Parecer de Orientação da CVM nº 34 – Impedimento de voto e benefício particular em Operações de Incorporação e de Incorporações de Ações
Franco Musetti Grotti*
Ricardo C. Fontenelle Castorri*
Introdução
O Parecer aponta que recentemente vem ocorrendo operações de migração de ações de companhia aberta para segmentos especiais de negociação da Bolsa de Valores de São Paulo – Bovespa, em especial para o Novo Mercado, estruturadas na forma de uma incorporação ou de uma incorporação de ações e que propõem relação de substituição de ações que atribui valor maior às ações de emissão da companhia aberta em questão (Companhia) que sejam de propriedade da sociedade controladora (Sociedade Holding), ainda que o único ativo da Sociedade Holding - ou seu único ativo relevante - sejam essas mesmas ações.
Do impedimento de voto e do benefício particular
O tema do impedimento de voto em deliberações societárias, como reconhecido no Parecer, é complexo e objeto de polêmica na doutrina jurídica, tendo o entendimento da própria CVM variado conforme a composição do seu Colegiado.
Com efeito, veja-se o que dispõe o artigo 115, parágrafo primeiro, da Lei 6.404/76:
"Art. 115. (...)
§1º. O acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia".
O desafio que se impõe aos que enfrentam a questão diz respeito à difícil distinção das hipóteses de deliberação "que puderem beneficiar [o acionista] de modo particular" daquelas em que o "interesse [do acionista seja] conflitante com o da companhia".
Nesse exame, a maior parte dos intérpretes, mas não a unanimidade, entende que tal distinção dá-se tendo em vista que o benefício particular envolve um benefício do acionista na qualidade de acionista, em contraposição à hipótese de conflito de interesses, que, ainda segundo o entendimento majoritário, envolve um benefício surgido de outra situação em que eventualmente se encontre o acionista (interesse extra-social).
Além disso, vale mencionar que o impedimento de voto na hipótese de benefício particular visa preservar a igualdade entre os acionistas e que eventual impedimento independe da ilicitude do benefício em questão.
Parecer – das hipóteses de impedimento
Em resumo, o Parecer estabelece que a Sociedade Holding (e seus acionistas, se tiverem participação direta na Companhia) estará(ão) impedido(s) de votar sempre que a operação:
(i) considere, para efeitos da relação de substituição de ações, as ações detidas pela Sociedade Holding na Companhia de forma diferente das demais ações da mesma espécie e classe;
(ii) considere, para efeitos da relação de substituição de ações, as ações de emissão da Companhia detidas Sociedade Holding de forma diferente das demais ações de emissão da Companhia, ainda que de espécie ou classe diversas, caso tal diferença não se baseie em laudo que considere os diferentes valores econômicos de cada uma das ações com base em critérios objetivamente verificáveis (como o fluxo futuro de dividendos descontado, ou as diversas cotações em mercados organizados); ou
(iii) atribua o mesmo número de ações da Sociedade Holding a todas as espécies e classes de ações de emissão da Companhia, mas o número de ações de emissão da Sociedade Holding antes da operação venha a ser proporcionalmente superior ao número de ações de emissão da Companhia de que a Sociedade Holding seja titular antes da transação.
Ademais, o Parecer também estabelece que, caso a proposta de incorporação (ou incorporação reversa) contemple diferentes relações de substituição considerando as diferentes espécies de ações detidas pelos acionistas minoritários (que não a Sociedade Holding ou seus acionistas), contemplando, por exemplo, valores diferentes para ações com voto e ações sem voto, os acionistas com voto (beneficiados de forma particular nesse caso), estariam impedidos de votar, salvo se a diferença estiver fundamentada em critérios objetivamente verificáveis1.
A justificativa para esse prêmio atribuído às ações da Sociedade Holding tem sido o reconhecimento pela Lei das S.A2. de que as ações detidas pelo acionista controlador têm valor maior que as ações não integrantes do bloco de controle, na medida em que a alienação de controle não obriga o adquirente a realizar oferta pública de aquisição (OPA) para os titulares de ações da espécie preferencial sem voto, e o obriga a realizar OPA para os acionistas titulares de ações com direito a voto com desconto de 20% em relação ao preço pago ao acionista controlador.
Tal justificativa é apontada pela CVM como válida no contexto de uma OPA para justificar o desconto para aquisição das ações dos demais acionistas com direito a voto, mas não seria suficiente para afastar o impedimento de voto por benefício particular, quando o valor do sobre-preço é confirmado não por uma parte independente (como ocorre com o terceiro adquirente do controle), mas pelo próprio acionista beneficiado ao votar na assembléia da operação.
Além disso, a CVM deixa claro no Parecer que o impedimento de voto não envolve um julgamento sobre a licitude da deliberação (que obviamente se espera ser sempre lícito), mas recai sobre o impedimento do exercício do voto pelo acionista que, tendo em vista o sobre-preço atribuído às suas ações na operação, será beneficiado de modo particular. Assim, pode-se deduzir que o impedimento do voto apontado pela CVM no Parecer decorre da especificidade do benefício e pela particularidade dos efeitos da deliberação para determinado(s) acionista(s).
O Parecer afirma ainda que mesmo mecanismos que permitam a participação de acionistas sem direito a voto, ainda que com a possibilidade conceitual de vetar a operação caso comparecessem e votassem em grande número na assembléia, não seriam eficazes para afastar o impedimento de voto, sendo necessário para tal finalidade o voto afirmativo de acionistas não beneficiados que completassem isoladamente o quorum legal. O quorum exigido para aprovação de operações de incorporação ou incorporação de ações pela sociedade a ser incorporada (incorporação) ou que terá suas ações incorporadas (incorporação de ações) é de no mínimo metade das ações com direito a voto3.
Registre-se, ademais, que mesmo que o acionista impedido venha a votar, a deliberação somente será anulada se o voto do acionista potencialmente beneficiado tiver sido determinante para sua aprovação pela assembléia geral.
Considerações finais
Do acima exposto, depreende-se do Parecer que uma relação de troca diferenciada no contexto de uma incorporação (ou incorporação de ações) pode comprometer o exercício do voto do acionista beneficiado, especialmente, em algumas hipóteses, se a desproporcionalidade no valor atribuído não seja justificada por laudo com critérios econômicos objetivamente verificáveis.
No mercado brasileiro atual, consolidações e reestruturações societárias são cada vez mais realizadas, desde por justificativas clássicas de operações de fusões e aquisições (como por exemplo, busca de sinergias e diversificação), como também no contexto de operações de migração visando uma melhor governança corporativa em determinada sociedade.
O Parecer demonstra uma preocupação da CVM em evitar que relações de troca diferenciadas em operações de migração por meio de incorporação e incorporação de ações sejam impostas aos acionistas minoritários, sem fundamentação econômica. Neste sentido, fica evidente a intenção da CVM, reconhecida no Parecer, de que tais operações tenham não só fundamentação econômica que justifique o sobre-preço atribuído a determinados acionistas, mas principalmente que tal justificativa e os eventuais benefícios da operação sejam reconhecidos pelos acionistas não-controladores mediante seu voto na assembléia geral que deliberar sobre a operação.
Em resposta a consulta formulada pela Tele Norte Leste S.A. (Processo RJ2006/6785), o Colegiado da CVM entendeu que na presente hipótese os acionistas titulares de ações ordinárias que também sejam titulares de ações preferenciais, poderão votar com as respectivas ações preferenciais.
O artigo 254-A da lei 6.404/76 obriga o adquirente de controle de uma companhia aberta a realizar uma OPA aos demais acionistas com direito a voto de modo a lhes assegurar o preço no mínimo de 80% do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.
Vide artigos 136, inciso IV e 252, parágrafo 2º da Lei 6.404/76. Em resposta a consulta formulada pela Tele Norte Leste S.A. (Processo RJ2006/6785), o Colegiado da CVM autorizou nos termos do parágrafo 2º do artigo 136, da Lei 6.404/76, a redução do quorum legal para aprovação de determinada operação de reestruturação do grupo Telemar para 25% das ações preferenciais ( excetuadas as ações em tesouraria) se a Assembléia Geral for instalada somente em 3ªconvocação.
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
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