Tempos difíceis e complexos, esses que estamos a experimentar. Confesso não mais saber distinguir o ato político do ato jurídico, que até ontem era claro para nós-outros. Quase todos entendiam que o ato político trazia uma noção de valor (democracia, república, eleições, pluralismo, direitos fundamentais) e o ato jurídico como noção de limite (regra, norma, princípio, controle de constitucionalidade). Essa noção hermenêutica primária não nos presta mais, devido a quase inseparabilidade desses distintos atos.
Socorro-me do conceito de Modernidade líquida de Zygmunt Bauman, numa análise brilhante das condições cambiantes da vida social e política nos auxilia a repensar os conceitos e esquemas cognitivos usados para descrever a experiência individual humana e sua história conjunta, com consequência na sociedade e no Estado.
Em busca da negação da política aumentou-se a política por outros meios, por excelência no ato judicial. Vide os atos do juiz Sergio Moro, que viabilizou a política por sentença judicial, muitas ratificada pelos órgãos recursais ou a decisão do Congresso Nacional quando do impeachment da Dilma. Se tudo é política para eu serve o jurídico, dizia-se a época. A passagem de uma à outra acarretou profundas mudanças em todos os aspectos da vida humana. Hoje estamos atônitos.
Vamos distinguir o ato político do ato jurídico na jurisdição constitucional. O trato mais aprofundado está em meu artigo na Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, ano 1997, disponível aqui.
Entre as diversas concepções político-jurídicas que visam fundamentar e legitimar o papel até certo ponto as decisões do STF, podemos dividir dois paradigmas que atualmente apresentam maior força: 1) o da justificativa do exercício da política para realizar a promessa da jurisdição constitucional como instrumento de defesa dos direitos fundamentais; 2) o da justificativa do exercício do jurídico para a realização da jurisdição constitucional como instrumento de defesa do Estado.
Em lacônico resumo, de acordo com a primeira concepção (viés político), há um ativismo sem precedente na jurisdição constitucional, como legislador negativo, que se contrapõe a separação dos poderes e propriamente aos ditames da democracia. Se, não bastasse o ativismo também impera a discricionariedade do ato judicial, que depende de quem o demanda (ato de varejo), eis que sua função primordial estaria associada à defesa genérica e abstrata dos direitos fundamentais.
Desta forma, viola em parte sua própria ação em uma perspectiva substancial que se realizaria com a defesa dos direitos fundamentais, seja talvez contra ou favor das maiorias ou maiorias. No caso concreto do Lula, inicialmente o STF nega o HC e agora afirma o mesmo o HC, passados cinco anos. Onde querem chegar, confesso-lhe não entender essa teoria dos jogos.
É fundamental compreender que a jurisdição constitucional pode ser examinada tanto por um viés político, como por um viés jurídico, e que essas perspectivas não devem se confundir. Na perspectiva política, em última instância, espera-se que a decisão tenha pertinência e desejabilidade constitucional. Na perspectiva jurídica, em última instância, deve-se aferir a constitucionalidade da matéria e verificar se ela contraria alguma das cláusulas pétreas da Constituição (art. 60, § 4º).
Por fim, qual o limite do político e do jurídico? O STF, como guarda constitucional, deve nos dizer no exame de constitucionalidade e aos interessados na solução jurídica.
Parece-nos claro, que esse dito confronto hermenêutico de posicionamentos acerca da constitucionalidade do ato político e do ato jurídico, vai além do que puramente uma questão hermenêutica e da ciência do direito, mas uma questão eminentemente uma questão de disputa de poder.