A novidade – e que já não é mais tão novo assim – incorporada pela famigerada "reforma trabalhista" causou (e ainda causa) muita repercussão no cenário jurídico laboral, e ainda hoje não se tem um posicionamento jurisprudencial pacífico a respeito do tema. A polêmica a que se faz referência diz respeito à possibilidade de os beneficiários da justiça gratuita serem responsabilizados pelo pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, situação esta sem qualquer previsão correspondente em período anterior à vigência da lei 13.467/17.
De início, é importante tão logo mencionar que a matéria se encontra submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, ante a propositura de uma ação direta de inconstitucionalidade, distribuída sob o nº 5.766, pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot.
Portanto, em que pese as ponderações insertas no presente – e breve – artigo, toda a discussão poderá ser ratificada ou prejudicada após o julgamento da referida ADI, que teve o seu julgamento suspenso após o pedido de vista do ministro Luiz Fux.
Pois bem. Esclarecida a questão, resta-nos indagar: quais são as atuais perspectivas de aplicação do art. 791-A, § 4º, da CLT? Para responder ao questionamento, vejamos a redação do dispositivo:
Art. 791-A. (...)
(...)
§ 4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
Como se pode observar, uma leitura açodada da norma poderá resultar na interpretação sumária de que o beneficiário da justiça gratuita, nas hipóteses em que restar sucumbente em sua pretensão, ainda que parcialmente, deverá suportar os encargos decorrentes do seu ônus quanto à verba honorária advocatícia caso perceba quaisquer valores no mesmo juízo ou em processo diverso.
Bem vista por alguns, criticada por outros, a redação do texto legal deixa margens à interpretação, a qual deve ser necessariamente realizada a partir de uma análise sistêmica e sob uma ótica macro de todo o ordenamento jurídico laboral, pelo que se deve repudiar qualquer forma de interpretação meramente literal ou descompassada com todo o contexto em que a CLT se insere.
Hoje, a jurisprudência é vacilante. A discussão, já submetida à Corte constitucional brasileira, também chegou ao Tribunal Superior do Trabalho, que antes só havia proferido algumas decisões turmárias sobre o tema. Atualmente, a matéria está afeta ao pleno do TST após provocação da sua sexta turma, tendo sido instaurada a arguição de inconstitucionalidade 10378-28.2018.5.03.0114.
A verdade é que ainda não se tem um consenso sobre a matéria. Aliás, a insegurança jurídica em muitos aspectos faz com que o protagonismo seja alcançado pelos Tribunais Regionais, que, com fundamento nos arts. 926 e 927 do CPC, aplicáveis ao processo do trabalho na forma do art. 769 da CLT, fixam precedentes vinculantes no âmbito de suas competências através de orientações plenárias ou dos seus órgãos especiais.
Esse foi o caso do TRT da 17ª Região, que instaurou e julgou a arguição de inconstitucionalidade 0000453-35.2019.5.17.0000, tendo declarado a inconstitucionalidade parcial do § 4º do art. 791-A da CLT no que pertine ao trecho da sua redação que menciona a possibilidade de sucumbência do beneficiário da gratuidade "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa".
Portanto, a premissa buscada pelo e. Regional foi a de conferir proteção aos créditos alcançados pelo trabalhador em ação trabalhista, seja pela natureza da verba, seja em razão da sistemática principiológica aplicável à Justiça Laboral.
Agora, a despeito de toda a discussão jurisprudencial e ante a ausência de um precedente com força vinculante no âmbito nacional, qual a melhor interpretação da norma?
Parece-nos que a melhor forma interpretativa deve observar com maior amplitude todos os preceitos contidos e indiretamente afetos à matéria. A justiça gratuita se funda em muitos preceitos fundamentais previstos na Carta da República, o que impede a subversão de seus valores em nome de uma casuística prevista em norma federal e que com ela se incompatibilize, mormente para que se deva respeito à própria hierarquia das normas.
Os direitos de acesso à justiça, inafastabilidade da jurisdição e assistência integral aos desamparados, sem perder de vista, ainda, a própria garantia de dignidade à pessoa humana e a proteção do seu mínimo existencial, são previsões de ordem magna que merecem guarida em quaisquer circunstâncias.
Dito isso, e convergindo com o entendimento adotado por honrosos juristas justrabalhistas, a interpretação que merece acolhimento é aquela que consagra a possibilidade de dedução de valores para fins de pagamento dos honorários advocatícios sucumbências apenas naquelas hipóteses em que a parte deixa de ostentar a característica de hipossuficiente, ou seja, somente quando – e si – nas condições financeiras alcançadas após o percebimento do seu crédito o trabalhador pudesse deixar de ser beneficiário da gratuidade caso intentasse qualquer outra demanda judicial.
Aliás, o entendimento sugerido sequer se incompatibiliza com o teor do art. 6º da IN 41/2018 consagrada pelo pleno do TST, já que a sua redação apenas esclarece a constitucionalidade do art. 791-A da CLT, ao passo que a solução perquirida com a presente explanação não tem como objetivo declarar a inconstitucionalidade da mencionada disposição legal, mas apenas lhe conferir a real e escorreita interpretação.
Por fim, mesmo que se pretendesse justificar a natureza alimentar da verba honorária devida ao advogado da parte vencedora, deve ser esclarecido que a processualística trabalhista não pode discriminar-se quando comparada ao processo civil, posto que não só despicienda a leitura e aplicação desarmônica do ordenamento jurídico como um todo, mas igualmente contrária à própria simetria processual.
Portanto, se não há, no processo civil, qualquer justificativa que submeta as verbas honorárias a uma preferência tão demasiada, não há que se defender, assim, tamanha incoerência no âmbito do processo trabalhista.
Diante de todo o exposto, não há outro entendimento a ser consagrado senão aquele em que se permita a dedução honorária apenas naquelas hipóteses em que o crédito recebido pelo trabalhador lhe retire a característica de hipossuficiente, pois, do contrário, estar-se-ia consagrando como válido flagrante retrocesso social e normativo vedado pela Constituição Federal.