Migalhas de Peso

Juros: Afinal, quando eles são abusivos?

Num próximo artigo serão expostas as diferentes alíquotas de taxa média de mercado e como proceder em caso de identificação de juros abusivos.

4/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

“De posse da arma, Fadul Abdala decidiu ampliar a área de suas atividades, passando a emprestar dinheiro a juros. Fazia-o com prudência, escolhendo a quem confiar seu módico capital, seu rico dinheirinho; com prazo estritos para pagamento e complicada tabela de ágios [...]. Com a agiotagem, fez crescer o pé-de-meia e viu aproximar-se a hora de arriar-se para sempre a mala de mascate...”

 Este é um trecho escrito por Jorge Amado em seu livro Tocaia Grande, que narra em uma de suas passagens a vivência de “Fadul Abdala”, uma personagem que, no início do século XX, constrói parte de seu patrimônio realizando empréstimos com altas fixações de juros (prática conhecida como agiotagem).

A prática da agiotagem já foi um dia algo muito comum. Em 1933, no entanto, foi editada a Lei da Usura, que limitou os juros que poderiam ser cobrados entre particulares, fixou o limite dos juros de mora e assim exerceu um importante papel na coibição da prática do Ágio. De lá para cá, vieram inúmeros regramentos sobre os juros em geral.

Como se sabe, o Brasil tem uma das maiores taxa de juros bancários do mundo1, esse é um fenômeno que tem diversas causas. Certamente você já deve ter conhecido alguém que fez um financiamento de veículo, por exemplo, ou que contraiu um empréstimo pessoal, com uma taxa de juros bastante elevada.

Como se não bastasse, não raro é também a existência de contratos bancários com juros ditos abusivos. Aqui não iremos nos debruçar sobre os motivos, tampouco sobre as consequências de uma taxa de juros bancários tão alta, como ocorre no Brasil. O objetivo deste artigo será tão-somente sistematizar o regramento que atualmente temos e auxiliar para que você, consumidor ou profissional, possa identificar quando é que os juros são abusivos.

1. O que são os juros?

Preliminarmente, é importante consignar o conceito, finalidade e espécies de juros, pois assim podemos ter um entendimento mais claro sobre os limites de sua estipulação.

Juros são, em síntese, os rendimentos de determinado capital, e sua finalidade pode ser tanto a de remunerar a utilização de um capital alheio, como a de indenizar eventual atraso em pagamento. Nada mais são que frutos gerados pelo capital pecuniário.

Deste modo, os juros podem ser divididos nas seguintes espécies:

a) Juros moratórios (que, por sua vez, podem ser legais ou contratuais)

b) Juros remuneratórios (geralmente contratuais)

Os juros são considerados abusivos quando seu valor ultrapassam os limites determinados pela lei e jurisprudência. A seguir, iremos examinar as espécies de juros mais detidamente, e sistematizaremos os com seus limites.

2. Principais espécies de juros e seus limites legais

a) Juros moratórios

Os juros moratórios têm caráter indenizatório e são estipulados com a finalidade de sancionar eventual atraso (mora) no pagamento de determinada quantia devida. Eles podem ser contratuais (quando estabelecidos em contrato) ou legais (quando determinados pela lei).

Os juros moratórios legais têm o seu valor e limite estabelecido no art. 406, do CC, ou seja, são de 1% a.m.2

Os juros moratórios contratuais, por sua vez, são aqueles definidos entre as partes e tem como limite 1% a.m.3, conforme art. 1º da Lei da Usura (ou conforme a norma consuetudinária, para aqueles que entendem estar o citado artigo revogado, conforme costumes). Este limite de 1% a. m. também se aplica às instituições financeiras, conforme súmula 379, do STJ.

b) Juros remuneratórios (também chamados de compensatórios)

Os juros remuneratórios, também chamados de compensatórios, são aqueles que remuneram a utilização de capital alheio. Ou seja, são frutos gerados pelo uso de uma quantia que pertence a outra pessoa, são os juros que estão presentes quando alguém contrai um empréstimo ou, por exemplo, um financiamento de um veículo.

Geralmente são apenas contratuais. Entretanto, podemos subdividi-los entre aqueles convencionados por particulares e os estipulados por instituições financeiras/bancárias.

Contratado entre particulares:

Os juros remuneratórios convencionados por particulares têm o limite de 1% a.m., conforme art. 1º da Lei de Usura4 ou pelo Art. 591, do CC, em caso de mútuo. Caso seja ultrapassado esse limite, pode ser configurada a prática de agiotagem (em breve, faremos um artigo especificando as implicações jurídicas desta prática).

Convencionado por instituições financeiras/bancárias:

Quanto aos juros convencionados por instituições financeiras, não há em limite legal, conforme Súmula 596, do STF e revogação do parágrafo 3º, do art. 193, da CF.

Todavia, como já ocorrendo corriqueiramente, há possibilidade de revisão judicial em caso de juros acima da média de mercado, pois eles colocam o consumidor em desvantagem exagerada.

Portanto, podemos afirmar que o limite para os juros remuneratórios estabelecidos por instituições financeiras, seja a taxa média de mercado, aplicada para a espécie de contrato (art. 51, §1º do CDC5, combinados junto a decisões adotadas pelo STJ e tribunais). É possível encontrar uma tabela no site do Banco Central com as diferentes taxas médias de mercado.

É de se ressaltar que a revisão deve se dar caso a caso e que, apesar de em alguns ministros do STJ entendam que a taxa deve ser substancialmente superior à média de mercado (mais ou menos 10% acima da média) para ser caracterizada a abusividade, é possível que seja caracterizada a abusividade automaticamente pela não observância da média.

Este é o panorama geral.

Num próximo artigo serão expostas as diferentes alíquotas de taxa média de mercado e como proceder em caso de identificação de juros abusivos.

Por ora, espero ter ajudado a esclarecer um pouco sobre como ocorre a fixação de juros em nosso ordenamento jurídico. Embora as vezes pareça tudo ser uma confusão, é de grande importância o conhecimento do que temos e buscar o aprimoramento do atual sistema. Enquanto isso, esperançamos pelo dia em que as injustiças atuais sejam também apenas trechos de histórias, como a do mascate “Fadul Abdala”, personagem de Jorge Amado exposto no início.

2- Parte da doutrina sustenta que a taxa legal a ser aplicada refere-se a taxa SELIC que está em vigor no momento, interpretando que o art. 406, do CC, faz menção na verdade ao art. 13 da lei 9065/95 e ao art. 84, I, da lei 8981/85 (esse entendimento ainda é compartilhado pelo STJ em algumas decisões). Todavia, a posição mais segura a ser adotada e que melhor se adequou ao CC, segundo Rizzato Nunes (Curso de Direito do Consumidor. 8. Ed. Rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013), é a taxa de 1% a. m., interpretação no sentido de que o art. 406, do CC, na verdade, faz alusão ao art. 161, § 1º, do CTN (este entendimento é esposado também pelo Enunciado 20, da I Jornada de Direito Civil). Para nós, este é o entendimento que tende a prevalecer.

3- Aqui, cabe uma observação de que a taxa limite pode variar entre 1% ou 2% a.m. conforme a interpretação do Art. 1º, da lei da usura seja combinada com do CC/16 (esta é a opinião que compartilhamos) ou seja combinada ao art. 406, do CC). De todo modo, segundo Rizzato Nunes e outros autores que sustentam estar revogado o art. 1º da Lei da Usura, a posição seguramente prevalecente ou menos temerária é a de que os juros tenham como limite 1% a.m. (12% a.a.), alíquota determinada, neste caso, não por um limite legal, mas pelos costumes (que também são fonte de Direito).

4- Idem

5- Art. que disciplina a onerosidade excessiva e desvantagem exagerada

Walter Melo Machado Jr
Advogado. Pós-graduando em Direito Privado. Graduou-se em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto - UNIRP. Atua com ênfase em Direito Civil; Consumidor; Famílias e Sucessões.

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