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A Lava Jato e a incompetência do juízo de Curitiba: Crônica de uma morte anunciada

Desde o início da rumorosa “Operação Lava Jato”, nos idos de 2015, advogados, professores e juristas questionam a supercompetência construída pela 13ª Vara Federal de Curitiba.

15/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Na última segunda-feira, dia 08 de março, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, por meio de uma decisão monocrática, entendeu pela anulação de todos os atos decisórios que tenham vinculação aos casos criminais instaurados contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva perante a 13ª Vara Federal de Curitiba. De modo sintético, a decisão indicou que o Juízo curitibano seria incompetente para processar e julgar os processos em questão, cabendo aplicar o artigo 567 do Código de Processo Penal e, nessa medida, remeter os autos para o juízo competente com a invalidação de todas as decisões.

A decisão causou surpresa de um modo geral. Mas de inesperada não tinha nada.

Desde o início da rumorosa “Operação Lava Jato”, nos idos de 2015, advogados, professores e juristas questionam a supercompetência construída pela 13ª Vara Federal de Curitiba. De uma operação que teve como mote casos de desvios na Petrobras, tornou-se uma espécie de juízo-geral universal para todos os casos que se entendia conveniente deixar nas mãos da denominada “Força-Tarefa”. Em certo momento da operação, acusadores e julgador passaram a elastecer todos os critérios de competência apresentados pelo Código de Processo Penal – especialmente o critério territorial do artigo 70 – como forma de justificar a manutenção dos processos em Curitiba. Tudo de modo ilegítimo.

A partir da tratativa de diversos acordos de colaboração premiada, em que eram narrados fatos que nada se relacionavam à Subseção Judiciária de Curitiba, os membros da “Força-Tarefa”, com a chancela do Juízo, passaram a aforar as ações no Paraná, justificando a existência de uma imaginada competência instrumental, em que era preciso manter todas as apurações sobre corrupção nas mãos da 13ª Vara Federal de Curitiba, considerando que a prova demandava o julgamento conjunto. E isso, obviamente, demonstrou um contexto bastante peculiar. Tudo era visto como “Fase da Operação Lava Jato”, numa jogada de marketing e simbolismo que intentava justificar contextos peculiares, como, por exemplo, casos em que os fatos tinham se dado supostamente no Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo ou mesmo Manaus, mas que seriam julgados por Curitiba, mesmo que nada tenha ocorrido nesta cidade. Construiu-se, efetivamente, um “Juízo Universal”.

E o próprio Supremo Tribunal Federal já estava atento a essa situação. A título de exemplo, no ano de 2016, no Inquérito 4130, o ministro Dias Toffoli assentou que “o fato de polícia judiciária e Ministério Público denominarem de ‘fases da operação lava jato’ uma sequência de crimes diversos [...], não se sobrepõe às normas disciplinadoras da competência”, o fator preponderante não poderia deixar de ser as regras de competência da Constituição ou do CPP. A grande preocupação do STF, naquela ocasião, era evitar transformar a 13ª Vara Federal de Curitiba em um Juízo Universal, como de fato ocorria.

Veja-se que a operação, de casos da Petrobras, passou também a investigar supostos desvios na Caixa Econômica Federal, na Transpetro, no Instituto Lula, no BNDES, em fundos do FGTS, enfim, tudo passou a ser “Lava Jato”. O critério de competência utilizado? A mera conveniência da acusação. Era evidente, portanto, que um dia a competência seria rechaçada nas instâncias superiores. E isso aconteceu.

Embora não se negue a existência de critérios de extensão da competência, estava bastante claro que boa parte deles não existiam nos casos da “Lava Jato”.

O primeiro deles, a chamada competência territorial, evidentemente não existia, como dito, chegou-se a um ponto da operação em que os casos simplesmente eram julgados em Curitiba sem ter a ver com nada que tenha ocorrido nesta cidade. Inclusive, exemplificativo eram os cumprimentos de mandados de prisão ou busca e apreensão. Rememorando algumas fases da operação, pode-se ver que boa parte dos casos não tinha nada a ser cumprido em Curitiba, a prisão ou a busca e apreensão se davam, por exemplo, em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília. Ao juízo paranaense incumbia “apenas julgar”. Evidentemente isso não se coaduna com o chamado Juiz Natural, pois o critério de definição da competência era pura conveniência, não a lei.

Poder-se-ia pensar na prevenção. Como é sabido, o juízo que primeiro conhece da matéria torna-se prevento para processar e julgar todos os casos conexos. O problema, porém, está no fato de que a prevenção é critério subsidiário. Ou seja, somente caberia falar em juiz prevento se todos os outros critérios se mostrassem insuficientes. E não era o caso. Em primeiro plano, é certo que a competência territorial, por si, afastava qualquer outro. Mas, ainda assim, seria preciso que o Juízo de Curitiba fosse igualmente competente aos demais, para só então falar em prevenção. E isso não existia.

Mas e as colaborações premiadas, não tornariam o juízo prevento? Não. Inclusive, essa também já era a opinião do Supremo Tribunal Federal lá em 2016, quando entendeu que acordos de colaboração premiada não podem ser vistos como fatores de definição de competência, até porque não são processos autônomos, mas um meio de se obter provas. O simples fato de existir um acordo homologado em determinado juízo não o torna prevento para todos os outros.

Resta o argumento da conexão probatória. Ora, não seria o caso de manter a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba como forma de manter a prova hígida, considerando que poderia existir uma relação entre a prova de um e outro fato? Ao que tudo indica não. Como é notório, o foco da “Operação Lava Jato” sempre esteve ligado aos supostos desvios na Petrobras, então, se muito, a conexão probatória deveria se limitar a casos relativos à petrolífera. O problema é que isso não foi respeitado. Como apontado, em determinado momento, toda e qualquer acusação de corrupção ou acordos escusos passou a ser visto como atribuição da “Operação Lava Jato”, construindo-se um falso argumento de que a “corrupção sistêmica” merecia ser tratada de modo unificado. De um dia para outro, tinha-se todo tipo de caso criminal no Juízo de Curitiba. Um completo vilipêndio às regras do processo penal. Estava nítido que havia uma verdadeira “escolha” do julgador, por pura conveniência.

Isso restou claro nas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, com especial destaque ao inquérito 4.215, à petição 8.090 e ao habeas corpus 198.081. Em todos os casos, então relativos à TRANSPETRO, o STF reforçou que houve verdadeira deturpação das regras de competência por parte da “Força-Tarefa da Lava Jato”.

Em suma, a polêmica competência da 13ª Vara Federal de Curitiba não é um tema novo no Supremo Tribunal Federal.

Por isso mesmo não surpreende a decisão tomada pelo ministro Edson Fachin no último dia 08 de março. O ministro nada fez além de reforçar o que já estava claro desde muito tempo: a 13ª Vara Federal de Curitiba se arvorou na condição de juízo universal incabível segundo as regras constitucionais e legais. O resultado disso, gostemos ou não, deve ser a nulidade dos atos decisórios, pois há claro vício de origem em todos eles. A decisão, nesse ponto, é bastante correta – sem qualquer incursão em outros debates, como suspeição do Juízo.

De tudo isso, merece friso a reafirmação das regras do jogo e o recado claro de que não se combate qualquer crime que seja sem que se respeite a moldura legal. Enquanto houver vista grossa aos desmandos judiciais por pura simpatia a seus resultados, o preço a se pagar será sempre a perda dos atos. Que reste evidente, a partir de agora, que investigações e acusações somente são bem feitas quando amparadas nas regras e que estas, na verdade, não são meras formalidades ou preciosismo, mas a garantia de que a decisão será justa.

Caio Marcelo Cordeiro Antonietto
Doutorando em Direito Penal pela Universidade Pompeu Fabra - Espanha. Mestre em Direito pela PUC/PR. Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu, em Direito Penal e Criminologia e em Direito Tributário. Sócio do escritório Antonietto & Guedes de Castro Advogados Associados.

Rafael Guedes de Castro
Mestre Em Direito pela PUC/PR. Especialista em Direito Penal pela Universidad Castilla-La Mancha, Espanha. Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra, Portugal. Professor de Direito Processual Penal. Advogado Criminal. Sócio do escritório Antonietto & Guedes de Castro Advogados Associados.

Douglas Rodrigues da Silva
Mestrando em Direito pelo UNICURITIBA. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo UNICURITIBA. Professor de Direito Penal Econômico das Faculdades da Indústria de São José dos Pinhais. Advogado Criminal do escritório Antonietto & Guedes de Castro Advogados Associados.

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