A implementação de políticas públicas é atividade que demanda esforço do agente estatal desde a identificação do problema a ser solucionado até a efetivação de sua solução, de maneira que o tempo é fator indissociável de seu planejamento – se uma política pública é “um processo aplicado de resolução de problemas” (HOWLETT, p. 7), o decurso do tempo será, em um bom número de situações, um inimigo da implementação –, e para a vida em sociedade e suas mazelas, não há de se esperar que o tempo cure os problemas.
Nesse sentido, a ampulheta mostrada por Holwett (p. 16) para os estágios do Ciclo de Políticas Públicas (montagem da agenda, formulação de políticas, tomada de decisão política, implementação de políticas e avaliação de políticas) merece uma releitura. Em condições normais de gestão pública, no momento de se virar a ampulheta, espera-se ter alcançado o objetivo que deu causa à agenda estatal. Mas, geralmente, há a oportunidade de ajustes.
Em tempos de Covid-19, por outro lado, a marcação do tempo por essa “ampulheta”, normalmente, não permite esperar que ela seja virada para uma recontagem pois não existirá tal oportunidade. Ao fim de sua contagem, é necessário que se tenha atingido o objetivo e isso vale não apenas para os infectados lutando por sua vida: para a economia, sitiada pelas ações dos Estados, a tomada de decisões pode ser fatal e as retomadas dos chamados lokdowns são uma ilustração cruel desse fato.
Se no início da pandemia no Brasil, em março de 2020, medidas extremas como fechamento do comércio eram tratadas como tomadas de decisões políticas (HOWLETT, p. 157) aceitáveis por não se ter noção dos efeitos da circulação o vírus, sopesar as perdas econômicas em detrimento à perda de vidas era a ação a ser esperada, mas, passado um ano, a retomada dessa conduta deve passar por uma avaliação de impactos.
O objetivo de uma avaliação de impacto é mensurar, por meio de evidências, o desempenho de determinada ação governamental (GERTLER, p. 11). No campo da atividade legislativa, por exemplo, a avaliação de impacto pode buscar o fornecimento de subsídios para projeção de políticas e leis, buscando, quando feita na fase de um projeto de lei, prever os potenciais impactos que a norma trará e, quando feita após a edição do texto legal, “avalia os efeitos reais da norma, comparando-os com os impactos que se esperava que ocorressem, quando de sua edição”1.
Verifica-se, assim, que as avaliações de impacto podem ser feitas de maneira prospectivas (no decorrer da elaboração de um programa de ação governamental) ou retrospectiva (após a implementação do programa). Considerando o momento atual da pandemia, os gestores públicos deveriam ter ao seu alcance as duas, e sua função deveria ser o respaldo para a política a ser adotada para o combate à pandemia com base nas evidências disponíveis (GERTLER, 2018).
E, ao que parece, essas avaliações são negligenciadas no enfrentamento da pandemia – ou não estão sendo feitas ou não estão sendo observadas.
Exemplo bastante ilustrativo é a atuação do governo do Distrito Federal no período de uma semana. Entre os dias 26 de fevereiro e 5 de março de 2021, o colapso no sistema de saúde levou à edição de quatro decretos do governo local na busca para limitar a circulação de pessoas por meio de fechamento de atividades comerciais e coletivas: os decretos 41.840 e 41.842, de 26 de fevereiro, decreto 41.849, de 27 de fevereiro e o decreto 41.869, de 5 de março.
A edição de dois decretos em um dia, separados por questão de poucas horas, com tomada de medidas drásticas são o indicativo de que a ação careceu de uma avaliação e seus efeitos, nos critérios de efetividade da medida escolhida e de quais seriam suas consequências.
Enquanto no primeiro momento reputou-se suficiente a limitação do horário de funcionamento das atividades industriais e comerciais, proibindo-se sua atividade no período noturno, evoluiu-se, em poucas horas, para o fechamento quase total da atividade comercial, excluídas quinze categorias de estabelecimentos (26 de fevereiro), abrandamento da medida, de maneira que o número estabelecimentos autorizados a funcionar chegasse a trinta e dois (27 de fevereiro), acrescentando-se, por fim, mais duas categorias de entidades com autorização para funcionamento (entidades educacionais da rede de ensino privada e academias de esportes), totalizando trinta e quatro (5 de março).
Verifica-se, portanto, que no caso do Distrito Federal, a análise de impacto, se feita, falhou por pelo menos duas vezes: na previsão de contingências para evitar o colapso do sistema de saúde, esperado há um ano, e na tomada de decisão em relação ao momento para adoção de medidas de restrição de circulação de pessoas e sua proporção.
A proibição do funcionamento das instituições privadas de ensino e sua liberação, uma semana depois, é um indicativo da ausência de perspectivas para o governo local, quanto ao impacto da medida2, porém, o que chama mais a atenção é o incremento, do dia 26 para o dia 27 de fevereiro, de atividades autorizadas a funcionar, não apenas quantitativamente, mas pela variedade de seguimentos, sendo incluídas desde bancas de jornal a escritórios de trabalhadores autônomos – uma clara busca pela correção na interferência da atividade econômica3.
O enfrentamento da crise econômica gerada pela pandemia até comporta medidas drásticas de restrição extrema de movimentação de pessoas e funcionamento de atividades econômicas, porém a tomada de decisão por uma medida tão extrema deve ser embasada em detalhada previsão de impactos, a fim de se evitar colapsos para além dos serviços de saúde, uma vez que atitudes temerárias não contribuem para a solução do problema, ao contrário, podem revelar-se fontes de novos e graves.
Em um mundo ideal, todos deveriam ficar me casa. A realidade sanitária do Brasil, neste momento, está ainda mais distante do ideal e por isso não comporta essa possiblidade. É imprescindível que os gestores públicos tenham isso em mente na formulação de políticas públicas para o enfrentamento da crise sanitária que o país vivencia.
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1- Diretrizes para avaliação de impacto legislativo na Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2014, p. 3.
2- A UNESCO enumera treze consequências adversas do fechamento das escolas.
3- A projeção do IPEA para os efeitos da COVID-19 para a economia do Brasil foi de uma queda de 6% para o PIB em 2020, aumento do déficit primário, aumento da taxa de juros, elevação do desemprego e redução de renda do trabalho (p. 16-17).
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BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas – reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 1-49.
GERTLER, Paul J. et al. Avaliação de Impacto na Prática. 2. ed. Washington: Banco Mundial, 2018.
HOWLETT, Michael.; RAMESH, M. & PERL, Anthony. Política Pública: seus ciclos e subsistemas: uma abordagem integradora. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
Diretrizes para avaliação de impacto legislativo na Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2014.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Brasil pós COVID-19: contribuições do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Acesso em 07 mai. 2021.
WU, Xun et al. Guia de políticas públicas: gerenciando processos. Brasília: Enap, 2014.