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Terceirização: Uma análise acerca dos aspectos que possibilitam o reconhecimento do vínculo empregatício diretamente com a tomadora dos serviços

Devido aos constantes questionamentos por parte de uma parcela da sociedade, no que tange à existência de uma exploração de mão de obra e precarização nas relações de trabalho, surgiu a necessidade de analisar o atual entendimento do STF no que tange a licitude da terceirização.

11/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

Introdução

Através do estudo realizado, identifica-se que a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII trouxe diversas transformações econômicas. Grandes lucros foram gerados com a inclusão das máquinas na indústria e consequentemente foram gerados diversos empregos. Devido a isso, o modo de vida da sociedade foi modificado, pois sonhando em ter uma melhor qualidade de vida e objetivando trabalhar nas indústrias, as famílias que antes residiam na zona rural e dependiam da agricultura para sobreviver, passaram a residir nos centros urbanos.

Como não havia legislação que regulamentasse as atividades laborativas, os patrões pagavam um valor irrisório aos trabalhadores. Consequentemente, visando o aumento da renda familiar, as famílias passaram a incluir seus filhos ainda criança nessas fábricas. A relação do homem e o trabalho evoluíram no decorrer do tempo. No período que antecede a Revolução industrial, não existia um modo de produção desenvolvido. Sendo assim, o homem que fabricava o produto final, era o mesmo que buscava a matéria prima, transformava-a no produto final e ele mesmo comercializava sua obra.

A Revolução industrial marcou a sociedade de diversas formas, principalmente a forma como o homem passou a se relacionar com o trabalho. Pois, a atividade que antes era desenvolvida por uma só pessoa, foi dividida em diversas tarefas que passou a ser desenvolvida por mais trabalhadores, aumentando com isso a produção e os lucros.

Sucede-se que, o direito é uma construção que acompanha a sociedade e se molda as relações que surgem no decorrer dos tempos. Sendo assim, no século atual é muito comum que algumas empresas firmem contratos de prestação de serviços com outras empresas que têm como finalidade oferecer mão de obra qualificada aos seus contratantes. Esse tipo de negócio jurídico é conhecido pelo termo terceirização. Devido aos constantes questionamentos por parte de uma parcela da sociedade, no que tange à existência de uma exploração de mão de obra e precarização nas relações de trabalho, surgiu a necessidade de analisar o atual entendimento do STF no que tange a licitude da terceirização.

Para atingir o objetivo da pesquisa, qual seja: "Analisar a terceirização sob o viés da licitude e do favorecimento ao desenvolvimento social" foi realizada uma pesquisa exploratória, na qual foi possível consultar livros, dissertações e artigos científicos selecionados através de busca nas seguintes bases de dados: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, SciELO e Periódicos Capes. Também foi necessário analisar as legislações mencionadas e descritas no presente estudo, como a Constituição Federal de 1988, a CLT entre outras.

1- Contexto histórico

A legislação trabalhista foi inspirada por um desejo de igualdade e valorização da classe trabalhadora. Em que pese ser unânime o reconhecimento de que o trabalho proporciona ao indivíduo uma vida digna, no período da Revolução Industrial a dignidade do trabalhador era algo que sequer era priorizado.

Sendo assim, nesse período que se deu por volta do século XIX, a situação do trabalhador era degradante em todos os aspectos. Pois, as  jornadas de trabalho eram extensas, os ambientes laborativos eram insalubres, os salários eram ínfimos e a saúde e segurança do trabalhador sequer era observada dentro dos postos de trabalho. Sendo esse um dos fatores que ocasionavam a morte do empregado por acidentes de trabalho.

Também era muito comum que aos 30 anos de idade o indivíduo estivesse inapto para o exercício das atividades laborativas. De acordo com Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (2012, p. 14),

Os capitalistas (proprietários das máquinas), pela força do poder econômico, ditavam as regras a serem observadas pelos operários, explorando a massa trabalhadora sem a menor preocupação com a condição de vida dos empregados (os proletários).

Outro fato de grande consternação se deve à presença de crianças nos locais de trabalho e na baixa contraprestação paga pelos empregadores às mulheres e crianças, que desempenhavam os mesmo ofício dos homens e cumpriam a mesma jornada de trabalho.

Diante dessa exploração desleal da força de trabalho humana, bem como, diante da automação da produção, que ocasionou em um aumento no número de demissões nas indústrias, a população trabalhadora se uniu e lutaram pelo reconhecimento de garantias legais que coibisse a exploração da mão de obra trabalhadora e lhes proporcionassem uma vida digna.

Insta esclarecer que a autonomia privada individual, reconhecida pelo Estado, principalmente a partir da Revolução Francesa. Tratava-se da capacidade de autorregramento das vontades dos indivíduos, por meio de contrato privado em que prevalece o princípio pacta sunt servanda. É o poder de autorregulamentação, poder de autogovernar os próprios interesses, e pressupõe a existência de um sistema de normas que o reconhece.

Neste caso, o ordenamento jurídico reconhece aos particulares o poder de se conferirem normas e, ao mesmo tempo, reconhece tais normas, de modo que todo o

ordenamento jurídico está aparelhado para imprimir-lhes eficácia e validade. Após a Revolução Francesa, a Revolução Industrial vem trazer em seu bojo o fortalecimento da autonomia privada e da liberdade para contratar, de modo que a autonomia passa a assumir grande importância, tornando-se essencial no ordenamento jurídico capitalista, evoluindo para a autonomia privada coletiva, também denominada autonomia sindical. A autonomia privada coletiva, ou autonomia sindical, diz respeito à autonomia do sindicato quanto à sua criação, elaboração de seus estatutos, registro sindical, autonomia e garantias constitucionais contra a ingerência governamental, assim como a autonomia de o sindicato estabelecer normas, culminando nos Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) e Convenções Coletivas de Trabalho (CCT). Nesse processo histórico, no surgimento das primeiras organizações sindicais, contudo, a coalizão de trabalhadores – e até mesmo de empregadores – era proibida, chegando a ser considerada um movimento criminoso punido com prisão.

A respeito da industrialização e seu impacto no meio ambiente do trabalho, Zulma das Graças Lucena (2004, p. 58) afirma que,

A indústria moderna aliada à tecnologia transformou o mundo da natureza: não somente o ambiente construído nas áreas urbanas, como também os demais se tornaram sujeitos ao controle do homem. O impacto da industrialização não se limitou à esfera da produção, afetando a totalidade da relação do homem com a natureza, porque mesmo em áreas primordialmente agrícolas, o uso de tecnologias como fertilizantes, máquinas agrícolas e outros modificou substancialmente as relações prexistentes entre a organização social humana e o meio ambiente.

Diante desse contexto, acolhendo a afirmação de Carlos Henrique Bezerra Leite (2019), é possível afirmar que o Direito do Trabalho originou-se de três causas principais, quais sejam: econômica (revolução industrial), política (transformação do Estado Liberal – Revolução Francesa – em Estado Social – intervenção estatal na autonomia dos sujeitos da relação de emprego) e jurídica (justa reivindicação dos trabalhadores no sentido de se implantar um sistema de direito destinado à proteção, como o direito de união, do qual resultou o sindicalismo, o direito de contratação individual e coletiva.

Danielle Bezerra da Silva
Advogada, sócia-proprietária do escritório Danielle Bezerra advocacia, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Uninabuco/PE.

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