1. Introdução
A tratativa da corrupção é um tema recorrente na sociedade brasileira e na América Latina em geral, além de representar um modus operandi para que muitas empresas façam negócios em todo o globo terrestre. Anualmente, a Transparência Internacional divulga o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) no mundo, o qual vem sendo medido desde 1995.
O IPC avalia 180 países e territórios e lhes atribui notas em uma escala entre 0 (quando o país é percebido como altamente corrupto) e 100 (quando o país é percebido como muito íntegro). Para o ano 2020, o índice destacou alguns pontos de alarme, uma vez que demonstrou que o Brasil, com média 38, ainda se encontra em uma condição crítica na evolução pela integridade.
A Lei Anticorrupção Brasileira (lei 12.846/13) e o seu Decreto Regulamentador (Dec. 8.420/15), tratam da necessidade de composição de um programa de compliance efetivo, especialmente no que tange a adoção de padrões mínimos de estruturação do programa, a fim de coordenar ações de combate a corrupção, à fraude e aos ilícitos em geral, contudo, o ordenamento jurídico pretérito à Lei Anticorrupção não é omisso quanto a matéria.
Leis como a Lei da Improbidade Administrativa 8.429/92, Lei de Licitações Públicas 8.666/93, Lei de Lavagem de Dinheiro 9.613/98, Lei do CADE, também conhecida como Lei Antitruste 12.529/11, já indicam, assim como o Código Penal, o que vem a ser corrupção e como a mesma será enfrentada.
A Lei Anticorrupção foi regulamentada pelo decreto 8.420/15 e sua principal contribuição para com as demais normas foi definir a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica envolvida em atos de corrupção e fraude, além de definir sanções que podem chegar a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo de responsabilização.
O decreto estabeleceu as diretrizes para o cálculo da multa, levando-se em consideração os motivos agravantes e atenuantes para composição da mesma, bem como forneceu parâmetros para o estabelecimento do acordo de leniência, para o Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), além de definir aspectos para implantação de um programa de integridade eficiente, exposto exaustivamente no artigo 42 da respectiva norma.
A lei 12.846/13 criou, ainda, o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), regulamentada pelo decreto 8.420/15, o qual impulsiona o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) para contratar com a Administração Pública.
As legislações representam, portanto, importante avanço na prevenção e combate aos ilícitos, contudo, apenas a existência das Leis não é suficiente para garantir que a corrupção não seja praticada; é necessária a implantação de medidas mais efetivas para prevenir, detectar e responder às ações atentatórias de práticas de ilícitos como suborno, aferimento de vantagens indevidas, práticas conflitivas e anticoncorrenciais, fraudes a licitações, dentre tantas outras ações que minam o negócio a longo prazo.
A implantação de um programa de compliance implica, portanto, a tomada de ações que visem criar uma cultura empresarial positiva, proativa e virtuosa, que impactará a forma de se fazer negócios além de promover maior transparência às relações empresariais e, consequentemente, colocará a empresa em um patamar diferenciado no mercado porque vai atrair negócios, abrir portas e promover saudavelmente a competitividade e sustentabilidade aos negócios. É o que temos visto no mercado de infraestrutura, agronegócios e medicina, especialmente.
2. O que é compliance?
De uma forma bem didática, compliance é o conjunto de disciplinas destinadas a fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as políticas e as diretrizes estabelecidas para os negócios e para as atividades da instituição ou empresa. Ter um programa de compliance significa possuir meios para garantir o cumprimento das normas e evitar penalidades e danos reputacionais, uma vez que tal sistemática evita, detecta e trata desvios ou inconformidades.
A metodologia que envolve um programa de compliance tem muito a ver com a ética, por isso, percebe-se no cotidiano de implantação de um programa de compliance, que as empresas têm exercido um enorme esforço para promover treinamentos e conscientização aos colaboradores, a fim de promover a cultura ética e transparente em suas relações.
Por ser uma ferramenta de autogestão, o compliance possibilita às organizações identificarem os riscos de conformidade envolvidos na sua atuação, bem como para garantir a conformidade dos processos e aprimorar os mecanismos de prevenção, detecção e correção que impeçam a ocorrência de desvios, promovendo o crescimento e a sustentabilidade do negócio, e elevando o grau de governança corporativa. (ESLAR, 2018).
Como forma de materializar todos os conceitos que permeiam o estabelecimento dessa metodologia, as leis outrora citadas preveem e criam condições para a adequação das organizações, prevendo, em caso de ocorrência de ilícitos, sanções que podem implicar a restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública.
Como se não bastassem todas as normativas Federais, Leis Estaduais vêm regulamentando as disposições federais e estabelecendo conjuntos de instruções para as empresas que pretendam contratar com a Administração Pública. Tais legislações deixam claro ao mercado empresarial que os programas de compliance passarão a ser condição para contratar ou manter contrato com o Poder Público.
Nessa seara, a maioria das legislações estaduais apontam para o prazo de 180 dias como termo final para a implantação de um programa de compliance pelas empresas que possuam ou que firmem contrato com a Administração Pública.
Vale dizer que as normas legais de implantação de um programa de compliance empresarial, a fim de atender as exigências impositivas de contratação com o Poder Público, não poderão ser entregues de forma a apenas cumprir um ato impositivo, mas devem gerar a cultura de maneira tal que não haja um programa de compliance ou de integridade, que seja vislumbrado como um sistema de vigilância e punição, mas como uma sistemática de gestão extremamente necessária à sobrevida do negócio por torná-lo mais sustentável e coerente com os novos anseios de mercado e das partes interessadas.
Com o papel de conscientização, teremos da iniciativa privada maior engajamento ao cumprimento da normativa imposta, de forma que os programas de compliance sejam eficientes e produzam resultados eficazes, além de não se limitarem a serem meros programas, mas que efetivamente pertençam a gestão e façam parte da estratégia de negócios da empresa. (ESLAR, 2017).
Criar uma estrutura de compliance, portanto, vai além das regras estabelecidas ou de treinamentos ministrados, implica, necessariamente em uma mudança substancial no pensamento e na forma de agir de todos os atores envolvidos.
3. Estabelecendo uma cultura de integridade
O primeiro passo para evitar prejuízos aos negócios corporativos e promover o levantamento das circunstâncias que possam introduzir uma cultura de integridade corporativa é construir uma identidade baseada no tone at the top, no exemplo que vem de cima.
Uma vez que o objetivo de um programa de compliance é comprometer a todos com o exercício daquilo que é correto:
O comprometimento organizacional é, sem dúvida, o segredo do sucesso de qualquer empresa. Isso porque o maior ativo de uma organização são as pessoas. São os colaboradores que estão por trás das conquistas, lucros e resultados. Profissionais comprometidos e engajados com as metas e objetivos corporativos, empenham-se e se dedicam mais e, consequentemente, produzem com ainda mais qualidade. (QUAIS..., 2019, [s. p.])
Em assim sendo, o fomento à cultura de integridade deve ser uma constante na organização e deve contar com o apoio, exemplo e comprometimento da alta administração, a qual deve, com qualidade e eficiência, demonstrar aos colaboradores, parceiros e terceiros que estabelecer condutas comerciais prósperas e vantajosas para todas as partes promoverá a sustentabilidade e perenidade dos negócios e das relações. “Em linhas gerais, consiste no dever das empresas de promover uma cultura que estimule, em todos os membros da organização, a ética e o exercício do objeto social em conformidade com a lei.” (ASSI, 2018).
Cada vez que um negócio for orientado pela ética, pelo respeito aos direitos humanos universais e princípios baseados na transparência, inclusive com a disponibilização de informações com a devida clareza, precisão, cordialidade e qualidade, o negócio restará protegido de prejuízos por gerar credibilidade e confiabilidade.
Obter lucro faz parte de todo e qualquer negócio empresarial e investir em um bom departamento comercial e de prospecção atuantes com as normativas definidas pelo departamento de compliance e integridade auxiliará com que o lucro seja sustentável e perene.
De nada resulta eficiente promover uma grande ação comercial ou de prospecção de clientes que não leve em conta a conformidade com a aplicação de regras claras e previamente estabelecidas, demonstrando o comprometimento da empresa para com a transparência e a integridade em suas ações, valores que geram um enforcement em prol da ética e da integridade.
Além de gerar um movimento em prol da integridade, as ações realizadas com base em elementos concretos de segurança e credibilidade, proporcionarão ao empresário uma base de dados e informações que pode impactar a sua tomada de decisão.
Um programa de compliance bem estruturado tem o papel fundamental de gerar a expectativa de cumprimento não somente por obrigação, mas por um sentimento de pertencimento e de proteção coletiva à própria existência da empresa, uma vez que fatos e atos ilícitos e em desacordo com as leis podem prejudicar de forma incomensurável a reputação, a viabilidade e a sustentabilidade da organização, comprometendo, com isso, a vida útil e a saúde empresariais.
4. Como as empresas podem preparar-se?
Os efeitos da corrupção sistêmica são altamente danosos tanto às instituições/organizações quanto ao Poder Público, que também sofre com o aumento do custo dos negócios contratuais, além de diminuir a qualidade dos produtos e serviços entregues.
Independentemente das leis que exigem maior transparência, a conscientização sobre a importância de se estabelecer uma cultura ética na forma de fazer negócios que considere medidas específicas e concretas para a prevenção e mitigação de riscos de corrupção é o ponto nevrálgico do estabelecimento de um programa de compliance.
Como falamos no item anterior, é a alta administração que dará o tom da cultura e os caminhos que a mesma deverá considerar, a fim de promover o combate aos atos ilícitos, especialmente o suborno e a lavagem de dinheiro.
Inicialmente, conquistada e convencida da necessidade de promover negócios sustentáveis, a organização deverá avaliar os riscos aos quais sua atividade está sujeita; para tanto, faz-se necessário elaborar um mapeamento dos riscos para identificar os gaps.
Identificados os gaps, cabe desenvolver e implementar um programa de integridade com o apoio da alta direção da organização, de preferência com a nomeação de um responsável interno pelo programa de integridade.
É necessário ainda fornecer treinamento em relação ao programa de integridade, tanto para os colaboradores quanto para os terceiros que façam negócios, além de implementar políticas e procedimentos para verificar a integridade e a reputação de terceiros. (ESLAR, 2017).
De acordo com a Lei Anticorrupção, também é necessário implementar canais de denúncia, proteção aos denunciantes e um sistema interno de investigação, além da realização de auditoria durante os processos de transformação e aquisições corporativas.
A avaliação do cliente também representa uma boa prática defendida pela lei e por nossa melhor doutrina. O processo de due diligence representa uma avaliação dos riscos que envolvem o negócio e auxiliam a tomada de decisão. (ASSI, 2017).
Trabalhar a gestão de crises, rever as políticas de aquisição e contratação, particularmente com o setor público também são medidas que se fazem altamente necessárias.
Contudo, essas ações só serão bem-sucedidas se forem baseadas em uma cultura de negócios suportadas em valores éticos relacionados à transparência e à prevenção da corrupção. Pesquisa recente demonstra que as novas gerações estão buscando ser mais saudáveis, consumindo produtos fitness e orgânicos, além de defenderem a responsabilidade socioambiental e, com isso, tais consumidores estão exigindo cada vez mais comportamentos empresariais alinhados com os valores éticos voltados para a sustentabilidade.
Tal comportamento demonstra que essa geração compreendeu que não é possível ter um discurso diferente da prática, por isso, valores como transparência, respeito e responsabilidade são os ideais por eles defendidos; em razão desse novo comportamento, querem comprar de organizações com as quais se identificam.
5. Considerações finais
A operação Lava Jato descortinou uma série de envolvimentos de agentes públicos e privados com a prática de crimes, as quais debilitaram a livre concorrência, provocaram aumento do custo de obras públicas, enriquecimento ilícito, dentre inúmeras outras consequências que, ainda que se trate de ilações, podem ser consideradas como altamente prejudiciais à sociedade, à economia e ao combate à pobreza. (ESLAR, 2016).
O conteúdo das conversas, das planilhas, das ações tomadas pelas empresas e agentes públicos envolvidos deixaram o Brasil estarrecido; a essência das negociações era um emaranhado de pagamentos de subornos, fraudes a licitações, superfaturamento de obras e enriquecimento sem causa.
A responsabilidade da investigação levada a cabo por agentes da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça Federal, se transmutou na esperança de erradicação da mala praxis e na perspectiva de dias melhores.
Com o advento da Lei Anticorrupção, em 2013, parecia que o país estava mesmo entrando em um circuito de bons presságios e de afortunada mudança de atitude daqueles que constroem a economia.
O tempo passou e as ações mudaram sensivelmente, não somente quanto ao discurso empresarial e público em prol da ética e da integridade, mas também quanto a responsabilidade social e ambiental que envolve os negócios, e parece ser que há mesmo uma conscientização coletiva vindo à tona.
Inúmeros são ainda os desafios a seguir para que haja o fortalecimento das relações comerciais, especialmente quando as mesmas envolvem agentes público e privados, contudo, tais desafios devem ser encarados como oportunidades de crescimento e desenvolvimento tanto das instituições quanto da própria sociedade.
A criação de uma cultura de ética, transparência e comprometimento consciente na busca de zerar um passado de jeitinhos e conluios, a fim de escrever uma nova história e passar uma borracha sobre um momento pretérito em que a regra do jogo era o de desvio de conduta e o malfeito, são um verdadeiro alento aos nossos tempos modernos.
Se por um lado temos o Poder Público, os tratados internacionais e as leis como os grandes patrocinadores dessa mudança, por outro, temos que o comprometimento das organizações privadas em fazer valer as melhores práticas de governança que estabeleçam altos padrões de observação dos princípios morais e éticos, dá o verdadeiro tom de forma a tornar as boas práticas de governança corporativa e compliance em pilares de sustentabilidade para os negócios.
É por isso que o compromisso e a cooperação público-privada são essenciais para a concretização e aplicação das leis e das políticas estabelecidas pela organização, de forma representar em conquistas concretas tudo o que se encontra escrito.
Não basta ter um projeto, estabelecer políticas, códigos de conduta e procedimentos; também não basta treinar, diligenciar, investigar, evitar conluios e desvios, é necessário ser justo, estabelecer práticas e regras de competição isonômicas, que sejam efetivamente praticadas.
As ações que implicam maior transparência na forma de fazer negócios e o consequente desenvolvimento econômico e social, portanto, são a nova forma de se fazer negócios, pois promove o entendimento inequívoco de que os valores defendidos são inegociáveis.
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ASSI, Marcos. Compliance: a excelência na prática. São Paulo: Trevisan Editora, 2017.
ASSI, Marcos. Compliance: como implementar. Com a colaboração de Roberta Volpato Hanoff. São Paulo: Trevisan Editora, 2018.
BRASIL. Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei nº 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível clicando aqui. Acesso em: 16 fev. 2021.
ESLAR, Karine Aparecida de Oliveira Dias. Como avaliar a efetividade de um programa de compliance. In: SOUZA, Jorge Munhós; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (org.). Lei anticorrupção e temas de compliance. 2. ed. Salvador: Juspodium Editora, 2017. p. 493-508.
ESLAR, Karine Aparecida de Oliveira Dias. Ética como diferencial competitivo e as consequências da conduta antiética. In: BRAGA, Reinaldo; SOUSA, Filipe (org.). Compliance na saúde: presente e futuro de um mercado em busca de autorregulação. Salvador: Sanar Editora, 2016.
ESLAR, Karine Aparecida de Oliveira Dias. Ética, compliance, transparência e sustentabilidade: o que podemos esperar do futuro enquanto trabalhamos o presente com as armas que temos hoje. In: LAMBOY, Christian K. de. Manual de Compliance (coord.). Manual de Compliance. São Paulo: Via Ética, 2018. p. 109-118.
QUAIS os 5 tipos de comprometimento organizacional? Instituto Brasileiro de Coaching, São Paulo, 10 set. 2019. Disponível clicando aqui. Acesso em: 07 jan. 2021.