Migalhas de Peso

Não incidência de IRPJ e CSLL sobre a taxa Selic que compõe o indébito tributário

Obrigam-se a socorrer ao Poder Judiciário para garantir liminares muitas vezes precárias, para que possam enfim usufruir do direito líquido e certo aqui exposto.

9/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

Após o trânsito em julgado da decisão exitosa em demandas judiciais propostas pelos contribuintes em face da Fazenda Pública para fins de restituição de indébito tributário, a incidência de IRPJ e de CSLL sobre o proveito econômico daí decorrente poderá abranger a totalidade do crédito apurado para compensação e/ou restituição, este compreendido pelo crédito principal acrescido dos juros e da correção monetária.

Os juros de mora e a correção monetária que compõem o crédito, muitas vezes, correspondem a denominada Taxa Selic, pois é este o índice comumente aplicado na restituição de tributos, especialmente os administrados pela Receita Federal do Brasil. Acontece que, no entender dos contribuintes, a Taxa Selic possui natureza indenizatória, na medida em que não constitui um acréscimo patrimonial passível de tributação.

Daí porque tramita perante o STF o RE 1063187/SC, Tema de Repercussão Geral 962, de que trata da “incidência do Imposto de renda – Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a taxa Selic (juros de mora e correção monetária) recebida pelo contribuinte na repetição do indébito.”.

No âmbito infraconstitucional, todavia, o STJ no julgamento do REsp 1138695/SP, Tema Repetitivo 505 firmou a seguinte tese: “Quanto aos juros incidentes na repetição do indébito tributário, inobstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, se encontram dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa.”.

A Receita Federal do Brasil, por seu turno, em reiteradas manifestações exaradas através de Soluções de Consulta, já reafirmou seu entendimento de que a Taxa Selic deve ser tributada pelo IRPJ e CSLL na hipótese em comento. A título exemplificativo, segue o entendimento extraído na Solução de Consulta 105 – Cosit de 25 de março de 2019, ipsis litteris: “O montante dos juros Selic oriundos da restituição de tributos indevidamente recolhidos por sociedades cooperativas, mesmo quando o indébito se referir a valores provenientes de tributos sobre receitas derivadas de atos puramente cooperativos, deverá ser acrescido à base de cálculo do IRPJ, conforme preceitua o art. 215, § 3º, inciso I, alínea 'd', da Instrução Normativa RFB nº 1700, de 2017.”

Entretanto, o entendimento que compartilha o STJ e a Receita Federal é deveras discutível, porque os juros moratórios legais revestem-se de nítida e exclusiva natureza indenizatória e, portanto, não se enquadram no conceito de renda ou proventos. Como se sabe, os juros legais moratórios são, por natureza, verba indenizatória dos prejuízos causados ao credor pelo pagamento de seu crédito a destempo. Assim, como poderia a Taxa Selic ser considerada um acréscimo patrimonial equivalente à riqueza para fins de tributação como se renda fossem?

Cediço que o IRPJ, assim como a CSLL, são tributos que tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, nos termos dos art. 153, III e art. 195, I, “c” da CF/88, dos art. 43 e 44 do CTN, e dos art. 2º e 6º da lei 7.689/88 e art. 57 da lei 8.981/95.

Diversos doutrinadores já se debruçaram, conceituaram e dissecaram os termos descritos na legislação de regência do IRPJ e da CSLL, de modo que são desnecessárias maiores digressões para se depreender da doutrina mais assente que “renda é o acréscimo patrimonial produto do capital ou do trabalho ou da combinação de ambos; [...] Não há renda, nem provento, sem que haja acréscimo patrimonial, pois o CTN adotou expressamente o conceito de renda como acréscimo.”1.

Em outras palavras, a doutrina é uníssona no sentido de que “Para que haja renda e proventos de qualquer natureza é imprescindível que o capital, o trabalho ou a conjugação de ambos produzam, entre dois momentos temporais, riqueza nova, destacada daquela que lhe deu origem e capaz de gerar outra. Somente tais acréscimos patrimoniais poderão ser alcançados pela exação em foco, sob pena de virem extrapolados os limites postos pela Constituição Federal.”2.

Os juros incidentes na recuperação de créditos tributários, cuja incidência está prevista expressamente ao art. 167 do CTN, possuem tratamento infraconstitucional, e detém respaldo, precipuamente, na dicção dos art. 404 ao 407 do Código Civil. Todas essas disposições, de que tratam da incidência dos juros quando da restituição e/ou compensação do indébito tributário, induzem a um único silogismo, obviamente intrínseco a ideia de vedação ao enriquecimento ilícito do ente tributante: a ideia de compensar o contribuinte, de forma indenizatória, pela perda ou pela impossibilidade de utilização daquela quantia no tempo. É por este motivo, mais do que qualquer outro, que incide juros de mora sobre o indébito tributário reconhecido.

A legislação de regência, especificamente o art. 39, §4º da lei 9.250/95, estabelece que, a taxa de juros de mora incidente sobre o indébito tributário federal deve ser a mesma aplicada pela Fazenda Pública na cobrança de seus tributos pagos em atraso. No caso, de acordo com o art. 13 da lei 9.065/95 e art. 30 da lei 10.522/02, aos créditos tributários administrados pela Receita Federal do Brasil, aplica-se os juros de mora equivalentes a Taxa Selic. Portanto, este é o índice aplicado para a restituição dos tributos federais pelos contribuintes.

Com efeito, o SELIC detém conotação de juros moratórios, ora remuneratórios, com intuito de neutralizar os efeitos da inflação, assim como de correção monetária. Não é por acaso que há muito o STJ, definiu que “a taxa Selic representa a taxa de juros reais e a taxa de inflação no período considerado e não pode ser aplicada, cumulativamente, com outros índices de reajustamento"3. Dessa forma, apesar dos impasses jurisprudenciais e doutrinários a respeito do caráter de correção monetária da Taxa Selic, fato certo e incontroverso é que esta representa, inegavelmente, verdadeiro índice de juros moratórios.

Os juros moratórios, por sua vez, consistem em verba indenizatória dos prejuízos causados ao credor pelo pagamento extemporâneo de seu crédito. Ou seja, a Taxa Selic, por sua natureza, corresponde à “compensação das perdas sofridas pelo credor em virtude da mora do devedor, não possuindo qualquer conotação de riqueza nova a autorizar sua tributação pelo imposto de renda”4.

A propósito, em excelente livro intitulado “O valor do amanhã: ensaio sobre a natureza dos juros”, o autor Eduardo Gianetti é didático em observar que os juros transcendem a ciência econômica e, mais do que isso, transcendem o próprio Direito. Parafraseando o autor, diz-se que os juros condizem com o fato de usar agora ou usar depois, gastar agora ou gastar depois, viver agora ou viver depois, porque juros conjugam-se com o tempo, e, como demonstrado pelo autor em sua obra, o tempo, diferentemente do dinheiro, não é um ativo transferível. Mais além, afirma Gianetti que o dinheiro compra tempo de trabalho alheio, e compra serviços médicos que podem estender a duração da vida, mas o dinheiro não compra o tempo em si, razão pela qual o tempo não é, e nem poderia ser, transacionado em mercado5.

Sob este contexto, não se pode afirmar que a Taxa Selic, ou qualquer outro índice composto por juros moratórios, produza de fato algum acréscimo patrimonial passível de tributação por renda em face do sujeito passivo beneficiário do crédito, vez que se sabe de forma estreme de dúvidas que tais valores são atinentes aos juros moratórios, cujos quais não compõem base imponível a incidência do IRPJ e CSLL na hipótese.

Em que pesem todos os fundamentos acima delineados, resta, todavia, aguardar o julgamento do Tema de Repercussão Geral 962 de que trata da matéria, a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Contudo, sinalização positiva já fora conferida pelo TRF da 4ª Região que, em Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade 5025380-97.2014.404.0000, assim como em reiterados precedentes, tanto da 1ª quanto da 2ª turma, até o momento garantem o afastamento da incidência do IRPJ e da CSLL sobre a taxa SELIC recebida pelo contribuinte na repetição de indébito.

Por tudo, os contribuintes que pretendem proceder com a restituição, ou compensação através da habilitação do crédito tributário reconhecido em decisão judicial, encontram-se à míngua da Receita Federal do Brasil, e da ausência de um entendimento consolidado sobre a matéria nos tribunais superiores. Obrigam-se a socorrer ao Poder Judiciário para garantir liminares muitas vezes precárias, para que possam enfim usufruir do direito líquido e certo aqui exposto.

____________

1- MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, Editora Malheiros, 28ª edição, p. 335

2- CARRAZZA, Roque Antonio. Revista Dialética de Direito Tributário n. 154, p. 10

3- REsp 411.164/PR, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, DJU 03/06/2002

4- TRF4, ARGINC 5020732-11.2013.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relatora LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, juntado aos autos em 28/10/2013

5- GIANETTI, Eduardo. O valor do amanhã: ensaio sobre a natureza dos juros. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

Guilherme Monteavaro Feijó
Advogado tributarista - Koch Advogados Associados. Graduado em Direito pela UNIRITTER (2019); Pós-graduando em Direito Tributário pela UNIRITTER (2019-2021).

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