há uma relação prévia com o cliente. É razoável estar na expectativa do consumidor de determinado site de e-commerce receber anúncios de seus produtos, ou sugestão de vídeos de site recorrentemente visitado. Contudo, não significa dizer que o legítimo interesse não possa se enquadrar em situações de marketing indireto, aquela onde não há relação prévia com o consumidor. Vejamos análise abaixo:

  1. Legitimidade. Anunciantes, agências, adtechse veículos possuem um claro interesse no uso de dados pessoais como parte dos bid requests, já que, caso não houvesse esse uso, o retorno sobre investimento seria certamente menor. E tal prática de marketing não é vedada pela legislação, sendo, portanto, lícita;
  1. Necessidade. O consentimento, como vimos acima, nem sempre será possível de se obter; entretanto, sem dados pessoais, as empresas não seriam capazes de entender as preferências dos usuários, e isso resultaria em um ciclo vicioso em que os anúncios seriam menos relevantes para os usuários, gerando menos cliques e conversões, o que levaria a menores receitas com publicidade e, potencialmente, menos conteúdo gratuito à disposição dos usuários; portanto, é necessário tratar tais dados pessoais para uma efetiva entrega de conteúdo direcionado;
  1. Balanceamento. Há uma razoável expectativa dos usuários de que portais e aplicativos gratuitos são sustentados pela publicidade

Sem dúvidas, a base legal do legítimo interesse traz um desafio ao setor de marketing, principalmente porque não é qualquer situação indiscriminada que poderá ser enquadrada nesta hipótese. É necessário analisar quais dados estão sendo capturados e que realmente agregam valor para os usuários, uma verdadeira chance de repensar conceitos de transparência e controle.

Trata-se de um momento desafiador que exige responsabilidade do governo, empresas e sociedade civil na busca de um equilíbrio entre a publicidade online que trouxe tantos benefícios sociais e até econômicos do ponto de vista concorrencial e a adequação à LGPD, em direção a um ecossistema de publicidade digital baseado em boas práticas e segurança aos consumidores.

_________________________

1 Cambridge Analytica, Ltd. foi uma empresa privada que combinava mineração e análise de dados com comunicação estratégica para o processo eleitoral. Foi criada em 2013, como um desdobramento de sua controladora britânica, a SCL Group para participar da política estadunidense

2 No marketing, esse termo abrange tanto o público-alvo como também o mercado que se quer atingir, quanto os objetivos gerais a que se quer chegar com a estratégia de comunicação. Conhecer e compreender o seu target, é uma das fases para todo um processo, que tem como objetivo a efetivação da venda do produto ou serviço.

As AdTechs são aplicações ideais para campanhas simples e rápidas das organizações, sem a necessidade de segmentação profunda. Assim, o seu foco é chamar o público desconhecido, ainda não definido. Ou seja, há uma segmentação mais geral. Essa personalização ocorre com dados comportamentais e características dos usuários na web, por meio de cookies. Dessa maneira, é possível definir as pessoas mais prováveis para cada tipo de estratégia.

Bruna Braghetto
Cursando MBA em Direito Corporativo e Compliance e Pós Graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito. Graduação em Direito pela Universidade Católica de Santos. Sócia e Advogada no escritório Pallotta Martins. Palestrante e Instrutora In company. Autora de artigos e professora convidada para cursos e eventos.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Partilha de imóvel financiado no divórcio

15/7/2024

Inteligência artificial e Processo Penal

15/7/2024

Você sabe o que significam as estrelas nos vistos dos EUA?

16/7/2024

Advogado, pensando em vender créditos judiciais? Confira essas dicas para fazer da maneira correta!

16/7/2024

O setor de serviços na reforma tributária

15/7/2024