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Novo auxílio emergencial não é suficiente para afastar a situação de vulnerabilidade socioeconômica

A situação fiscal do país é conhecida, mas o auxílio emergencial precisa suprir minimamente a renda para que as pessoas que perderam ou não podem auferir renda durante a pandemia tenham as condições mínimas de sobrevivência.

16/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A pandemia causada pela covid-19 afetou drasticamente a vida de todos. Ao redor do mundo foram adotadas medidas para conter o avanço da contaminação e dos óbitos provocadas pela doença.

Essas medidas vão desde "lockdown", em que há severas restrições de locomoção das pessoas, suspensão de autorização do funcionamento das atividades comerciais, imposição do uso de máscaras, álcool em gel, realização de testes e de manter o distanciamento social.

O aspecto econômico é, sem dúvida, uma preocupação comum de governos que deixam de arrecadar, dos empresários que têm baixo faturamento e precisam continuar arcando com os custos e despesas inerentes aos negócios, como salários e aluguel. E, também, dos trabalhadores que perdem renda, e, o mais grave, o emprego.

Para minimizar os impactos causados pela pandemia nos diversos segmentos sociais, os países criaram soluções emergenciais ou temporárias.

No Brasil, a lei 13.999/201 instituiu, para socorrer micro e pequenas empresas, o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (PRONAMPE), que emprestou R$37,5 bilhões, a 517 mil empresas, com taxa de juros anual máxima igual à taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - Selic, acrescida de 1,25%, sobre o valor concedido. Taxa essa reconhecidamente baixa considerando o histórico de juros praticados no Brasil.

Outro programa criado foi o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, oriundo da MPV 936/20, convertida na lei 14.020/202. O programa tinha como objetivo evitar demissões, preservar a renda, a continuidade das atividades laborais e empresariais e a redução do impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública.

Em linhas gerais, mediante acordo, o empregador poderia, pelo prazo de noventa dias, reduzir a jornada e, proporcionalmente, os salários de seus empregados em 25, 50 ou 70%. Foi autorizada ainda a suspensão do contrato de trabalho por até sessenta dias. Para compensar a perda de renda, o empregado receberia um percentual sobre o valor do seguro-desemprego a que teria direito, calculados de acordo com a redução da jornada e do salário ou com a suspensão do contrato de trabalho.

Já o auxílio emergencial, criado pela lei 13.982/203, foi pago em seis parcelas de R$600,00, e tinha como destinatários os trabalhadores que atendessem os requisitos previstos no artigo 2º, da referida lei, sendo um deles, ter renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo ou renda familiar total de até três salários mínimos.

Foram beneficiadas 67,2 milhões de pessoas. Ao fim dos seis meses previstos, com a continuidade da pandemia, pressionado, o Governo editou a MPV 1000/204, prevendo o pagamento residual do auxílio emergencial até 31 de dezembro de 2020.

A medida provisória impôs novas restrições para a percepção do auxílio, como às pessoas que possuíssem bens ou direitos com valor igual ou superior a R$300 mil.  Mas, a mais relevante das alterações foi a diminuição do valor do benefício para R$300,00, com a justificativa de atender a capacidade de financiamento do Governo Federal e a necessidade de manter a dívida pública sob controle.

Para evitar mudanças no texto legal, principalmente o aumento do valor do auxílio como defendia parte dos parlamentares e da sociedade, o governo atuou para que a medida provisória não fosse analisada pelo Congresso Nacional e perdesse a eficácia, o que acabou acontecendo.

A pandemia se agravou em 2021, conforme dados amplamente divulgados pela imprensa5, 278.327 pessoas morreram e a média móvel de óbitos atingiu 1.832.

Muitos estados e municípios, sem vagas nos hospitais e diante da alta de casos e de óbitos, voltaram a impor medidas restritivas como toque de recolher, proibição de aulas presenciais e o fechamento de diversos estabelecimentos comerciais.

Sem adentrar o mérito das medidas, o certo é que as condições que ensejaram a concessão de auxílio emergencial no ano passado continuam presentes.

Diante disso, o Congresso Nacional aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 186/19)6, conhecida como PEC emergencial, promulgada no dia 15 de março, com a inclusão de dispositivo que excetua do teto de gastos os valores destinados ao pagamento de novas parcelas ao auxílio emergencial.

Houve bastante polêmica durante a tramitação da proposta, que na sua versão original tratava exclusivamente de novas medidas de austeridade fiscal. Além disso, após o prazo final de apresentação de emendas pelos Senadores, o relator no Senado, Senador Márcio Bittar, por meio de complementação de voto, incluiu no relatório a previsão de que o gasto com o auxílio emergencial será limitado a R$44 bilhões de reais.

Na prática, esse limite impõe um severo corte na quantidade de pessoas atendidas, bem como no valor do benefício que será pago. Mesmo não olvidando que o auxílio emergencial é uma medida excepcional, diante das graves consequências advindas da pandemia, a redução do valor merece uma reflexão.

Ao analisar o benefício de prestação continuada de um salário mínimo que também tem natureza assistencial e é pago à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, constata-se que foi estabelecido o direito aos idosos e às pessoas com deficiência cuja renda per capita familiar seja de um quarto do salário mínimo.

Essa regra disposta no artigo 20, § 3º, da lei 8.742/937, já foi objeto de ações no STF, que, nos autos da Reclamação 4374declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do dispositivo.

Em seu voto, o relator, Ministro Gilmar Mendes, defendeu a mudança de entendimento do Supremo, afirmando que ocorreu um processo de inconstitucionalização da norma que definia o critério de renda per capita fixada em um quarto do salário mínimo para o recebimento do benefício de prestação continuada. Ainda segundo o ministro, outras leis foram editadas estabelecendo valor maior da renda per capita familiar para recebimento de outros benefícios. E que é necessário analisar outras variáveis para determinar a situação de vulnerabilidade socioeconômica dos beneficiários.

No caso do auxílio emergencial que será pago em 2021, caso venham ser confirmadas as notícias amplamente divulgadas pela mídia9, o valor médio será de R$250,00 e o mínimo de R$175,00, que equivalem, respectivamente, a 22,7% e 15,9% do salário mínimo vigente.

Estaremos diante de uma situação, no mínimo, curiosa. O inciso IV do artigo 2º, da mencionada lei 13.982/20, define como um dos requisitos para o recebimento de auxílio emergencial que a renda familiar per capita seja de até meio salário mínimo (R$550,00) ou renda familiar mensal total de até três salários mínimos.

Ou seja, a própria lei que instituiu o auxílio emergencial, reconhece que todos que vivem com renda per capita inferior a meio salário mínimo (R$550,00) estão em situação de vulnerabilidade, ensejando o recebimento do auxílio emergencial, observado os demais critérios. Todavia, o valor do auxílio médio será equivalente a 22,7% do salário mínimo, já o benefício menor a 15,9%.  Percentual inferior ao previsto para o recebimento do benefício de prestação continuado, um quarto do salário mínimo, já declarado inconstitucional pelo STF.

Tudo indica que, na maioria dos casos, o valor do auxílio emergencial não terá o condão de retirar os beneficiários da condição de vulnerabilidade, o que tende a levar as pessoas, especialmente, o trabalhador informal, a voltar as suas atividades, dificultando o cumprimento das medidas de combate à pandemia, sobretudo, o isolamento social.

A título de exemplo, um trabalhador que não tenha emprego formal e que tenha perdido sua renda durante a pandemia poderá vir a receber auxílio no valor de R$175,00, valor muito aquém de meio salário mínimo, permanecendo em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Nota-se que o valor do benefício emergencial a ser pago este ano deve ser bruscamente reduzido em relação ao seu valor inicial. A mulher provedora de família recebia duas cotas que totalizavam R$1.200,00. Mantida essa regra, na nova versão, com o adicional receberá R$375,00. Ou seja, redução de R$825,00 ou 68,75%. O valor a receber equivale a 34,09% do salário mínimo, inferior, portanto, ao critério de elegibilidade de meio salário mínimo.

Sabe-se da grave situação fiscal do país. O aumento do endividamento público exige, ou pelo menos deveria exigir, o esforço de todos. Porém, ainda que seja pago, mediante aumento da dívida pública, o auxílio emergencial deve buscar atingir sua finalidade, suprir minimamente a renda para que as pessoas que em razão da pandemia, perderam ou não podem auferir nenhum valor, possam ter as condições mínimas de sobrevivência.

A toda evidência, o controle das contas públicas foi o critério determinante para a redução desproporcional do valor do auxílio emergencial. Ignorando, inclusive, o agravamento da crise sanitária e as condições precárias enfrentadas pela população.

O auxílio emergencial não é, em si mesmo, um direito fundamenal, mas  visa ao cumprimento do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, previsto no inciso IV, da CF de 198810, a redução da desigualdade social.

Logo, nesse contexto, há de se discutir se com a redução nessa monta, o auxílio emergencial cumpre ao seu objetivo, bem como se não encontra óbice no princípio da vedação ao retrocesso social e, ainda, se o valor a ser definido por medida provisória pelo Presidente da República será suficiente para resguardar as necessidades básicas dos beneficiários, consonante com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

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1- BRASIL. Lei 13.999, de 18 de maio de 2020. Institui o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), para o desenvolvimento e o fortalecimento dos pequenos negócios; e altera as Leis n os 13.636, de 20 de março de 2018, 10.735, de 11 de setembro de 2003, e 9.790, de 23 de março de 1999 . Dispónível aqui. Acesso em 14 mar 2021. 

2- BRASIL. Lei 14.020, de 2020. Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda; dispõe sobre medidas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020; altera as Leis n os 8.213, de 24 de julho de 1991, 10.101, de 19 de dezembro de 2000, 12.546, de 14 de dezembro de 2011, 10.865, de 30 de abril de 2004, e 8.177, de 1º de março de 1991; e dá outras providências. Disponível aqui. Acesso em: 14 mar 2021.

3- BRASIL. Lei 13.982, de 2020. Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, para dispor sobre parâmetros adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao benefício de prestação continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Disponível aqui. Acesso em: 14 mar 2021

4- BRASIL. Medida Provisória nº 1.000, de 2020. Institui o auxílio emergencial residual para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Disponível aqui. Acesso em: 14 mar 2021

5- Brasil registra 1.111 mortes em 24 horas; média móvel volta a bater recorde. Globo, 2021.  Disponível em <_https3a_ _g1.globo.com2f_bemestar2f_noticia2f_20212f_032f_142f_brasil-registra-1111-mortes-em-24-horas-media-movel-volta-a-bater-recorde.ghtml="">. Acesso em 15 mar 2021.

6- BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição 186, de 2019. Disponível aqui. Acesso em: 14 mar 2021.

7- BRASIL. Lei 8.742, de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências.Disponível aqui. Acesso em: 14 mar 2021.

8- SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Reclamação 4374 – LOAS – Benefício Assistencial. Brasília, 2013. Disponível aqui. Acesso em: 14 mar 2021

9- Congresso aprova R$ 44 bi para novo auxílio emergencial, que deve variar de R$ 175 a R$ 375. BBC, 2021.  Disponível aqui. Acesso em 14 mar 2021.

10- BRASIL. Constituição Federal (1988). Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Disponível aqui. Acesso em: 14 mar 2021.

Leandro Brito Lemos
Advogado e assessor parlamentar no Senado Federal.

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