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A importância de um bom contrato de transportes para a logística em tempos de Covid-19

Nunca antes se precisou tanto do setor da logística no Brasil e aqui está o porquê os contratos de transporte de mercadorias merecem atenção redobrada em sua elaboração.

4/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

Quando os governos decretaram o fechamento do comércio e a suspensão de toda atividade não essencial, a vida econômica e social da população se voltou para os seus lares.

Contudo, embora se vivesse um momento em que a vida fora momentaneamente suspensa, as pessoas continuaram tendo necessidades, principalmente de bens de consumo diversos.

A demanda por mais produtos de higiene, a adaptação de espaços domésticos para o homeoffice que se iniciava e, sobretudo, o consumo de outros bens de consumo que não mais poderiam ser adquiridos no comércio físico, impulsionaram as vendas do e-commerce.

A ABCOMM (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico) estima que em 2020 o e-commerce tenha crescido cerca de 56,8% devido a pandemia. Tal crescimento foi impulsionado pela quarentena decretada inicialmente pelos governos e o lockdown, que fechou basicamente todo o comércio físico Brasil afora.

Nesse cenário, a logística se tornou fundamental para manter a cadeia varejista “respirando”, assumindo o protagonismo e a ponta no comércio de um modo geral.

As entregas passaram a ser fundamentais para que as empresas alcançassem seus clientes e até os mantivessem e para isso o setor se reinventou – atualmente é possível comprar um produto e recebê-lo em horas ou até no mesmo dia.

Pode-se dizer que a união e aprimoramento das vendas varejistas e da logística mitigou um pouco o prejuízo causado pela doença, que foi e é enorme; em verdade, o setor logístico foi aquele que garantiu o fluxo de mercadorias essenciais e não essenciais por todo o país e abasteceu o consumidor final.

Considerando que todas as relações entabuladas no mundo civil são formalizadas por meio de contratos, se percebe a necessidade de que esses instrumentos sejam bem elaborados, para que se garanta que toda a venda possa se aperfeiçoar – com cada parte fazendo o que lhe cabe, sem que seja necessária a tomada de medidas judiciais de uma parte a outra.

Nesse sentido, surge, entre a empresa varejista e o transportador de mercadorias o contrato de transporte, que visa regulamentar essa relação.

No contrato de transporte, o transportador se obriga a transportar de um lugar a outro mercadorias ou pessoas mediante uma remuneração (art. 730, CC/02). O objeto do contrato, que é o transporte, se constitui serviço dotado de utilidade pública que é disponibilizado aos consumidores.

Tal contrato é considerado pela doutrina como sendo típico, porquanto possui previsão expressa no CC. Seu objeto o rege, sendo sua principal atividade o deslocamento físico de pessoas ou mercadorias de um local a outro, assumindo a responsabilidade por sua entrega sem danos.

Tal avença gera para o transportador uma obrigação de resultado, tendo em vista a responsabilidade de entrega da pessoa ou da coisa sem máculas ao seu destino/destinatário final.

Embora tenha regulamentação e características próprias, pode o contrato de transporte ser regido supletivamente pelas disposições aplicáveis ao contrato de depósito se a mercadoria permanecer armazenada nos estoques do transportador (art. 751, CC/2002).

São considerados sujeitos do contrato de transporte o remetente/expedidor/carregador, o comissário de transportes e o destinatário ou consignatário.

O remetente/expedidor ou carregador é o indivíduo que entrega a mercadoria para ser transportada. O comissário de transportes é aquele que se obriga, mediante remuneração (frete), a transportar a mercadoria. Já o destinatário ou consignatário é quem recebe a mercadoria.

No tocante ao transporte de mercadorias, impende destacar que a carga a ser transportada deve ser embalada conforme a sua natureza, sob pena de a mercadoria ser recusada pelo transportador (art. 746, CC/02). Além disso, deve o objeto transportado ser caracterizado segundo sua natureza, valor, peso e quantidade, para que o transportador, no ato de seu recebimento, emita conhecimento contendo “a menção dos dados que a identifiquem, obedecido o disposto em lei especial”, segundo o que rezam os arts. 743 e 744, CC/021.

O contrato de transporte de mercadorias, pois, se aperfeiçoa com a elaboração do recibo de entrega ou do conhecimento de transporte (também denominado conhecimento de frete ou carga), onde o transportador comprova a conclusão do contrato, com dados sobre o recebimento da mercadoria e as condições em que o transporte foi feito. Importante destacar que esse documento serve como título de crédito de natureza imprópria2 e pode ser transferido por endosso simples. Nesse caso, a responsabilidade do transportador está adstrita ao valor constante no recibo de conhecimento, conforme o art. 750, CC/02.

Para que a relação entre a empresa varejista e o transportador flua de maneira perfeita, é necessário que seja elaborado um contrato de transporte dentro dos ditames legais e munidos de cláusulas específicas.

Tal qual todos os contratos, o contrato de transporte possui como requisitos indispensáveis: o objeto, o preço convencionado e o acordo entre as partes.

O objeto é o escopo do contrato, que deve ser o transporte de mercadorias de um lugar a outro, garantida a sua incolumidade. Deve ser cobrado um preço, posto que o contrato de transporte seja oneroso e o remetente se comprometa a pagar um frete ao transportador para a entrega da mercadoria3.

É importante o estabelecimento de um prazo para o cumprimento do combinado, bem como de penalidades para o descumprimento do pactuado em contrato; regras para hipóteses de devolução da mercadoria, perda, furto/roubo e eventuais avarias também devem ser inseridas no instrumento.

Para ter validade, é necessário que ambas as partes contratantes tenham capacidade genérica para a vida civil, objeto lícito e o acordo convencionado seja aceito por todos.

A elaboração de um instrumento seguro serve como um guia para o negócio entabulado, à medida em que através dele se previne riscos, preserva a avença e dá às partes segurança jurídica na consecução de suas atividades, ainda mais em tempos de pandemia.

____________ 

1- Caso o transportador sofra qualquer espécie de prejuízo decorrente de informação inexata ou falsa descrição da coisa transportada, deverá ser indenizado. A ação deverá ser ajuizada em face do remetente no prazo decadencial de cento e vinte dias a contar do ato, conforme o art. 745, CC/2002.

2- Trata-se de um título de crédito cambiariforme que é extraído após a celebração de um contrato de transporte por qualquer via e que possibilita a transferência de titularidade por meio de endosso simples. Esse tipo de título de crédito não representa verdadeira operação de crédito, porém, sua forma é de título cambiário e tem conteúdo pecuniário. Alguns autores modernos consideram o conhecimento de transporte um título de representação, haja posto representarem uma carga ou mercadoria.

3- O transporte a título gratuito não é regulamentado pelo Código Civil na seção de contrato de transporte (arts. 730 a 756, CC/2002). A esse respeito, a súmula n. 145 do STJ enuncia que: “no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave.”

Juliana Alves Neves
Pós graduada em Direito Tributário pela UCAM. Pós graduanda em Direito Processual Civil e Direito Empresarial pela UCAM. Atuação no varejo de Shoppings e demandas tributárias.

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