Em 1º/2/21, foi disponibilizado o acórdão prolatado no âmbito dos recursos repetitivos afetados no tema 1.034 pelo STJ. O tema 1.034 visa a uniformizar e colocar um fim ao dilema que permeia o mercado de assistência suplementar há mais de 15 anos: as condições assistenciais e de custeio garantidas aos ex-empregados aposentados que optam por manter a condição de beneficiários da cobertura assistencial de que gozavam enquanto ativos, com base no artigo 31 da lei 9.656/98.
Matéria intrincada, que envolve personagens e valores que, em uma análise preliminar e até mesmo superficial, parecem antagônicos: empregados e operadoras (com a participação financeira dos empregadores, que estipulam e custeiam parte desse benefício aos seus colaboradores enquanto ativos), a importância social e a autossuficiência financeira da operação e do gozo desse benefício pelo beneficiário após o término de sua relação de trabalho, o reconhecimento de um direito individual frente à necessidade de se preservar o direito a toda a coletividade.
Esses são apenas alguns dos elementos que saltam aos olhos nessa discussão, e que ainda merecerá a atenção do STJ ao julgar os embargos de declaração já opostos nesta semana pelo Instituto de Estudos de Saúde Complementar (IESS) e pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FENASAUDE), entre outros. A discussão que se enfrentará agora, contudo, tem um contorno mais profundo: tornar a decisão do tema 1.034 viável. Afinal, uma decisão proferida em sede de recurso repetitivo, que não reflete a realidade do mercado, não terá o efeito almejado, que é a pacificação de temas recorrentes no Poder Judiciário. Pelo contrário. A judicialização persistirá, principalmente em razão da dificuldade de sua aplicação na prática.
Os embargos de declaração trazem à discussão os diferentes modelos de custeio adotados nos planos de saúde coletivos empresariais: pré e pós-pagamento, mediante a adoção de faixa etária, preço único e valor médio. O STJ adentrará à verdadeira questão por trás do tema 1.034, qual seja: como o acórdão proferido no âmbito do tema 1.034 se encaixa nos diferentes desenhos de plano encontrados no mercado de saúde suplementar.
O voto-vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva traduz esse dilema. O ministro trouxe alguns conceitos da regulamentação que merecem aprofundamento pela turma julgadora. As teses propostas para a solução da questão colocada no tema 1.034 não diferenciaram as modalidades de planos de assistência à saúde apreciadas nos casos concretos, notadamente no que diz respeito às condições de custeio existentes em cada uma delas, criando simetrias e paridades que não se amoldam aos modelos de contratação existentes no mercado, adotados há tempos por empregadores e que viabilizam a oferta do benefício aos empregados. Não enfrentar essa questão coloca em xeque a continuidade do benefício oferecido por empresas aos seus empregados, cuja relevância é singular no acesso ao mercado de saúde suplementar.
O primeiro ponto que merece análise diz respeito à simetria quanto à forma, modelo e valor de custeio a ativos e inativos, suscitada pelo relator ministro Antonio Carlos Ferreira. Ao proferir seu voto, o ministro relator considera o montante da contraprestação como parte integrante da cobertura assistencial, concluindo que “no caso de o inativo ser compelido a efetuar o pagamento de mensalidades em [sic] muito superiores àquelas exigidas dos trabalhadores em atividade, não se estará diante da mesma cobertura”.
Como bem sinalizou o ministro Villas Bôas Cueva, quando se trata de plano de saúde sob a modalidade pré-pagamento baseado em tabelas por faixas etárias aplicadas a ativos (e parcialmente subsidiadas pelos empregadores) e inativos, não restam grandes dúvidas, até mesmo quando o empregador opta pelo pagamento em valor único – como admite o artigo 15 da resolução normativa 279, de 24/11/11 (RN 279), que regulamenta o artigo 31 da lei 9.656/98.
O acórdão não deixa claro, contudo, que é possível o custeio dos ativos mediante pagamento feito pelo empregador em valor único, e cobrança do inativo mediante o valor com base na tabela por faixa etária – com a qual o valor único se relaciona, demonstrado contratualmente, conforme estabelece o artigo 15 da RN 279. Nesse caso, há apenas uma paridade indireta do valor de contribuição. O empregador não paga um valor per capita com base na faixa etária de um beneficiário específico, e que este deverá assumir. Ele deverá efetuar o pagamento da mensalidade com base em sua faixa etária (e de seus eventuais dependentes), e que não será resultado de uma soma dos valores de contribuição do empregado e patronal.
Vale mencionar, inclusive, que diferentemente do acórdão ora prolatado, a solução encontrada pela ANS na edição da RN 279 (artigo 15) resolvia muitos dos problemas até então existentes quanto à viabilização do direito previsto nos artigos 30 e 31 diante dos diferentes modelos de pagamento adotados nos planos de saúde coletivos empresariais.
Ainda mais obscuro se revela o cenário envolvendo planos em pós-pagamento, em suas duas modalidades – custo operacional e por rateio. A omissão nesse ponto é patente – já sinalizada no voto-vista – e deverá consumir algum tempo de análise dos ministros do STJ, sob pena de não enfrentarem o maior desafio dos artigos 30 e 31 e retrocedermos às discussões existentes há pelo menos 15 anos.
Em relação aos planos de saúde pós-pagamento em custo operacional, comumente adotado nas contratações coletivas empresariais, bem ponderou o ministro Villas Bôas Cueva que o valor é variável, e que não há custo individualizado por beneficiário. Dessa forma, a determinação de paridade de forma de custeio e valores de contribuição não resolve a questão, ao contrário, cria uma obrigação jamais prevista na lei 9.656/98 ou nas contratações em vigor (salvo disposição expressa em que empregadores tenham assumido o financiamento dos inativos). Assim, diferentemente do consignado pelo Ministro Relator, na modalidade de pós-pagamento, não é aplicável a soma da parcela do empregado e do empregador. Esse cálculo não é factível, e era exatamente esse o grande impasse existente desde o surgimento da lei 9.656/98.
O artigo 13 da RN 279 da ANS trata da modalidade de plano de saúde pós-pagamento em rateio, esclarecendo que toda a massa deverá ser considerada no cálculo do referido rateio de forma a garantir o mutualismo dentro do grupo de beneficiários (e, consequentemente, do empregador que os financia, direta ou indiretamente).
Por sua vez, a modalidade pós-pagamento custo operacional não possui dispositivo específico – até porque a regulamentação da ANS não enxerga nessa modalidade a possibilidade de exercício do direito estabelecido no artigo 31 da lei 9.656/98, sob a premissa equivocada de que não haveria contribuição nesses planos – e até por isso exclui a obrigação de informação dos valores pagos aos ativos, conforme artigo 15, § 4º da RN 279. Ocorre que a legislação não fazia essa diferença, e muitos empregadores, na tentativa de viabilizar o direito previsto nos artigos 30 e 31, tiveram que investir em métodos e formas atuariais para se chegar a um valor baseado em critérios técnicos que representasse o pagamento integral estabelecido nos artigos 30 e 31 da lei 9.656/98, a fim de preservar a oferta desse direito aos seus ex-empregados.
Se mantida a singela lógica aritmética estabelecida nas teses propostas pela segunda seção do STJ, os principais prejudicados serão os próprios beneficiários, à medida que muitos empregadores – que subsidiam esse benefício aos empregados – precisarão reavaliar a viabilidade de manutenção do próprio benefício do plano de saúde a todos, ativos e inativos, diante das dificuldades de manter a sua sustentabilidade. Na realidade em que estamos inseridos, em que o custeio do plano de saúde coletivo empresarial onera (e muito) o empregador e impacta sua competitividade, é de suma relevância que o STJ busque uma solução considerando a realidade e estrutura do mercado de saúde suplementar, viabilizando a concessão e manutenção do benefício de assistência à saúde pós-emprego oferecido pelas empresas aos seus empregados.
Esses vícios precisam ser sanados, e os participantes do mercado aguardam um posicionamento amplo e abrangente do STJ, que guiará os próximos passos do mercado de saúde suplementar.