A covid-19 afetou, imediatamente, os contratos internacionais que dependem da exportação e importação de produtos para o seu cumprimento. A decretação da pandemia pela Organização Mundial de Saúde ocasionou a emissão de uma série de recomendações às políticas sanitárias protetivas internacionais com o escopo de controle da disseminação da doença.
Diante desta surpreendente e inevitável realidade, vieram-se as dúvidas jurídicas de que forma a legislação trataria do tema conforme passa-se a esclarecer. Deve-se observar, inicialmente, o direito regente ao qual o contrato comercial internacional se faz submetido para que se elucide a solução mais adequada ao caso. A legislação contratual chinesa, em seu art. 94 (I) admite o adevento da resolucao contratual por força maior, por qualquer das partes, que impossibilitem a execução do contrato.
A Lei de Contratos chinesa, em seu art. 117 define que força maior consiste nas circunstâncias objetivas que sejam, cumulativamente, imprevisíveis, inevitáveis e instransponíveis. Nos termos do disposto no art.118 do referido diploma, cumpre a parte que ficou inviabilizada de cumprir a sua obrigacao notificar a outra parte com o fito de informar e reduzir prejuízos, bem como provar o requisito de força maior em período razoável. Essa prova de força maior passou a ser feita através da emissão de certificados de forca maior às empresas chinesas, expedidas pelo Conselho da China para a Promoção do Comércio Internacional.
Há que se destacar, no entanto, que a prova pré constituída de emissão de certificados por forca maior, por si só, não significaria a excludente de responsabilidade pelo coronavirus. É importante, ainda, considerar que muitos contratos internacionais regem- se pela Convenção das Nações Unidas para a Venda Internacional de Mercadorias (CISG) adotada pela China desde 1988 que em seu art. 79 prevê a possibilidade de exclusão da responsabilidade do inadimplemento em razão de fatores objetivos que transcendem as circunstancias subjetivas e particulares.
No direito brasileiro, sob o espeque do art. 317 do Código Civil de 2002, pode-se suscitar a aplicação, no caso de contratos comutativos de execução continuada ou diferida, a Teoria da Imprevisão que preceitua que quando por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução pode o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da prestação. Admite-se, portanto, no direito brasileiro a revisão contratual.
Enquanto que, o art. 478 do Código Civil brasileiro, inspirado nos arts.1467 a 1469 do Código Civil Italiano, estabelece que nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.
Logo, segunda a leitura ipisis literis deste artigo, a legislação autoriza a resolução do contrato (extinção) sem exigibilidade de cumprimento. Vale salientar que, para fins de aplicação da Teoria da Excessiva Onerosidade, requer-se além dos requisitos exigidos pela Teoria da Imprevisão, a extrema vantagem para uma das partes e a excessiva onerosidade para o outro.
Nesse linha, por fim, no direito brasileiro ainda podemos evocar a Teoria do Fato do Príncipe, inspirado no direito costumeiro francês, que consiste no ato de Estado, imperius, decorrente de decisão administrativa de autoridade legítima, que repercute em uma relação jurídica existente dando causa ou prejudicando o curso normal contratual autorizando, portanto, a sua resolução sem indenizações, a exceção se decorrente de ilegítimo e contrário a lei e a Constituição da República Federativa do Brasil.
Portanto, conclui-se que, em que pese a legislação contratual brasileira ser congênere à legislação chinesa quanto a possibilidade de resolução contratual, não se pode afirmar que sejam idênticas e tudo dependerá do direito aplicável ao contrato comercial inadimplido para se analisar qual a tese a ser sustentada pela solução mais acertada ao conflito de interesses instaurado por ocasião da pandemia.