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Sinais da cultura de integridade

Quais seriam indícios de que a empresa tem cultura de integridade? A cultura organizacional corresponde a um conjunto de valores, crenças e ações que definem como a organização conduz seus negócios.

12/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Quais seriam indícios de que a empresa tem cultura de integridade? A cultura organizacional corresponde a um conjunto de valores, crenças e ações que definem como a organização conduz seus negócios.

Criamos os programas de compliance com o intuito de difundir boas práticas e fomentar a integridade. Mais do que garantir o cumprimento de leis e regulamentos internos da empresa, compliance é uma ferramenta de gestão.

A realidade, porém, mostra que nem sempre sua relevância é reconhecida a partir desta visão. Afinal, os custos do compliance são certos e imediatos. Os benefícios, no entanto, são de longo prazo e, muitas vezes, intangíveis.

Empresas com um elevado nível de maturidade em compliance são aquelas que encaram o tema não como uma mera reação a ameaças, mas como uma parte indissociável do interesse corporativo e da estrutura do negócio. Um ativo competitivo que minimiza os riscos empresariais.

Por esta perspectiva, a conformidade se manifesta naturalmente e é impulsionada organicamente. Se torna parte integrante de uma cultura responsável e comprometida com os princípios da responsabilidade corporativa. Está alinhada, portanto, ao próprio propósito social da organização. Neste ponto, os valores de compliance se encontram enraigados na cultura.

E quais seriam os indícios de que a empresa tem uma cultura de integridade?

Conceitualmente, cultura organizacional corresponde a um conjunto complexo de valores, crenças e ações que definem a forma como a organização conduz seus negócios. Uma cultura de compliance abrange a difusão da ética, integridade e transparência na atuação da instituição.

Mudar uma cultura corporativa requer ao menos três condições simultâneas - apoio incondicional e determinação genuína da alta direção, autonomia e independência para atuar e recursos suficientes para criar mecanismos efetivos.

A todo instante as empresas enfrentam situações complexas. Cenários inundados de incertezas como os vividos em função de uma pandemia são testes para os programas de compliance. Em momentos de crise, somados a um elevado nível de exigência e pressão por desempenho e resultados, ter uma estrutura sólida e operacional é determinante para rapidez nas tomadas de decisão.

Por isso, embora o que se almeja seja criar uma cultura de integridade, esse alvo maior não desmerece as inúmeras demandas operacionais de um sistema de compliance. Avaliar riscos; adotar ações de monitoramento e controle; aprovar e implantar políticas, diretrizes e códigos e fazer com que os públicos internos e externos conheçam seus direitos e obrigações; gerir terceiros; estruturar canais de denúncias e realizar investigações internas. O funcionamento de todo esse mecanismo dá legitimidade e confiança ao programa e serve de sustentação para os gestores.

É esta estrutura em pleno funcionamento que permite às lideranças serem firmes e, em ambientes críticos, ter amplo conhecimento e consciência dos riscos e vulnerabilidades da empresa. Dessa forma, conseguem agir com segurança em situações inéditas como solicitações de compras emergenciais de itens alheios à rotina usual da empresa e mesmo a realização de doações solidárias.

Estar mais preparada para se adaptar aos desafios trazidos durante uma crise contribui para a reputação da área de compliance. Um sinal de que a cultura está em desenvolvimento é quando os decisores não buscam flexibilizar o programa, nem criar exceções, mas, sim, adequar o programa para que a empresa possa seguir no caminho correto. Adequar significa conhecer os impactos dos problemas, a estrutura disponível e os ajustes necessários para reduzir os riscos ao máximo. Não significa contornar ou burlar o sistema de conformidade.

A clareza nas responsabilidades, na necessidade dos fluxos de aprovações e na importância da rastreabilidade são essenciais para que, no momento de agir, as discussões conceituais tenham sido superadas.

Cultura de integridade é um elemento de participação múltipla. É quando todos reconhecem os riscos, antecipam de forma crítica as situações que podem expor a empresa e sentem-se confortáveis para apontar um problema e levar à área de compliance. Supera a imagem de um compliance fiscalizador e engessador de processos.

Se inicialmente motivadas pela necessidade, as pessoas começam a atuar pela convicção. Há uma evolução para ação conjunta de diversas áreas para que a empresa seja menos impactada. A equipe de compliance passa a integrar a concepção das estratégias e a formulação dos processos, desde o início. Essa é a maior evidência da existência de uma cultura de integridade.

Dificilmente se alcança essa fase sem uma liderança engajada e participativa, que fala, vivencia e influencia. Cria um ambiente de transparência e estabelece os requisitos mínimos de proteção que precisam ser mantidos. Para isso, é necessário que as áreas e os líderes conheçam toda a escala de criticidade, sendo fundamental que os riscos sejam públicos e debatidos.

Entre as melhores práticas, é fato que Chiefs Compliance Officer que respondem diretamente ao Conselho de Administração têm mais autonomia. Aliado a isso, a postura dos executivos determina se um sistema de conformidade será eficiente e se comporá a cultura empresarial.

Profissionais de compliance que conquistaram esse espaço dominam, antes de qualquer habilidade, as necessidades da empresa e se posicionam como parte da solução. Se colocar como um consultor alheio às dificuldades operacionais e às metas da empresa é condenar a função à checagem de itens de conformidade. O head da área tem que ser conciliador, exercitar a escuta ativa, primar pelo relacionamento e parceria com as demais áreas, sem ser negligente. A partir de um entendimento amplo e respeito à governança, consegue criar um ambiente harmônico.

Ter um espaço em que todos se sintam confortáveis para reconhecer vulnerabilidades e, assim, direcionem os esforços para o fortalecimento de instrumentos de prevenção e proteção é um indicador irrefutável de que a cultura de integridade está sendo incorporada como parte da sustentabilidade da empresa.

 

Flavio Serebrinic
Chief Compliance Officer da Atvos, empresa de bioenergia. Formado em Administração de Empresas com MBA em Governança Corporativa e Gestão de Projetos. Foi CCO da OR, Diretor de Governança, Riscos e Compliance da Hypera, executivo e consultor pela ICTS-Protiviti e McKinsey & Company.

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